Acórdão nº 580/19 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 580/2019

Processo n.º 362/2019

2ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão proferido pelo STA, em 30 de janeiro de 2019.

2. No processo a quo, a recorrente requereu a anulação de ato do Serviço de Finanças de Viseu consistente na decisão de levantamento da suspensão do processo de execução fiscal n.º 27201601073443 que tinha em curso em seu desfavor, com fundamento na inconstitucionalidade do número 1 do artigo 169.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) por ofensa ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 286.º, da CRP.

Tendo a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 26 de outubro de 2018, julgado improcedente o pedido da ora recorrente, a mesma interpôs recurso dessa sentença para o STA, alegando «a ilegalidade do ato reclamado» (fls. 218), contestando a «legalidade da dívida exequenda» (fls. 218) e sustentando a «inconstitucionalidade das normas mobilizadas pela inspeção tributária» (fls. 218).

Com interesse para os autos, pode ler-se nas suas conclusões de então:

«1. Não há nenhuma distinção relevante entre o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa e o mesmo pedido apresentado para lá desse prazo. Isto, segundo a grelha de análise que aqui importa – ou seja, tendo em consideração os princípios que formam a razão de ser do enquadramento do pedido de revisão no n.º 1 do artigo 169.º do CPPT.

2. Se se queria evitar aquela dualidade de efeitos relativamente a meios legais com a mesma razão de ser (o pedido de revisão e a reclamação graciosa, nomeadamente), em nome dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, então o pedido de revisão oficiosa também deveria ser considerado dentro do âmbito daquele dispositivo.

3. Com efeito, a lei, devidamente explicada e densificada pela doutrina e pela jurisprudência, trata este pedido como um expediente normal, próprio, típico e principal de contestação da legalidade de atos tributários, tanto quanto o pedido de revisão dentro do prazo de reclamação administrativa.

(…)

6. Dúvidas não restam de que, na ausência do pedido de revisão da letra do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, o seu conteúdo, devidamente integrado, teria de prever quer o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de “reclamação administrativa” quer o pedido deduzido para lá desse prazo, porque, à luz das razões de justiça material que recomendam a inclusão do primeiro, não é legitimamente possível deixar de fora o segundo, relativamente ao qual se aplicam as mesmas razões de justiça material.

(…)

8. É que, em primeiro lugar, o pedido de revisão também não é uma reclamação administrativa: a sua inclusão no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT não decorre de uma interpretação sobre o seu respaldo literal, mas sim de um raciocínio de equiparação à natureza, função e efeitos da reclamação graciosa, com base nos princípios da igualdade no acesso ao direito, conjugado com o da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos (se o pedido de revisão é a mesma coisa que a reclamação graciosa, então se for apresentado no mesmo prazo pode suspender a execução). Daí que não haja qualquer razão para afastar da previsão da norma o pedido de revisão deduzido em momento posterior ao fim do prazo de reclamação graciosa: este, quanto à sua natureza, função e efeitos, também já é equiparado à reclamação graciosa.

(…)

10. Nestes termos, o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13.º da CRP, e da tutela jurisdicional efetiva de direito e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.

11. Assim sendo, o mesmo deve ser aplicado neste caso como permitindo a suspensão do presente processo executivo em virtude da dedução do pedido de revisão de ato tributário apresentado».

Nesta sequência, o STA, no acórdão aqui atacado, para o que releva nos presentes autos, assevera não vislumbrar «em que medida o princípio da igualdade sai beliscado pela solução legislativa que apenas reconhece o efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão quando este se reconduz à reclamação graciosa e já não nos demais casos» (fls. 254).

E prossegue:

«Pese embora o esforço argumentativo da Recorrente no sentido de tentar estabelecer uma identidade absoluta entre o pedido de revisão deduzido dentro do prazo da reclamação graciosa (situação em que vimos que aquele equivale plenamente a esta) e o que foi deduzido para além daquele prazo, deixámos já expostos os motivos por que não existe essa identidade: são distintos os efeitos da procedência de um e de outro; também as consequências negativas que advêm para a execução fiscal de uma suspensão operada por força da reclamação graciosa, que tem de ser deduzida no prazo de 120 dias após os factos previsto no n.º 1 do art. 102.º do CPPT (cfr. art. 70.º, n.º 1, do CPPT) são bem distintas daqueles que adviriam da suspensão da execução fiscal quando motivada por um pedido de revisão deduzido quando já estava expirado aquele prazo, sobretudo tendo em conta que pode ser apresentado muito para além do termo para o pagamento voluntário do tributo (quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT).

Por outro lado, também não vislumbramos que a ausência de efeito suspensivo sobre a execução fiscal no caso em que o pedido de revisão é apresentado para além do termo do prazo da reclamação graciosa constitua uma intolerável compressão dos direitos dos sujeitos passivos. Na verdade, o sujeito passivo teve ao seu dispor toda uma panóplia de meios impugnatórios que lhe permitiriam (e permitiram efetivamente) a suspensão da execução fiscal. Ponto era que respeitasse as condições para essa suspensão, entre as quais a dedução em prazo desses meios processuais. O facto de o legislador não facultar o efeito suspensivo da execução relativamente a um meio processual que pode ser espoletado pelo sujeito passivo tão para além do termo do prazo para o pagamento voluntário não se nos afigura constituir um entrave desproporcionado ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, pois este tem de ser balanceado com o interesse público da cobrança célere do tributo, de que é expressão o art. 177.º do CPPT» (fls. 254-255).

3. Desse acórdão do STA, a requerente recorreu para o Tribunal Constitucional e no requerimento de interposição de recurso reafirmou que a norma do n.º 1 do artigo 169.º, do CPPT viola os princípios da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, respetivamente previstos pelos artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4, todos da CRP (fls. 263), remetendo para a suscitação prévia em sede de recurso para o STA, já destacada supra.

4. Admitido o recurso pelo Tribunal a quo, a recorrente, por ter-se limitado a aludir a uma questão de constitucionalidade sem uma delimitação apropriada, foi convidada a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, de forma a identificar qual a concreta dimensão normativa cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie (fls. 273).

Notificada, a recorrente respondeu que a razão pela qual ‘defende que o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT é inconstitucional é a circunstância de o preceito excluir do seu âmbito os pedidos de revisão de atos tributários apresentados, tal como é permitido pelo artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) – e de acordo com jurisprudência antiga e reiterada –, para lá do prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa» e que se trata da dimensão normativa «segundo a qual o preceito em crise […] distingue os pedidos de revisão de atos tributários consagrados no artigo 78.º da LGT, para o efeito da possibilidade de suspensão de processos de execução fiscal, consoante tenham sido apresentados ou não dentro do prazo de 120 dias que a lei prevê para a reclamação graciosa» (fls. 275).

5. Por despacho de 8 de maio de 2019, foi admitido por este Tribunal o recurso, tendo sido delimitado o seu objeto da seguinte forma: «a norma do artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual os pedidos de revisão de atos tributários apresentados pelo sujeito passivo ao abrigo do artigo 78.º da LGT para além do prazo de 120 dias previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT não suspendem a execução» (fls. 279). Assim, a recorrente foi convidada a produzir alegações.

6. Nas suas alegações de fls. 287-297, a ora recorrente reiterou a sua posição no que toca aos argumentos esgrimidos pela inconstitucionalidade da norma em causa e, em sede das suas conclusões (fls. 295-297), repetiu o mesmo conteúdo anteriormente apresentado no processo a quo e já devidamente destacado supra no sentido de sustentar a ofensa à Constituição por inobservância dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, nos moldes antes descritos.

7. Notificada, e decorrido o prazo legal, a recorrida não apresentou contra-alegações.

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