Acórdão nº 579/19 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 579/2019

Processo n.º 192/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., S.A., recorrente nos presentes autos em que é recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, vem recorrer, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC”), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de janeiro de 2019, que negou provimento ao recurso interposto de sentença em que se decidiu que a apresentação de um pedido de revisão do ato tributário, após o prazo de reclamação de 120 dias a que se refere o artigo 70.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante designado «CPPT»), não determina a suspensão do processo de execução fiscal prevista no n.º 1 do artigo 169.º do mesmo Código.

Admitido o recurso e subidos os autos, foi, na sequência de resposta a despacho convite, determinada a produção de alegações com referência à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 169.º, n.º 1, do CPPT segundo a qual os pedidos de revisão de atos tributários apresentados pelo sujeito passivo ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária para além do prazo de 120 dias previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT não suspendem a execução.

Apenas a recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«1. Não há nenhuma distinção relevante entre o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa e o mesmo pedido apresentado para lá desse prazo. Isto, segundo a grelha de análise que aqui importa - ou seja, tendo em consideração os princípios que formam a razão de ser do enquadramento do pedido de revisão no n.º 1 do artigo 169º do CPPT.

2. Se se queria evitar aquela dualidade de efeitos relativamente a meios legais com a mesma razão de ser (o pedido de revisão e a reclamação graciosa, nomeadamente), em nome dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, então o pedido de revisão oficiosa também deveria ser considerado dentro do âmbito daquele dispositivo.

3. Com efeito, a lei, devidamente explicada e densificada pela doutrina e pela jurisprudência, trata este pedido como um expediente normal, próprio, típico e principal de contestação da legalidade de atos tributários, tanto quanto o pedido de revisão dentro do prazo de reclamação administrativa.

4. A doutrina em que nos vimos apoiando, assim como a Sentença recorrida, diz que, do ponto de vista da natureza, da função e dos efeitos, as duas versões do pedido de revisão de atos tributários são iguais, uma vez que a razão material de ser, de uma e de outra, é exatamente a mesma

5. É por isso que, segundo a doutrina e a jurisprudência, em ambas as versões do pedido de revisão os contribuintes podem contestar os atos com base em matéria de facto ou de direito. É por isso que em ambas as versões o erro de direito ou de facto se presume imputável aos serviços da AT. É por isso que em ambas versões o indeferimento expresso ou tácito abre a via da impugnação contenciosa.

6. Dúvidas não restam de que, na ausência do pedido de revisão da letra do n.º 1 do artigo 169º do CPPT, o seu conteúdo, devidamente integrado, teria de prever quer o pedido de revisão apresentado dentro prazo de “reclamação administrativa” quer o pedido deduzido para lá desse prazo, porque, à luz das razões de justiça material que recomendam a inclusão do primeiro, não é legitimamente possível deixar de fora o segundo, relativamente ao qual se aplicam as mesmas razões de justiça material.

7. E não se diga que a inclusão do primeiro tem arrimo na letra da lei (que fala em “reclamação administrativa”) e que o princípio da interpretação segundo o qual não se pode fazer uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei recomendava a abertura da norma apenas ao pedido feito dentro do prazo de “reclamação administrativa”.

8. É que, em primeiro lugar, o pedido de revisão também não é uma reclamação administrativa: a sua inclusão no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 169º do CPPT não decorre de uma interpretação sobre o seu respaldo literal, mas sim de um raciocínio de equiparação à natureza, função e efeitos da reclamação graciosa, com base nos princípios da igualdade no acesso ao direito, conjugado com o da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos (se o pedido de revisão é a mesma coisa que a reclamação graciosa, então se for apresentado no mesmo prazo pode suspender a execução). Daí que não haja qualquer razão para afastar da previsão da norma o pedido de revisão deduzido em momento posterior ao fim do prazo de reclamação graciosa: este, quanto à sua natureza, função e efeitos, também já é equiparado à reclamação graciosa.

9. De resto, em segundo lugar, obviamente que aquele princípio de interpretação da lei, por muito relevante que seja, não se pode sobrepor aos princípios constitucionais de primeiríssima importância que aqui em jogo.

10. Nestes termos, o n.º 1 do artigo 169º do CPPT é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da CRP, e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da CRP.»

Cumpre apreciar e decidir

II. Fundamentação

4. O Acórdão n.º 501/2019 (acessível, assim como os demais adiante referidos, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) apreciou e decidiu a questão da inconstitucionalidade da referida norma do artigo 169.º, n.º 1, do CPPT. Concordando com tal decisão e com a respetiva fundamentação, transcrevem-se os passos mais relevantes daquele aresto:

«6. O incumprimento do dever fundamental de pagar os impostos criados «nos termos da Constituição» e liquidados em conformidade com o direito aplicável (n.os 2 e 3 do artigo 103.º da Constituição) não pode deixar de expor os devedores à possibilidade de cobrança mediante processo de execução fiscal (regulado nos artigos 148.º e seguintes do CPPT). A modelação deste processo deve, por sua vez, lograr o equilíbrio entre a eficácia, exigida pelo interesse público na obtenção das receitas necessárias à satisfação das necessidades coletivas e à prossecução dos demais objetivos visados pelo sistema fiscal, e a equidade, imposta pela necessidade de garantir a juridicidade da liquidação, a justiça do processo de cobrança e a tutela efetiva dos direitos fundamentais do executado (v. o Acórdão n.º 349/2018).

Neste equilíbrio, a suspensão do processo de execução fiscal na pendência de controvérsia a respeito da legalidade da dívida exequenda desempenha um papel de evidente relevância. Assim, prescreve o artigo 52.º da LGT que, «[a] cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de (...) reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda» (n.º 1), desde que seja prestada garantia idónea (n.º 2) ou que o executado seja dispensado de a prestar (n.os 4 e 5). Por sua vez, o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT prevê o seguinte:

“Artigo 169.º

Suspensão da execução. Garantias

1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, [a] impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente. (…)”.

A legalidade da liquidação da dívida exequenda pode ser posta em crise através de meios administrativos (que incluem a reclamação «graciosa» e o recurso hierárquico − artigos 66.º, 68.º e 76.º do CPPT) e contenciosos (através da impugnação judicial – v. os artigos 99.º e seguintes do CPPT). Tal como os tradicionais procedimentos de impugnação administrativa, o procedimento de revisão dos atos tributários, disciplinado no artigo 78.º da LGT, é um procedimento de segundo grau, que visa a reapreciação divergente, em regra com fundamento em invalidade, de «atos tributários», aqui entendidos, em sentido estrito,...

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