Acórdão nº 613/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 613/2019

Processo n.º 575/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente), foi condenado em primeira instância, no âmbito do processo n.º 656/12.1GFLLE, que correu os seus termos no Juízo Local Criminal de Loulé, na pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de €20,00, perfazendo o valor global de €4.200,00, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e dois crimes de injúria agravada, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.

1.1. Desta decisão interpôs recurso o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, requerendo, inter alia, a realização de audiência nos termos e para os efeitos previstos no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal (CPP). Foi este requerimento indeferido, em decisão do senhor desembargador relator do processo, datada de 26/06/2018, ali tendo considerado, designadamente, que não há lugar à realização da audiência nos casos em que “o recurso se mostre circunscrito ao reexame da matéria de direito”.

1.1.1. O Recorrente reclamou desta decisão para a conferência, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do CPP. Ali invocou, designadamente, o seguinte:

“[…]

7. A douta decisão ‘a quo’ – tomada sobre pedido expresso e tempestivo de realização de audiência – assume entendimento contrário à boa interpretação do n.º 5 do artigo 411.º do CPP, que consagra “um direito discricionário do recorrente”, violando e afrontando nesse específico sentido o artigo 32.º da CRP, e assume verificada, sem fundamento possível, a alegada condição de que “o recurso se mostre circunscrito ao reexame da matéria de direito”.

8. É outro o sentido interpretativo do n.º 5 do artigo 411.º do CPP, era e é outro o objeto e o contexto da pronúncia do douto Acórdão 163/2001, de 24/03/2011, tirado no tal processo 459/10, e de que foi relatora a Ilustre Conselheira Ana Maria Guerra Martins e – final e nuclearmente – é outro o âmbito do recurso, abrangendo matéria de direito e de facto.

[…]

11. Esta leitura implica a dimensão materialmente constitucional do preceito em causa, desde que verificada – como foi o caso – a condição de a mesma ter sido pedida no lugar, no tempo e no modo próprios.

12. A anotação correspondente ao mesmo número 5 do artigo 411.º do CPP dos Magistrados do Ministério Público do Distrito do Porto (Coimbra editora, Coimbra, 2009, página 1042) enfatiza que “os textos internacionais que nos obrigam (máxime, a CEDH) enfatizam a valor da audiência oral nos recursos, que agora é drasticamente diminuída, embora formalmente se mantenha ao alcance de todos os recorrentes", de aplicação direta na ordem jurídica nacional, referindo-se certamente ao direito, sem outras condições além das que estão vertidas em letra de lei, de o Recorrente requerer a realização de audiência em fase de recurso.

Por outro lado,

13. Ao que antes ficou, acresce que não pode valer sequer como referência jurisprudencial o que não foi dito no douto Acórdão do Tribunal Constitucional 163/2011, no mencionado processo 459/2010, sob recurso constitucional interposto sobre douto Acórdão da Relação de Guimarães.

Efetivamente,

14. A matéria considerada e resolvida pelo douto Acórdão do Tribunal Constitucional era outra: como bem terá dito o Ilustre Procurador da República cuja alegação foi transcrita a páginas 4 do Acórdão (…) ‘o recorrente cometeu o lapso de não atentar, como era sua obrigação, no art. 411.º, n.º 5, do CPP, pelo que não formulou, junto do tribunal da relação de Guimarães, quando o devia ter feito, o pedido de realização de audiência neste tribunal superior’.

15. Ou seja, o Tribunal Constitucional não considerou inconstitucional que a audiência tivesse de ser expressamente requerida.

16. Mas o Tribunal Constitucional não se pronunciou (nem se poderia ter pronunciado no caso) sobre o poder de o Tribunal de Recurso recusar o pedido de realização de audiência, quando o mesmo seja adequada e tempestivamente formulado.

[…]

18. A douta Decisão Sumária agora sob Reclamação não pode tomar para o caso destes Autos (pedido de audiência devidamente formulado) o ‘fattispecie’ do caso apreciado pelo Tribunal Constitucional (falta de formulação do pedido de audiência) nem pode forçar para o caso sob reclamação a argumentação que serviu para a jurisprudência constitucional.

19. O Tribunal Constitucional entendeu – e bem escreveu – que ‘a fixação legislativa de uma condição de realização de tal audiência de julgamento – que passou a constituir a exceção na tramitação processual dos recursos penais – não restringe o direito fundamental à assistência por advogado...’, mais tendo entendido – e bem tendo escrito, que a fixação de tal condição não viola o direito ao recurso e as demais garantias de defesa do arguido, porque tal condição ‘não configura uma limitação’, uma ‘redução’ ou sequer uma ‘oneração’ excessiva que diminua o âmbito e a extensão fundamental de recurso penal”, tendo como ‘constitucionalmente admissível que o atual regime dos recursos penais concebe a audiência de julgamento para produção de alegações orais como uma efetiva exceção ao regime normal de tramitação. Aliás, mesmo no âmbito do regime jurídico anterior à Lei 48/2007, a produção de alegações orais nem sequer constituía um direito indisponível do arguido, podendo este dele prescindir’.

20. Acrescenta o Tribunal Constitucional, com finura que se assinala e adiante se retomará, que ‘a eventual ausência de uma fase de audiência de julgamento de recurso, mediante produção de alegações orais, não conflitua com o direito fundamental ao recurso penal...’, adiante logo dizendo que ‘é inquestionável que a sujeição da recorrente a um ónus processual de identificação dos pontos de motivação do recurso que pretende discutir, mediante alegações orais, constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade na tramitação processual penal’.

Aliás, ‘Ies bons esprits se rencontrent’,

21. O próprio douto Acórdão do Tribunal Constitucional cita o Comentário ao CPP já antes aqui mencionado, de Paulo Pinto de Albuquerque, referindo-se então à sua 3.ª edição.

22. E, como é bem de ver – e atrás se prometem retomar – o pronunciamento do Tribunal Constitucional relativamente à conformidade constitucional do número 5 do artigo 411.º CPP não consente que nele se veia ou leia o poder de o Tribunal de recurso recusar a audiência que tenha sido tempestivamente e adequadamente requerida.

[…]

28. Pelo que isso logo inculca de legal e constitucionalmente problemático – o Recurso final teve e tem por objeto a douta Sentença proferida em 1.ª Instância pela Ilustre Juíza Doutora Manuela Costa, que apenas presidiu às sessões de Julgamento, em condições de “reafectação”, postas em crise no Recurso final, mas não a todas as fases do Julgamento, isto contra, segundo bem pareceu e parece ao Recorrente, os próprios termos de douto Acórdão da Veneranda Relação de Évora, no processo de conflito de competência 135/16.8YREVR que envolveu o ilustre Tribunal “a quo” e o Ilustre Tribunal de Faro (em formação coletiva), que antes tinha ordenado que deveria “operar-se a devolução do processo 656/94 GFLLE (estas presentes Autos) à Senhora Juíza a quem foi distribuído” (o que não se verificou).

[…]

IV – Conclusão

81. Como o Recorrente e Reclamante sumariou e depois desenvolveu, ponto por ponto, é outro o sentido interpretativo do número 5 do artigo 411.º do CPP, era e é outro o objeto e o contexto da pronúncia do douto Acórdão 163/2001, de 24/03/2011, tirada no tal processo 459/10, e de que foi relatora a ilustre Conselheira Ana Maria Guerra Martins e – final e nuclearmente – é outro o âmbito do Recurso (aliás Recursos), abrangendo matérias de direito ou de facto e matérias de direito e de facto.

Efetivamente,

82. O número 5 do artigo 411.º do CPP consagra um direito discricionário do Recorrente (no dizer invocado e mencionado de Paulo Pinto de Albuquerque).

[…]

85. O Acórdão 163/2011, mencionado na douta Decisão Sumária, justifica uma leitura inversa daquela que foi tomada: não é inconstitucional que a oralidade seja uma eventual exceção, sob a condição tida como adequada de que o Recorrente possa requerer a realização de audiência.

86. O Tribunal Constitucional legitimou a condição do número 5 do artigo 411.º do CPP, mas não legitimou qualquer poder para o Tribunal de recurso poder recusar a audiência adequada e tempestivamente requerida no momento cio próprio Recurso.

87. O fundamento que veio na Decisão Sumária sob reclamação, de que tal recusa seria possível se estivesse em causa apenas matéria de direito, falece face à lei e face aos termos do Recurso: a lei não permite a distinção, a densificação feita no Acórdão do Tribunal Constitucional não permite o passo, e o recurso versa sobre matérias de direito, matérias de facto e matérias de direito e de facto, parecendo mesmo não haver legitimidade para que, nesta fase e nesta formação singular, a Veneranda Relação de Évora se pronuncie agora sobre o âmbito dos recursos e assuma leitura redutora que restringiria os direitos processuais do Recorrente e Reclamante.

[…]”.

1.1.2. Por acórdão de 11/04/2019, o Tribunal da Relação de Évora indeferiu a reclamação, reiterando, designadamente, que o recurso – delimitado pelas respetivas conclusões – versa exclusivamente sobre matéria de direito.

1.2. O identificado arguido interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional – recurso que deu origem aos presentes autos –, nos termos seguintes (transcrição parcial do requerimento...

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