Acórdão nº 624/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 624/2019

Processo n.º 169/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. e B. (a ora Recorrente) intentaram, no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, uma ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a seguradora C., S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento das quantias de €1.344.874,24 (ao primeiro Autor) e de €25.400,00 (à segunda Autora), e ainda quantias a liquidar posteriormente, a título de indemnização por dano sofridos em acidente de viação. O processo correu os seus termos naquele tribunal com o número 1649/14.0T8VCT sendo que, relativamente à Autora ora Recorrente, tinha subjacentes danos reconduzíveis aos seguintes pontos da matéria de facto provada (v. fls. 626 verso):

“[…]

101. Os aqui Autores vivem em condições análogas às dos conjugues há mais de 30 anos, mantendo cada um a sua residência, vivendo o casal, alternadamente em casa de um ou de outro.

102. A Autora sentiu-se triste e constrangida por ver o seu companheiro atirado para o leito de uma cama ou para uma cadeira de rodas.

103. A Autora sente-se angustiada ao ver o seu companheiro permanentemente em sofrimento físico e psicológico.

104. A Autora sente-se amargurada por estar a viver sozinha há praticamente três anos.

105. A Autora sente-se desolada ao ver o seu companheiro totalmente dependente de terceiros, ele que era um homem autónomo e independente.

[…]”

1.1. O processo culminou, em primeira instância, na prolação de sentença pela qual a ação foi julgada parcialmente procedente e a Ré condenada: (a) a pagar ao Autor A. a quantia de €841.051,06 (oitocentos e quarenta e um mil e cinquenta e um euros e seis cêntimos), sendo €100.000,00 a título de danos não patrimoniais e €741.051,06 a título de danos patrimoniais; (b) a pagar ao Autor A. o montante que se vier a liquidar relativamente aos danos descritos em 1.79., 1.80, 1.124., 1.125. dos factos provados; e (c) a pagar ao Autor A. juros de mora sobre aquelas quantias. No mais – correspondendo à asserção decisória em causa no presente recurso –, a ação foi julgada improcedente, designadamente quanto aos pedidos deduzidos pela Autora B..

1.1.1. Desta decisão apelaram os Autores e a Ré para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 10/07/2018, decidiu julgar “[…] improcedente o recurso interposto pelos Autores e parcialmente procedente o recurso da Ré, reduzindo-se, consequentemente, a indemnização, a título de danos patrimoniais, à quantia de €472.996,76 (quatrocentos e setenta e dois mil, novecentos e noventa e seis mil euros e setenta e seis cêntimos), a pagar pela Ré ao [primeiro] Autor, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como o montante que se vier a liquidar em execução de sentença pelas perdas que se vier a provar ter tido pelo facto de não ter podido desenvolver a atividade referenciada no ponto 113, dos factos dados como provados em resultado da alteração fáctica supra mencionada quanto a esse ponto, no mais se confirmando, a sentença recorrida”.

1.2. Os Autores interpuseram, então, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

XXIII. Considerando que em caso de morte da vítima, os beneficiários da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 496.º do CC são aqueles que constam do n.º 2 desse mesmo normativo legal, compreendendo também o unido de facto por efeito do disposto no n.º 3 deste mesmo preceito legal; e, considerando que, de acordo com a interpretação do tribunal recorrido, o círculo de titulares da indemnização, em caso de lesão grave, se restringe aos mencionados no n.º 2 do artigo 496.º do CC, é forçoso concluir que o membro sobrevivo da união de facto deve ser considerado titular do direito indemnizatório por danos não patrimoniais, também em caso de lesão grave;

XXIV. Entendimento diverso, conforme o propalado pelo tribunal recorrido, considerando que o n.º 2 do artigo 496.º do CC deve ser interpretado no sentido de, em caso de lesão corporal grave, exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, é manifestamente inconstitucional, por violar os princípios da igualdade, da proporcionalidade e, bem assim, o direito consagrado no artigo 36.º da CRP;

XXV. Termos em que, deve o tribunal ad quem julgar totalmente procedente a apelação promovida pela Recorrente BB e, em conformidade, condenar a Ré seguradora a reembolsar todas as despesas que a mesma incorreu com as visitas diárias que fez ao seu companheiro AA enquanto este permaneceu internado (nos termos do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil) e, bem assim, a pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência das lesões sofridas pelo seu companheiro ou unido de facto, em € 20.000,00 (vinte mil euros).

XXVI. A decisão recorrida violou assim o disposto nos artigos 483.º, 495.º, 496.º, 562.º e 566.º do Código Civil e, bem assim, os artigos 2.º, 13.º e 36.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

[…]” (sublinhado acrescentado).

1.2.1. Pelo STJ foi proferido acórdão, datado de 09/01/2019, negando a revista e, consequentemente, confirmando a decisão recorrida. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

D) Resta decidir a última questão: São ou não indemnizáveis os danos não patrimoniais laterais invocados pela Autora B.?

No Acórdão recorrido entendeu-se que a Autora/recorrente não está incluída no conjunto de pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil pelo que não lhe pode ser reconhecido o direito à indemnização que peticiona.

Defendem os Recorrentes, concretamente a Autora/Recorrente B., que o n.º 2 do artigo 496.º do CC – que dispõe que «por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem» –, interpretado no sentido de, «em caso de lesão corporal grave, excluir a atribuição de um direito de indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, é manifestamente inconstitucional, por violar os princípios da igualdade, da proporcionalidade e, bem assim, o direito consagrado no artigo 36.º da CRP».

E isto porque – argumenta – «em caso de morte da vítima, os beneficiários da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 496.º do CC são aqueles que constam do n.º 2 desse mesmo normativo legal, compreendendo também o unido de facto por efeito do disposto no n.º 3 deste mesmo preceito legal».

Não lhes assiste razão pois que uma tal interpretação não viola o princípio da igualdade.

Na verdade, quando se tenha em conta que «o princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é [...] violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante» (cf. o citado acórdão n.º 39/1988), logo se vê que não é discriminatório atribuir direito à indemnização por danos não patrimoniais àquela que vivia em união de facto com a vítima, em caso de morte desta, e não lhe reconhecer tal direito quando a vítima apenas sofreu lesão corporal grave. É que, quando um ente querido sofre lesões graves, os danos não patrimoniais não têm a mesma gravidade do caso em que esse ente querido perde a vida. Por isso, não é irrazoável que o legislador apenas considere merecedores da tutela do direito os danos não patrimoniais causados pelo decesso do unido de facto.

Acresce que não se vê que a norma sob escrutínio viole o princípio da proporcionalidade, pois não se descortina nela qualquer excesso, e a recorrente também não esclarece de que modo ela vá além da justa medida.

Por outro lado, quanto à invocada violação do «direito consagrado no artigo 36.º da CRP», a recorrente não esclarece a que direito se refere, nem de que modo tal direito é infringido pela interpretação normativa feita pela decisão impugnada, que ela questiona, designadamente ratione constitutionis.

Supõe-se que não queira referir-se ao direito a contrair casamento, uma vez que ela optou por viver em união de facto. Mas, caso seja esse o direito que a recorrente considera violado, não se vê em que é que a não atribuição do direito à indemnização por danos não patrimoniais, causados pelo facto de o companheiro ter sofrido lesões graves, contenda com o direito a contrair casamento.

Caso a recorrente queira referir-se ao direito de constituir família, também não se descortina como e em que medida um tal direito possa ser violado pela interpretação normativa que ela questiona.

Nenhum dos outros direitos previstos no artigo 36.º da Constituição – salvo o direito-dever de educar os filhos, se acaso houvesse da união de facto invocada – pode aqui estar em causa.

Deste modo, podemos concluir que a norma agora sub iudicio também não viola o artigo 36.º da Constituição.

Em suma, à Autora B. não assiste o direito de peticionar uma indemnização pelos danos laterais que invocou, pelo que se impõe igualmente a improcedência desta questão.

Assim, impõe-se a improcedência total das alegações dos recorrentes, pelo que se nega a revista.

[…]” (sublinhados...

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