Acórdão nº 615/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 615/2019

Processo n.º 749/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (ora Recorrente) intentou, junto do Juízo de Competência Genérica de Moura, uma ação de divisão de coisa comum (que ali correu os seus termos com o número 349/18.6T8MRA) contra herança de B., C. e D..

1.1. Por despacho de 26/10/2019, foi a petição liminarmente indeferida, em suma, por manifesta improcedência dos pedidos.

1.1.1. Desta decisão apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Évora. Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

I) A douta sentença recorrida [incorre em] várias nulidades (…).

II) Desde logo e essencialmente por não conhecer da inscrição tabular respeitante à questão da pendência de impugnação jurisdicional do despacho administrativo de recusa consignada na certidão de registo predial que instruiu a petição sub judice e se encontra imediatamente seguinte ao aponte de recusa correspondente, ao alcance de vista, e de capital relevância para a aferição da propriedade cujo registo obrigatório se requisitou e mantém validade provisória até trânsito em julgado dessa impugnação, segundo as conjugadas regras dos artigos 6,º, n.º 4, 8.º-A e 8.º-C do Código de Registo Predial.

III) Até decurso do prazo de recurso de uma qualquer decisão dessa impugnação registada, e após ela se procedente, o apelante é proprietário de metade, sem determinação de parte ou direito, dos prédios adjudicados em execução judicial (…).

IV) Sendo que desse registo de aquisição por adjudicação julgada válida, os derivados de cancelamento oficioso de arresto e penhora daqueles prédios, também inscritos tabularmente como consta na mesma certidão.

V) Colidindo mesmo o tribunal a quo, na decisão sindicada, com a independência do Tribunal de Execução, criticando caso julgado deste ao afirmar que “(…) tampouco poderia ser vendida em execução uma quota ideal da propriedade referente a um prédio que não está titulado em compropriedade”.

VI) Destarte e data venia, configura-se um grosseiro erro judiciário a aplicação das sobreditas normas registrais com a interpretação alinhada na douta sentença recorrida, designadamente os princípios constitucionais da confiança jurídica, propriedade e submissão dos tribunais à legalidade, impostos conjugada e concomitantemente pelos imperativos dos artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 9.º, alínea b), 13.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.os 1, 4 e 5, 62.º, n.º 1, 81.º, alíneas a) e b), 202.º, n.º 2 e 203.º, todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade interpretativa que aqui se suscita para todos os efeitos legais, tendo-se por correta a que emerge das alegações e conclusões do presente recurso na sua complementaridade.

[…]

VIII) Considerando-se concomitante e fatalmente violadas as normas legais ínsitas nos: (…) artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 9.º, alínea b), 13.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.os 1, 4 e 5, 62.º, n.º 1, 81.º, alíneas a) e b), 202.º, n.º 2 e 203.º, da Constituição da República Portuguesa [e] todos os demais preceitos normativos subsidiários aplicáveis, com o sentido propugnado ao longo do presente recurso .

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.2. Pelo Tribunal da Relação de Évora foi proferido acórdão, datado de 14/02/2019, no sentido da improcedência do recurso. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Da manifesta improcedência dos pedidos

O Recorrente sustenta que a ação deve prosseguir os seus regulares termos de modo a que seja admitido a promover a divisão dos prédios. Invoca que não foi tido em consideração que foi impugnada a recusa da inscrição no registo do seu direito e que foi violado o caso julgado formado no processo executivo.

Não lhe assiste razão.

Tal como bem consta assinalado na sentença recorrida, o direito que o Recorrente adquiriu no processo executivo consiste no direito à meação no património comum de (…) e (…), dissolvido que foi o casamento. Trata-se da propriedade em mão comum, situação jurídica distinta da compropriedade.

[…]

A doutrina (…) costuma recorrer a este conceito para enquadrar o regime a que a lei subordina o património comum dos cônjuges, tal como o das sociedades não personalizadas e o da herança indivisa.

[…]

Ou seja, é por via da partilha que se extingue a comunhão de mão comum ou propriedade coletiva. Tal como sucede com a herança, a partilha dos bens comuns em consequência da extinção da comunhão de bens entre os cônjuges opera-se por partilha, seja por acordo seja por via do procedimento de inventário. Não tem lugar por via do processo especial de divisão de coisa comum – pois que, como foi explicado na sentença recorrida e aqui reforçado, o titular do direito à meação participa no direito único sobre todo o património, mas não é titular de direito sobre bens que integrem o património comum.

É que a compropriedade, tal como previsto no art. 1403.º, n.º 1, do CC, carateriza-se por duas ou mais pessoas serem simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Dois ou mais sujeitos participam no direito de propriedade sobre bem certo e determinado, sendo que a divisão se faz por acordo ou nos termos do processo especial de divisão de coisa comum.

Decorre do exposto que, atenta a alegação factual exarada no requerimento inicial, o Recorrente, contrariamente ao que insistentemente sustenta e apesar do que foi evidenciado na sentença recorrida, não é comproprietário dos prédios urbanos identificados nos autos. É antes titular de direito de mão comum sobre o património comum que adveio do casamento que foi dissolvido.

E não sendo comproprietário, não merece censura a sentença recorrida.

Igualmente não merece censura a afirmação lavrada no sentido de que “(…) tampouco poderia ser vendida em execução uma quota ideal da propriedade referente a um prédio que não está titulado em compropriedade.” É que foi vendido na execução o direito à meação, e não uma quota ideal sobre o prédio concreto, que nem está titulado em compropriedade. O que, de todo o modo, não redundaria em violação de caso julgado do processo executivo.

No que tange ao registo predial, é questão sem qualquer relevância para a questão em apreço, pois o Recorrente não é titular do direito de compropriedade, logo, não há que averiguar se o registo predial revela ou não o direito de compropriedade do Recorrente. Acresce que a cessão de meação não está sujeita a registo, ainda que o património a partilhar integre bens imóveis.

Os demais pedidos formulados decorrem, efetivamente, do pedido de divisão de coisa comum, além de se alicerçarem na alegação jurídica do Recorrente no sentido de que é comproprietário dos prédios. O que não se verifica. Para além disso, sempre este processo especial seria inadequado à tramitação daquelas pretensões, e sempre seria de atentar no regime decorrente da aplicação conjugada dos arts. 37.º e 555.º do CPC atinente à cumulação ilegal de pedidos.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. O Autor apresentou requerimento de interposição de recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Évora para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Nas alegações de recurso invocou, designadamente, o seguinte:

“[…]

E esta matéria erege-se aqui, como no antecedente processado, como essencial para a boa aplicação do Direito, uniformidade na sua aplicação e segurança jurídica na proteção de direitos fundamentais, reconhecidos constitucionalmente, como o do direito à justiça na recuperação de créditos, o recurso aos meios judiciários, a exequibilidade das sentenças e a propriedade, no seu uso e fruição socialmente pacíficas, de todos conhecidos e reconhecidos pacificamente.

[…]

Matéria que, para além do mais, constitui franca e ampla violação de direitos, liberdades e garantias do cidadão recorrente, credor há longos anos de valores patrimoniais, exequente de sentença condenatória, adjudicante forçado do único património conhecido do executado e, por tudo isso, metido a titular de parte indivisa de imóveis não partilhados em vida do cônjuge do executado, seu devedor, nem, após falecimento da ex-cônjuge deste, pela respetiva herdeira única apesar de a isso instada pelo recorrente como comprovado liminarmente nos presentes autos.

[…]

A que acresce relevantemente que as questões de inconstitucional interpretação das normas aplicadas suscitadas expressamente em sede de conclusões VI) e VII) do recurso apresentado à Veneranda Relação a quo vêm desvalidas de apreciação, de simples alusão até; tendo sido adequadamente suscitadas ante esse TRE.

Omissão de pronúncia esta que também inquina o acórdão TRE recorrido, impedindo ou dificultando tal recurso constitucional e, também por isso, enformando a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que aqui se argui expressamente para todos os efeitos legais ante este Supremo Tribunal nas alegações e conclusão que acompanham e aqui se têm por integralmente reproduzidas por economia de meios.

Com graves repercussões no interesse social e uniformidade decisória que é desejada e...

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