Acórdão nº 599/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução21 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 599/2019

Processo n.º 585/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão, que, negando provimento ao recurso do recorrente A., confirmou a decisão do tribunal de primeira instância que aplicou aos autos o artigo 6.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, declarando que o período de cessão do rendimento no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante dos presentes autos se iniciou no dia 1 de julho de 2017, e terá o seu término em 30 de junho de 2022 (fls. 88 a 100).

Inconformado, o recorrente apresentou recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), preceito que, sob a epígrafe «recurso», determina: «No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme».

O Supremo Tribunal de Justiça, apreciando como questão prévia a admissibilidade do recurso à luz do preceituado pelo artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, proferiu acórdão decidindo «não tomar conhecimento do objeto do recurso, atenta a sua manifesta inadmissibilidade» (fls. 211).

2. Inconformado, o recorrente veio então interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), o que fez nos seguintes termos (fls. 221 a 227):

«A., Insolvente/Recorrente nos autos à margem indicados e neles melhor identificado, notificado do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com ref. 8435218, que decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso, vem expor e requerer a V. Exas. o seguinte:

1. Têm os presentes autos origem no despacho proferido pelo Exmo. Sr. Juiz do Tribunal de 1ª instância, em 16.01.2018 e com ref. 372376934, que indeferiu o requerimento do aqui Recorrente, de 06.12.2017 e com ref. 275723l3, através do qual este requereu àquele que proferisse decisão final de exoneração do passivo restante, nos termos do artigo 244.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante, brevitatis causa, CIRE) e com os efeitos dos artigos 245.º e ss. do CIRE, e que, com efeitos a 01.12.2017, declarasse o termo da cessão do rendimento disponível aos credores, ordenando ao fiduciário a entrega, ao insolvente ora Recorrente, de todos os bens, que, após aquela data, fossem apreendidos, designadamente a sua pensão de velhice, sem qualquer desconto ou dedução.

2. O consequente indeferimento do peticionado teve por referência o artigo 6.º, n.º 6 do Decreto-Lei 79/2017 de 30 de junho, que estipula que "Nos casos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, em que não tenha sido declarado o encerramento e tenha sido proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do presente decreto-lei.".

3. E concluiu, declarando que o período de cessão de rendimentos do Recorrente insolvente se iniciou em 01.07.2017, terminando em 30.06.2022.

Em face do aí decidido,

4. E inconformado com o teor do mencionado despacho, o insolvente dele recorreu judicialmente, tendo o recurso subido em separado e com efeito devolutivo para o Tribunal da Relação de Lisboa,

5. Nele defendendo e invocando o Recorrente, tal como já o havia feito no requerimento de 06.12.2017, com ref. 27572313:

a. A inconstitucionalidade material dos artigos 230.º, n.º 1, al. e) e 239.º, n.º 2 do CIRE, quando interpretados e aplicados no sentido de a cessão de rendimento disponível durante 5 anos só se iniciar efetivamente depois de liquidado e rateado entre os credores o património do devedor e de expressamente encerrado o processo de insolvência, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e, sobretudo, da proporcionalidade, previstos nos artigos 1.º, 13.º e 18.º da CRP, bem como dos direitos fundamentais à propriedade privada, à liberdade económica, à pensão de velhice e ao desenvolvimento da sua personalidade, consagrados nos artigos 62.º, 61.º, 63.º e 26.º da CRP, aqui intimamente ligados com a dignidade da pessoa humana;

b. A inconstitucionalidade material do n.º 6 do artigo 6.º do Decreto-Lei 79/2017, de 30 de junho, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da confiança, previstos nos artigos 1.º, 2.º, 13.º e 18.º da CRP, bem como dos direitos fundamentais à propriedade privada, à liberdade económica, à pensão de velhice e ao desenvolvimento da sua personalidade, consagrados nos artigos 62.º, 61.º, 63.º e 26.º da CRP, aqui intimamente ligados com a dignidade da pessoa humana;

Requerendo, por decorrência, que aquele douto Tribunal:

c. Proferisse decisão final de exoneração do passivo restante do Recorrente, nos termos do artigo 244.º do CIRE e com os efeitos dos artigos 245.º e ss. do CIRE, desde 01.12.2017; e

d. Com efeitos a 01.12.2017, declarasse o termo da cessão do rendimento disponível aos credores e ordenasse ao Fiduciário a entrega, ao Recorrente, de todos os bens que, após aquela data, fossem apreendidos, designadamente a sua pensão de velhice, sem qualquer desconto ou dedução.

Contudo,

6. O certo é que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu manter a decisão impugnada, julgando improcedente a apelação e, portanto, não reconhecendo as apontadas inconstitucionalidades,

7. Por entender, em suma, que o período de cessão de rendimentos do Recorrente insolvente só se iniciaria com o despacho de encerramento do processo, não fora a entrada em vigor do n.º 6 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, por força do qual, quanto muito, aquele período deve ter-se então por iniciado em 01.07.2017.

Com efeito,

8. Ainda inconformado com o teor decisório do Tribunal da Relação de Lisboa, e porque é manifesta e inequívoca a inconstitucionalidade das normas e da interpretação e aplicação que se lhes atribuiu, o Recorrente interpôs recurso de revista daquele acórdão, ao abrigo do artigo 14.º do CIRE, para este Supremo Tribunal de Justiça, com efeito devolutivo e subida em separado.

9. Uma vez mais, e sempre, com o fundamento na inconstitucionalidade material dos artigos 230.º, n.º 1, al. e) e 239.º, n.º 2 do CIRE, quando interpretados e aplicados no sentido de a cessão de rendimento disponível durante 5 anos só se iniciar efetivamente depois de liquidado e rateado entre os credores o património do devedor e de expressamente encerrado o processo de insolvência, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e, sobretudo, da proporcionalidade, previstos nos artigos 1.º, 13.º e 18.º da CRP, bem como dos direitos fundamentais à propriedade privada, à liberdade económica, à pensão de velhice e ao desenvolvimento da sua personalidade, consagrados nos artigos 62.º, 61.º, 63.º e 26.º da CRP, aqui intimamente ligados com a dignidade da pessoa humana,

10. E, bem ainda, na inconstitucionalidade material do n.º 6 do artigo 6.º do Decreto-Lei 7912017, de 30 de junho, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da confiança, previstos nos artigos 1.º, 2.º, 13.º e 18.º da CRP, bem como dos direitos fundamentais à propriedade privada, à liberdade económica, à pensão de velhice e ao desenvolvimento da sua personalidade, consagrados nos artigos 62.º, 61.º, 63.º e 26.º da CRP, aqui intimamente ligados com a dignidade da pessoa humana.

Porém,

11. Foi decidido pelo coletivo de Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça não tomar conhecimento do objeto do recurso, considerando a inadmissibilidade do mesmo pela circunstância de os dois acórdãos alegadamente em confronto na revista não terem sido proferidos no domínio da mesma legislação, no que respeita à contagem do prazo relevante para efeitos de exoneração do passivo restante,

12. Isto é, considerou este douto Tribunal não estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade da revista exigidos pelo artigo 14.º do CIRE, vedando-se, consequentemente, ao Tribunal o conhecimento do objeto do recurso.

Significa isto que,

13. Face ao que vem estabelecido nos n.ºs 2 a 4 do artigo 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de novembro), verifica-se que estão irremediável e completamente esgotados todos os meios de recursos jurisdicionais ordinários,

14. Que possibilitem ao aqui Recorrente, de acordo com o disposto no artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), reagir contra a decisão de aplicação das supra identificadas normas e contra a interpretação que lhes foi atribuída nas instâncias, com as quais o aqui Recorrente não se conforma, nem pode conformar,

15. E de cuja inconstitucionalidade material permanece inabalavelmente persuadido.

Por tudo o supra exposto,

16. E porque, como já exaustivamente vem demonstrando...

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