Acórdão nº 632/19 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Claudio Monteiro
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 632/2019

Processo n.º 595/19

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Claudio Monteiro

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A., SAD veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), da decisão proferida no Supremo Tribunal Administrativo em 2 de maio de 2019, a qual revogou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, mantendo o decidido no acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, que, por sua vez, aplicou ao ora recorrente duas sanções disciplinares de multa, pela prática das infrações previstas e punidas pelo artigo 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RDLPFP.

2. Neste Tribunal foi proferida a Decisão Sumária n.º 515/2019, na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso, com base na seguinte fundamentação:

«2. Recorde-se, antes do mais, que este Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que constituem requisitos cumulativos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo da apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo [artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC].

Assim, cabe aquilatar se, in casu, tais requisitos se verificam.

3. O recorrente enuncia, no requerimento de interposição do recurso três questões de constitucionalidade.

Comecemos por analisar a primeira, referente «aos artigos 222.º-2 e 250.º-1 do RDLPFP no sentido de que a comprovação de um elemento constitutivo de uma infração disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação».

Da análise da admissibilidade do presente recurso à luz dos enunciados pressupostos de que depende o seu conhecimento, resulta, com pertinência imediata, que o primeiro enunciado interpretativo apresentado se afigura desprovido da necessária natureza normativa, não constituindo, por isso, objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.

Como é sabido, o Tribunal Constitucional, no âmbito dos seus poderes cognitivos de fiscalização concreta, apenas se encontra habilitado a julgar questões de constitucionalidade relativas a normas ou interpretações normativas estando-lhe vedada a apreciação de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, pelo que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da enunciação de uma verdadeira questão normativa.

Deste modo, sob pena de inidoneidade, impende sobre o recorrente o ónus de delimitar como objeto material do recurso de constitucionalidade o critério normativo que presidiu ao juízo decisório do caso concreto, ou seja, uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade encontre um mínimo de conexão, autonomizando-a claramente da pura atividade subsuntiva, intrinsecamente relacionada com as particularidades específicas do caso concreto.

Ora, a formulação da primeira questão de constitucionalidade elencada no requerimento de interposição do recurso revela a pretensão do recorrente de controverter a atividade subsuntiva levada a cabo pelo tribunal a quo, designadamente no que concerne ao ónus da prova imposto ao arguido em processo disciplinar, pretendendo que este Tribunal assuma a veste de jurisdição ordinária, assim sindicando o concreto juízo aplicativo efetuado pelo tribunal a quo, na sua dimensão de valoração e ponderação da prova produzida bem como de subsunção jurídica dos factos dados como provados.

Todavia, a sindicância do acerto do juízo subsuntivo do direito infraconstitucional, constituindo um apelo à ponderação subsuntiva própria do mérito da decisão recorrida, é matéria absolutamente estranha ao âmbito de competências do Tribunal Constitucional, sendo exclusivamente reservada aos tribunais comuns, determinando, por isso, a inidoneidade do objeto do presente recurso de fiscalização da constitucionalidade.

A este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º 633/08, o seguinte:

«(…) cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).

Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione...

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