Acórdão nº 659/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 659/2019

Processo n.º 764/2018

2ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos de Tribunal arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente A. S.A. e OUTROS e recorrida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), da sentença arbitral de 23 de julho de 2018.

2. As recorrentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral, requerendo a anulação dos atos de liquidação do Adicional ao IMI no valor total de €4.788.244,86, respeitantes ao ano de 2017, com fundamento na inconstitucionalidade material dos artigos 135.º-A e 135.º-B, nºs. 1 e 2, do Código do IMI, este interpretado no sentido de impor a incidência do AIMI sobre imóveis (prédios urbanos) habitacionais e terrenos para construção, detidos por pessoas coletivas no âmbito da sua atividade, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e do direito à habitação, consagrados pela Constituição.

Constituído o Tribunal arbitral, o mesmo proferiu a decisão ora recorrida, na qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Com interesse para os autos, pode ler-se na decisão:

“As Requerentes defendem que «ao não se excluir, expressamente, do âmbito de incidência do Adicional os imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica criou-se a referida situação de penalização dos imóveis detidos para estes fins por sociedades no exercício da sua atividade, sem qualquer fundamento, que lhe permita passar o teste da constitucionalidade».

No entender das Requerente [sic], «a detenção destes imóveis não é reveladora da especial capacidade contributiva que justifica a tributação em sede deste imposto, das pessoas singulares; por outro, a sua aplicação afeta a atividade económica das sociedades quando esta seja exercida através de imóveis destinados à habitação ou terrenos para construção, que foi precisamente o efeito que o legislador procurou acautelar».

A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.

São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

[…]

Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).

A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.

Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI.

[…]

No que concerne ao afastamento da tributação relativamente aos prédios destinados a comércio, indústria ou serviços poderá entrever-se uma explicação na finalidade invocada para a criação desta nova tributação, que é ao financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevista no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.

A subsidiação do sistema de segurança social é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP e a sua sustentabilidade e estabilidade é uma preocupação permanente, como é facto notório, o que tem justificado plúrimas iniciativas, bem evidenciadas nas Grandes Opções do Plano para 2017 (Lei n.º 41/2016, de 28 de Dezembro,) e para 2018 (Lei n.º 113/2017, de 29 de Dezembro) ( [4] ) entre as quais se inclui a diversificação das fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adoptado nas Leis de Bases da Segurança Social (artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro). A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].

Desta perspectiva, poderá vislumbrar-se razão para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.

O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objectiva e racional.

Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário gerador de rendimentos que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.

Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

[…]

Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implica necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas actividade para a...

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