Acórdão nº 660/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 660/2019

Processo n.º 627/18

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi proferida sentença que, para o que ora revela, recusou a aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro), na parte em que determina para os funcionários e agentes aposentados a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2.º da Constituição (fls. 206 a 212).

2. Em face da recusa de aplicação da norma, o Ministério Público apresentou, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o seguinte requerimento de recurso obrigatório de fiscalização concreta da constitucionalidade (fls. 203 a 203v):

«O MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado em 06.04.2018 da sentença proferida nos autos em epígrafe, vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 70º, nº 1, al. a), 72º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 75º-A da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dela interpor Recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. A douta sentença em apreço recusou a aplicação do art.º 26º. n.º 1, al. c) do Regulamento Disciplinar da Policia de Segurança Pública. aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, com os mesmos fundamentos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 858/2014, retificado pelo Acórdão nº 29/2015, e do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 611/2016.

2. Pretende-se, assim, ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante da al. c) do n.º 1 do art.º 260 do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, por violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2º da Constituição, "na parte em que determina para os funcionários e agentes aposentados a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos".

3. O presente recurso é processado como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos das disposições conjuga das dos artigos 140º, 142.º nº 1 e 2 e 143º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro (vide art.º 15º, n.º 2 deste diploma legal), e artigos 644º nº 1, al. a) e 645º nº 1, al. a) do atual Código de Processo Civil, ex vi art.º 78º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, e interrompe os prazos para a interposição dos recursos ordinários que caibam da decisão, nos termos do art.º 75º, n.º 1 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

Nestes termos, requer a V. Ex.a se digne admitir o presente recurso».

3. Admitido o recurso, o Ministério Público, junto deste Tribunal Constitucional, apresentou alegações, propugnando pela confirmação da decisão recorrida, remetendo, quanto ao juízo de inconstitucionalidade, para a orientação desenvolvida nos Acórdãos n.ºs 858/14 e 611/16, deste Tribunal Constitucional, e acrescentando o seguinte:

«(…)

16º

No caso dos presentes autos, a substituição da sanção disciplinar de demissão pela perda do direito à pensão pelo período de quatro anos, feita ao abrigo do art. 26º, nº 1, alínea c) do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei 7/90, de 20 de Fevereiro, atinge, por um lado, desde logo, o Subchefe punido, A., retirando-lhe, durante o referido período, o acesso aos seus habituais meios de subsistência.

Atinge, porém, também os elementos do seu agregado familiar, designadamente a respectiva cônjuge, uma vez que o Subchefe punido, que não parece dispor de qualquer outra fonte de rendimento (cfr. fls. 172 dos autos), deixará de poder contribuir para as despesas do seu agregado familiar com a pensão de reforma por si auferida (no valor mensal de € 1.481,61 – cfr. fls. 165 dos autos), ficando a sua cônjuge onerada com a tarefa de prover ao sustento de ambos.

Atinge, por último, a vítima, B., como decorre da petição inicial da acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, instaurada pelo Subchefe punido, em 5 de Abril de 2011, contra o Ministério da Administração Interna, em que, designadamente, escreveu (cfr. fls. 21 dos autos):

82. Acresce que o pagamento da indemnização civil que o Autor foi condenado a pagar à vítima, está a ser feito mediante descontos na reforma do Autor, pelo que, confirmando-se a sanção de corte nas pensões pelo prazo de 4 anos ao autor, a vítima deixará de receber a referida indemnização, uma vez que o Autor não tem qualquer outro bem ou fonte de rendimento, além da sua reforma, para efectuar o pagamento da indemnização à vítima.

Neste contexto, a violação do princípio da proporcionalidade surge com particular acuidade no caso dos presentes autos, acabando a aplicação da sanção da perda do direito à pensão pelo período de quatro anos por prejudicar, irremediavelmente, não só a vítima, mas igualmente a cônjuge do Subchefe sujeito à referida sanção disciplinar, perante quem este está obrigado aos necessários deveres de cooperação e assistência (cfr. art. 1672º do Código Civil).

17º

Assim, por todas as razões invocadas ao longo das presentes alegações, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá:

a) negar provimento ao recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público nos presentes autos;

b) confirmar, nessa medida, a sentença recorrida, de 4 de Abril de 2018, da digna magistrada judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que desaplicou a norma do artigo 26º, nº 1, alínea c) do Regulamento Disciplinar da PSP, “na parte em que determina para os funcionários e agentes aposentados a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos, por violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2º da Constituição, ao abrigo do qual o acto foi praticado».

4. Devidamente notificado para, querendo, contra-alegar, o Recorrido, A., nada disse (fls. 241).

Em virtude da cessação de funções da Relatora originária, foram os autos objeto de redistribuição.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

5. Delimitação do objeto do recurso

Como se teve já ocasião de assinalar, o thema decidendum, nestes autos de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, circunscreve-se à questão de apurar se a alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Regulamento Disciplinar da PSP, que estabelece que relativamente aos funcionários e agentes aposentados, a pena de demissão será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de quatro anos, posterga o artigo 2.º da Constituição.

5.1. Será, contudo, importante frisar que a decisão recorrida, que determinou a anulação do ato administrativo de aplicação da sanção disciplinar de perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, em substituição da pena de demissão, se baseou não apenas na desaplicação da norma agora questionada, por inconstitucionalidade material, mas num outro fundamento alternativo: a violação do disposto no artigo 35.º, n.º 2, do RDPSP, “de cuja norma se extrai, a contrario, que os funcionários aposentados, por não se encontrarem a exercer funções, não estão sujeitos ao poder disciplinar”.

Poderá colocar-se, portanto, a questão de saber se é útil conhecer do mérito do presente recurso, atendendo à circunstância de a invocada inconstitucionalidade da norma, cuja aplicação foi recusada, corresponder, na economia argumentativa do tribunal a quo, a um dos fundamentos da decisão, mas não configurar o seu fundamento exclusivo.

Entendemos, com apoio na jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos n.º 256/04, 40/11 e demais arestos aí citados), que o recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, deve ser admitido, mesmo nos casos em que a norma cuja aplicação foi recusada não constituiu o único fundamento da decisão.

Neste sentido, se pronunciou o Acórdão n.º 40/11:

«Este Tribunal tem vindo a entender que, face à função instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, não deve conhecer dos recursos de constitucionalidade quando a decisão recorrida comporte um fundamento alternativo, estranho ao objecto do recurso e suficiente para suportar o sentido da decisão. No entanto, este é um entendimento desenvolvido no âmbito dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para os quais é pressuposto, além do mais, que o recorrente haja esgotado todos os recursos ordinários à sua disposição (cfr. o artigo 70.º, n.ºs 2 a 6, da LTC).

O recurso interposto ao abrigo da alínea a) do citado n.º 1 do artigo 70.º apresenta especificidades de regime, decorrentes da singularidade da situação gerada com a desaplicação por inconstitucionalidade, as quais, em nosso juízo, impedem a transposição daquele entendimento para o seu âmbito (porém, em sentido contrário, cfr., designadamente, os Acórdãos n.ºs 584/09 e 282/10).

Quando um tribunal recusa a aplicação de...

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