Acórdão nº 654/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 654/2019

Processo n.º 754/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Notificado da decisão sumária n.º 599/2019, dela veio arguido A. reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC).

2. O recurso inscreve-se incidentalmente em processo criminal, no âmbito do qual o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27 de junho de 2018, confirmou o decidido pela primeira instância, mantendo a condenação do arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de seis crimes de peculato, p. e p. pelo artigo 20.º, n.º 1, por referência ao disposto nos artigos 1.º, 3.º, alínea i), e 5.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16.07, ex vi do disposto no artigo 386.º, n.º 4, do Código Penal; dois crimes de falsificação de documento, um p. e p. pelos artigos 255.º, alínea a), 256.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e), e n.º 4, e 386.º, n.º 4, ex vi do disposto nos artigos 2.º, 3.º, alínea i), e 5.º, todos da Lei n.º 34/87, e outro p. e p. pelos artigos 255.º, alínea a), 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), e n.º 4, e 386.º, n.º 4, ex vi do disposto nos artigos 2.º, 3.º, alínea i), e 5.º, todos da Lei n.º 34/87; um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º por referência ao disposto nos artigos 1.º, 3.º, alínea i), e 5.º, todos da Lei n.º 34/87, ex vi do disposto no artigo 386.º, n.º 4, do Código Penal, e de um crime de abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 26.º por referência ao disposto nos artigos 1.º, 3.º, alínea i), e 5.º, todos da Lei n.º 34/87, ex vi do disposto no artigo 386.º, n.º 4, do Código Penal, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão e 180 dias de multa, à taxa diária de € 10, num total de € 1.800,00.

3. Desta decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, enunciando a pretensão de ver apreciadas duas questões, a saber, uma primeira questão, que enunciou nestes termos;

«2- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art.º 20.º n.º 1, por referência ao disposto no art.º 1.º, 3.º, al. i) e 5.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 ex vi do disposto no art.º 386.º, n.º 4 do Código Penal, (abreviadamente, CP) com a interpretação com que foi aplicada no douto acórdão da Relação de Lisboa, a saber:

Quanto ao segmento relativo à aquisição de material eletrónico por parte do arguido A., previsto e punido, como crime de peculato, pelo art.º 20.º n.º 1 e demais disposições legais que precedem, o acórdão da Relação de Lisboa interpretou extensivamente o conceito de "titular de cargo político (...) no exercício das suas funções" para nele caberem ex-titulares de cargos políticos que tenham exercido funções.

Porém, é requisito do crime de peculato que o agente seja titular de cargo político e ocorrendo a apropriação dos bens numa altura em que o agente deixou de exercer tal cargo, a conduta do recorrente não pode ser reconduzida ao crime de peculato.

3- Ao alargar ao arguido, ora requerente, a indicada norma, está-se, salvo o devido respeito, a violar o princípio da legalidade e da tipicidade estabelecidos, respetivamente, nos números 4 e 1, do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (abreviadamente, "CRP"), uma vez que a norma assim obtida ultrapassa o sentido possível das palavras da lei penal, ofendendo o conteúdo essencial do princípio da legalidade na vertente nullum crimen nulla poena sine praevia lege

E uma segunda questão, na qual pede a apreciação da inconstitucionalidade «da norma dos artigos 50.º e 70.º ambos do CP, com a interpretação com que foi aplicada no douto acórdão da Relação de Lisboa»

4. A decisão sumária reclamada afastou o conhecimento das duas questões de inconstitucionalidade, por inidoneidade do seu objeto e, subsidiariamente, por ilegitimidade do recorrente. A sua fundamentação, no essencial, assenta no seguinte:

«5. No sistema jurídico-constitucional português, os recursos de fiscalização concreta, pese embora incidam sobre decisões dos tribunais, conformam-se como recursos normativos, ou seja, visam a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas, e não das decisões judiciais, em si mesmas consideradas. Como amiúde salientado, não incumbe ao Tribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário, sendo a sua cognição circunscrita à questão normativa que lhe é colocada. Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são exclusiva e necessariamente normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional sindicar a atuação dos demais tribunais, a partir da direta imputação de violação da Constituição - mormente no plano dos direitos fundamentais - por tais decisões.

6. No caso vertente...

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