Acórdão nº 708/19 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução04 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 708/2019

Processo n.º 361/19

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., SGPS, S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, a primeira veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão por aquele Supremo Tribunal, de 23 de janeiro de 2019, que negou provimento ao recurso interposto de decisão que julgou improcedente a impugnação da decisão de levantamento da suspensão de um processo de execução fiscal, por entender que a apresentação de um pedido de revisão do ato tributário, após o prazo de reclamação de 120 dias a que se refere o artigo 70.º do Código de Procedimento de Processo Tributário (adiante designado «CPPT»), não determina a suspensão do processo de execução fiscal prevista no n.º 1 do artigo 169.º do mesmo Código (cf. fls. 239-245).

2. Admitido o recurso, foi proferido Despacho neste Tribunal, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 75.º-A, n.º 6, da LTC, com o seguinte teor (cf. fls. 264):

«Tendo em conta o teor do requerimento de interposição de recurso, notifique-se a recorrente, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão, e com os efeitos previstos no n.º 7 do mesmo artigo para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, proceder ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional indicando qual a exata dimensão normativa extraída da norma do n.º 1 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie, como impõe o n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC.».

3. A recorrente respondeu nos seguintes termos (cf. fls. 267-268, reiterado a fls. 269-270):

«A., SGPS, S.A., Recorrente nos autos identificados em epígrafe, notificada para, nos termos do n.º 6 do artigo 75°-A da Lei do Tribunal Constitucional, aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de recuso, indicando qual a exacta dimensão normativa extraída do n.º 1 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, vem por este meio, dando cumprimento à notificação em causa, esclarecer o seguinte:

1. A razão pela qual a Recorrente defende que o n.º 1 do artigo 169° do CPPT é inconstitucional é a circunstância de o preceito excluir do seu âmbito os pedidos de revisão de actos tributários apresentados, tal como é permitido pelo artigo 78° da Lei Geral Tributária (LGT) - e de acordo com jurisprudência antiga e reiterada -, para lá do prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa.

2. O que nesta sede se defende. pois, é a inconstitucionalidade do n.º 1 elo artigo 169° elo CPPT na dimensão normativa segundo a qual o preceito em crise, densificado pela jurisprudência dos tribunais superiores - incluindo pelo Acórdão do STA ora recorrido -, distingue os pedidos de revisão de actos tributários consagrados no artigo 78° da LGT, para o efeito da possibilidade de suspensão de processos de execução fiscal, consoante tenham sido apresentados ou não dentro do prazo de 120 dias que a lei prevê para a reclamação graciosa,

4. A Recorrente entende que esta solução legal viola os princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13.º da CRP, e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.

5. A dimensão normativa contestada e a motivação da Recorrente vêm melhor especificadas e desenvolvidas no Capítulo C das alegações para o STA, com tradução nas conclusões aí formuladas.

Nestes termos, reitera-se o pedido de admissão do recurso interposto, com todas as consequências devidas, designadamente a notificação da Recorrente para apresentar as suas alegações.».

4. Após a resposta da recorrente, foi proferido despacho de alegações, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.°, n.ºs 1 e 2, da LTC, com o seguinte teor (cf. fls. 273):

«Notifiquem-se as partes para alegar, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos dos artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.°, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com a menção de que constitui objeto do presente recurso o n.º 1 do artigo 169.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na interpretação segundo a qual o pedido de revisão do ato tributário, acompanhado de prestação de garantia, apresentado pelo sujeito passivo nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária para além do prazo de 120 dias a que se refere o artigo 70.º do CPPT, não suspende o processo de execução fiscal.»

5. A recorrente apresentou alegações (cf. fls. 275-286, reiteradas a fls. 289-300) que concluiu nos seguintes termos (cf. fls. 283-285, reiteradas a fls. 297-299):

«C. Conclusões

1. Não há nenhuma distinção relevante entre o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa e o mesmo pedido apresentado para lá desse prazo. Isto, segundo a grelha de análise que aqui importa - ou seja, tendo em consideração os princípios que formam a razão de ser do enquadramento do pedido de revisão no n.º 1 do artigo 169º do CPPT.

2. Se se queria evitar aquela dualidade de efeitos relativamente a meios legais com a mesma razão de ser (o pedido de revisão e a reclamação graciosa, nomeadamente), em nome dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, então o pedido de revisão oficiosa também deveria ser considerado dentro do âmbito daquele dispositivo.

3. Com efeito, a lei, devidamente explicada e densificada pela doutrina e pela jurisprudência, trata este pedido como um expediente normal, próprio, típico e principal de contestação da legalidade de atos tributários, tanto quanto o pedido de revisão dentro do prazo de reclamação administrativa.

4. A doutrina em que nos vimos apoiando, assim como a Sentença recorrida, diz que, do ponto de vista da natureza, da função e dos efeitos, as duas versões do pedido de revisão de atos tributários são iguais, uma vez que a razão material de ser, de uma e de outra, é exatamente a mesma

5. É por isso que, segundo a doutrina e a jurisprudência, em ambas as versões do pedido de revisão os contribuintes podem contestar os atos com base em matéria de facto ou de direito. É por isso que em ambas as versões o erro de direito ou de facto se presume imputável aos serviços da AT. É por isso que em ambas versões o indeferimento expresso ou tácito abre a via da impugnação contenciosa.

6. Dúvidas não restam de que, na ausência do pedido de revisão da letra do n.º 1 do artigo 169º do CPPT, o seu conteúdo, devidamente integrado, teria de prever quer o pedido de revisão apresentado dentro prazo de "reclamação administrativa" quer o pedido deduzido para lá desse prazo, porque, à luz das razões de justiça material que recomendam a inclusão do primeiro, não é legitimamente possível deixar de fora o segundo, relativamente ao qual se aplicam as mesmas razões de justiça material.

7. E não se diga que a inclusão do primeiro tem arrimo na letra da lei (que fala em "reclamação administrativa") e que o princípio da interpretação segundo o qual não se pode fazer uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei recomendava a abertura da norma apenas ao pedido feito dentro do prazo de "reclamação administrativa".

8. É que, em primeiro lugar, o pedido de revisão também não é uma reclamação administrativa: a sua inclusão no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 169º do CPPT não decorre de uma interpretação sobre o seu respaldo literal, mas sim de um raciocínio de equiparação à natureza, função e efeitos da reclamação graciosa, com base nos princípios da igualdade no acesso ao direito, conjugado com o da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos (se o pedido de revisão é a mesma coisa que a reclamação graciosa, então se for apresentado no mesmo prazo pode suspender a execução). Daí que não haja qualquer razão para afastar da previsão da norma o pedido de revisão deduzido em momento posterior ao fim do prazo de reclamação graciosa: este, quanto à sua natureza, função e efeitos, também já é equiparado à reclamação graciosa.

9. De resto, em segundo lugar, obviamente que aquele princípio de interpretação da lei, por muito relevante que seja, não se pode sobrepor aos princípios constitucionais de primeiríssima importância que aqui em jogo.

10. Nestes termos, o n.º 1 do artigo 169º do CPPT é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da CRP, e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da CRP.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a declaração de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 169º do CPPT, na sua específica dimensão aqui em apreço.»

6. Decorrido o prazo, a recorrida não apresentou contra-alegações (cf. cota fl. 302).

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

7. Constitui objeto do presente recurso o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT