Acórdão nº 718/19 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução04 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 718/2019

Processo n.º 864/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 2 de agosto de 2019 que atribuiu efeito meramente devolutivo ao recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão proferida no dia 18 de junho de 2019. Em causa nos presentes autos está um ato administrativo do Diretor-Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 16 de março de 2017 que, considerando irregular a presença do reclamante em território nacional, determinou o seu afastamento deste território e a interdição de entrada neste território por um período de três anos.

2. A decisão recorrida apresentou, para o que aqui releva, a seguinte fundamentação:

«É consensual que pese embora a regra, tal como se encontra estabelecida no artigo 143º, nº 1, do CPTA, seja a do efeito suspensivo dos recursos, por força do expressamente disposto no nº 2 do artigo 143º do CPTA os recursos interpostos de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo. De resto, mostra-se consolidado e reiterado o entendimento jurisprudencial – que inteiramente se perfilha – de que o preceito da alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA se refere quer às decisões que deferem providências cautelares quer às que as indeferem (...).

Acresce que a requerida limitação do efeito devolutivo ao recurso não tem suporte legal, como igualmente constitui jurisprudência reiterada (...).

O Requerente, inconformado com a sentença proferida nos autos, em 18/06/2019, veio recorrer da mesma.

Regularmente notificada para o efeito, a Entidade Requerida não contra-alegou.

Por ser tempestivo, legalmente admissível e ter sido interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso jurisdicional interposto pelo Requerente, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, - cf. artigos 140º, 141º, nº 1, 142º, nº 1, 143º, nº 2, alínea b) e 147º, nº 1, do CPTA e artigos 644º, nº 1, alínea a), do CPC, ex vi artigo 140º, nº 3, do CPTA.»

3. O recurso para o Tribunal Constitucional apresenta o seguinte teor:

«As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são as vertidas no art. 143º, nº 2, al. b) e nº 5 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

As normas e princípios constitucionais que se consideram violados são os seguintes:

Violação do disposto no art. 1º da CRP (princípio da dignidade da pessoa humana), art. 18º, nºs 2 e 3 e art. 20º, nºs 1 e 5 e 26º, nº 1 da CRP, desde logo por, na prática, esvaziar totalmente de sentido e conteúdo o direito a uma tutela jurisdicional efetivo, pois sem efeito suspensivo do recurso este, dadas as consequências gravosas que decorrem da efetivação do ato administrativo aqui em causa, perderia qualquer sentido ou utilidade.

Considerar-se, em situações como a presente a não permissão de um efeito suspensivo do recurso, tornaria, a seguir-se essa interpretação da lei, o art. 143º, nº 2 do CPTA inconstitucional, por violação das normas e princípios constitucionais acima referidos e, também, do nº 5 do art. 20º da CRP.

Com efeito, essa última norma constitucional citada refere e impõe que Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

O presente processo cautelar visa a defesa de direitos e liberdades constitucionais do recorrente.

A não atribuição de efeito suspensivo a este recurso veda a obtenção de uma tutela efetiva e em tempo útil desses direitos constitucionais, ou seja, impede que se alcance efetivamente (e não apenas formalmente) e em tempo útil a tutela desses direitos.

Com efeito, não se atribuindo efeito suspensivo ao recurso as gravíssimas e inevitáveis consequências que sobre o recorrente recairão, advenientes do seu afastamento compulsivo para o Brasil, consumar-se-ão e de nada valerá a formal tutela desses direitos que venha a ser reconhecida (mas já sem quaisquer efeitos práticos) em sentença, proferida sabe-se lá quando, de tal modo é repugnantemente lenta, por evidente falta de meios que o ESTADO e o poder executivo insistem em não suprir, a nossa justiça administrativa.

A peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade foi o requerimento de interposição de recurso da Sentença de 18 de junho de 2019, requerimento esse apresentado em 5 de julho de 2019.

Requer-se, ao abrigo do disposto no art. 78º nº 4 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, que ao presente recurso seja atribuído efeito suspensivo.

Fica pois claro que as questões que integram o nosso recurso para o Tribunal Constitucional têm (aliás, só têm) caráter normativo.

Finalmente,

Quanto à circunstância de ter ou não ter sido suscitada prévia e adequadamente perante o Tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade de que este ficasse obrigado a recorrer (sic - não se entende muito bem esta frase), a resposta é um claríssimo SIM.

Veja-se o nosso requerimento de interposição de Recurso de apelação (5 de JULHO de 2019) para o Tribunal Central Administrativo, no qual, antecipadamente, invocámos e suscitámos já a questão de inconstitucionalidade das normas objeto do presente recurso para o Tribunal Constitucional.

Repare-se e atente-se, principalmente, no último parágrafo desse requerimento.»

4. Por despacho datado de 13 de agosto de 2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não admitiu aquele recurso, pelas seguintes razões:

«“Tal requerimento é dirigido ao despacho de admissão de recurso constante de fls. 343 a 346 do SITAF que fixou o efeito do recurso interposto a fls. 311 a 337 do SITAF como devolutivo.

Nos termos do art. 641º, nº 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 140º, nº 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), “a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no nº 3 do artigo 306º, situação esta referente a recurso motivado pelo valor que o juiz fixou à ação, o que não tem aplicação in casu. Pelo exposto, uma vez que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito não admite recurso, indefere-se o requerimento de interposição de recurso constante de fls 351 a 352 do SITAF, nos termos dos artigos 145º, nº 2, al. a) do CPTA e 641º, nº 5 do CPC, aplicável ex vi artigo 140º, nº 3 do CPTA.”.»

5. O recorrente vem agora reclamar dessa decisão para o Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos:

«Com o devido respeito e salvo melhor opinião, o Mmo Juiz a quo equivocou-se, aplicando ao recurso em causa para o TC as normas que seriam aplicáveis caso se estivesse perante uma mera impugnação ordinária daquilo que o tribunal a quo decidiu em despacho.

Ou seja, como se estivesse em causa uma mera (e efetivamente vedada por lei, mais precisamente pelo nº 5 do art. 641º do CPC) impugnação ordinária do despacho do tribunal a quo que fixou os efeitos do recurso da sentença do TAF do Porto para o TCA NORTE.

Por via disso, em vez de aplicar, como lhe competia, as normas que para o efeito existem, da lei n.º 28/82, de 15 de novembro, deitou erradamente mão do CPC, como se o aqui recorrente estivesse a fazer uma impugnação ordinária do despacho do tribunal recorrido .

Com efeito, o tribunal a quo laborou afastado da realidade.

O recurso que se interpôs foi um recurso de constitucionalidade.

Ou seja, um recurso para o Tribunal Constitucional em que se visa a apreciação, em concreto, da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma infraconstitucional.

Norma essa aplicada na decisão judicial aqui recorrida (ou seja na decisão de que se recorreu para este TC) e cuja inconstitucionalidade tinha sido já suscitada em peça processual destes autos (peça essa que é o requerimento de interposição de recurso da sentença do TAF do Porto para o TCA NORTE).

Perante isto, a decisão de rejeitar o recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo aqui recorrente, invocando para o efeito o CPC, mais precisamente o art. 641º, nº 5 do CPC está redondamente errada.

É que não existe isso de não impugnabilidade, em via de recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade de normas infraconstitucionais, quando a constitucionalidade dessas normas tenha sido já posta em causa pela parte processual que recorre para o Tribunal Constitucional.

Tal coisa, em bom rigor não existe. Ou seja...

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