Acórdão nº 769/19 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução12 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 769/2019

Processo n.º 266/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., recorrido nos presentes autos em que é recorrente o Ministério Público, reclamou do despacho de indeferimento do Chefe do Serviço de Finanças de Castelo de Paiva referente ao requerido reconhecimento da prescrição de dívidas de IVA e IRS do ano de 2004. A Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) respondeu, invocando, além do mais, a causa de suspensão prevista no artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março. Por sentença de 29 de janeiro de 2019, a juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou procedente a reclamação, tendo, para o efeito, recusado aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, à norma extraída do mencionado preceito do CIRE, «interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável originário no âmbito do processo tributário». A este propósito, entendeu o seguinte:

«No que concerne ao período de suspensão determinada pelo OEF [– órgão de execução fiscal –] em virtude do processo de insolvência do Reclamante e do seu reflexo para o cômputo do prazo prescricional, seguindo o entendimento vertido no acórdão do Tribunal Constitucional nº 362/2015, de 9/7/2015, e, bem assim, do Ac. do STA de 03/10/2018, proc. 0694/17.8BEALM 0789/18, entendemos que os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, pelo que, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário.

Desta feita, decide-se in casu, que o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário/originário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica.

Em consequência, a declaração de insolvência do Executado, ora Reclamante, não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, pelo que este período que decorreu entre a declaração de insolvência e a declaração judicial do seu encerramento não deve entrar para o cômputo do cálculo do prazo prescricional, verificando-se, antes, que nesta altura o mesmo se encontrava a correr ininterruptamente.»

2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso (obrigatório) de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional ou LTC), para apreciação da constitucionalidade da norma recusada aplicar pelo tribunal recorrido.

3. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar.

Apenas o Ministério Público apresentou alegações, tendo, a final, concluído que a «norma do artigo 100.º do CIRE, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável originário no âmbito do processo tributário, não é organicamente inconstitucional, pois não viola o artigo 165º, nº 1, alínea i), da Constituição».

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

4. Preliminarmente, importa referir que, na sequência de um pedido de generalização apresentado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 82.º da LTC, a norma julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 362/2015 foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 557/2018 (ambos acessíveis, assim como os demais adiante referidos, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Em segundo lugar, aqueles dois Acórdãos versaram uma questão diferente daquela que é objeto dos presentes autos: aqui está em causa a suspensão da prescrição de dívidas (tributárias) exigidas ao devedor insolvente; e não a alguém que, não só não é insolvente, como apenas deve a título subsidiário. Consequentemente, a fundamentação daquelas decisões não pode ser transposta sem mais para esta realidade.

5. É a seguinte a redação do preceito – o artigo 100.º do CIRE – em que se aloja a norma objeto do presente recurso:

«Artigo 100.º

Suspensão da prescrição e caducidade

A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.»

Ora, este Tribunal já apreciou, posteriormente àquelas duas decisões, uma situação paralela à dos presentes autos, tendo decidido «não julgar inconstitucional o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente». (itálicos acrescentados). A fundamentação de tal decisão – o Acórdão n.º 709/2019 – é transponível, na íntegra, para o caso sub iudicio.

Assim, e retomando os termos desse Acórdão, dir-se-á:

«[9.] Autonomizando claramente a situação processual do devedor subsidiário revertido relativamente à posição do devedor principal insolvente (sujeito passivo direto), o Tribunal concluiu, no referido aresto [– está em causa o Acórdão n.º 557/2018 –], que «a tese segundo a qual a autorização para atuar no domínio do direito falimentar», conferida ao Governo pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, «implica o poder de legislar sobre a prescrição de todas as dívidas do insolvente (e, por isso, também tributárias) não tem fundamento quando», como se verificava no caso, «o responsável tributário não é o insolvente e está fora do processo de insolvência».

Ora, conforme assinalado...

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