Acórdão nº 776/19 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 776/2019

Processo n.º 1378/17

Plenário

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

(Conselheiro Cláudio Monteiro)

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrentes o Ministério Público e Autoridade da Concorrência (AdC) e como recorridas A., SGPS, S.A., B., S.A., C., S.A. e C1, S.A., foi proferido, em 2 de outubro de 2018, pela 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 445//2018, pelo qual se decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), a qual determina que a impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coima têm, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição.

2. Notificados deste acórdão, os recorrentes vieram interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 79.º - D, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), por considerarem que o aludido acórdão julgou em sentido divergente do que anteriormente fora decidido quanto à mesma norma (artigo 84.º, n.º 5, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio) pelo Acórdão n.º 376/2016, proferido em 8 de junho, pela 3.ª Secção deste Tribunal.

3. Admitidos os recursos e notificadas as partes para apresentarem as suas alegações, tendo o recorrente Ministério Público concluído as suas alegações nos seguintes termos:

«1. Pelo douto Acórdão n.º 445/2018, o acórdão recorrido, julgou-se inconstitucional a norma do artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), a qual determina que a impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coima têm, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição.

2. Sobre essa norma já anteriormente o Tribunal Constitucional se havia pronunciado, tendo, na altura, proferido, pelo Acórdão n.º 376/2016, um juízo de não inconstitucionalidade.

3. Estando-se perante um conflito jurisprudencial, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional (artigo 79.º-D, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), recurso que foi admitido pelo despacho de fls. 8569.

4. Sobre norma de conteúdo idêntico, também o Tribunal Constitucional já se pronunciou. Assim, o Acórdão n.º 675/2016 julgou inconstitucional a norma extraída dos n.ºs 4 e 5 do artigo 46.º do Regime Sancionatório do Setor Energético, aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, na interpretação segundo a qual o recurso que visa a impugnação judicial das decisões finais condenatórias da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos em processo de contraordenação tem, por regra, efeito meramente devolutivo, ficando a atribuição de efeito suspensivo dependente da prestação de caução e da verificação de um prejuízo considerável para o recorrente decorrente da execução da decisão. Por sua vez, o Acórdão n.º 397/2017, não julgou inconstitucional a norma extraída dos n.ºs 4 e 5 do artigo 46.º do Regime Sancionatório do Setor Energético, aprovado pela Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, a qual determina que a impugnação judicial das decisões finais condenatórias aplicativas de coima da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos em processo de contraordenação tem, por regra, efeito meramente devolutivo, ficando a atribuição de efeito suspensivo condicionada à prestação de caução substitutiva e à verificação de um prejuízo considerável, para o impugnante, decorrente da execução da decisão. Perante a divergência que se constatou ocorrer entre estes dois acórdãos, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Plenário, ao abrigo do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC. O Plenário, pelo Acórdão nº 123/2018, não julgou a norma inconstitucional. Sendo a exaustiva fundamentação constante desse aresto transponível para a situação dos autos, remetemos para essa fundamentação

5. Ainda sobre a mesma também o recente Acórdão n.º 470/2018, não julgou inconstitucional a norma extraída do artigo 228.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, o qual determina que a impugnação de decisões proferidas pelo Banco de Portugal só tem efeito suspensivo se o recorrente prestar garantia, no prazo de 20 dias, no valor de metade da coima aplicada, salvo se demonstrar, em igual prazo, que não a pode prestar, no todo ou em parte, por insuficiência de meios.

6. Nesse Acórdão, após se transcrever a parte pertinente do Acórdão nº 123/2018, consignou-se:

“Como se deixa antever no Acórdão acabado de transcrever, as considerações feitas a propósito da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, são plenamente aplicáveis ao caso do Banco de Portugal, entidade independente com poderes de supervisão e sancionatórios, no âmbito do setor bancário e no Sistema Europeu de Bancos Centrais (cfr. em especial artigos 102.º da CRP, 127.º, 129.º e 130.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), 1.º, 3,º, n.º 3 e 7.º do Protocolo relativo aos Estatutos do SECC e do BCE e 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal – Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro, com a redação, além do mais do Decreto-lei nº 143/2013 de 18 de outubro) e, ainda, no quadro do Sistema Europeu de Supervisão Financeira (cfr. em especial, quanto à Autoridade Bancária Europeia, o Regulamento (UE) nº 1093/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho de 24/11/2010) e do Mecanismo Único de Supervisão (cfr. Regulamento (UE) nº 1024/2013 do Conselho de 15/10/2013). Também neste caso, é o intenso interesse público na eficácia da regulação do setor bancário, decorrente da premência das necessidades que satisfazem, da expressão económica da atividade que nele se desenvolve e da importância estratégica da política que lhes diz respeito, que explica a preocupação do legislador em garantir a efetividade das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal. A regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial, nos termos da qual esta não obsta à execução da sanção, tem por desideratos principais acautelar o cumprimento das sanções pelas entidades sancionadas e dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório.” Ora, esta argumentação é, naturalmente com as necessárias e devidas adaptações, aplicável no que respeita à norma que agora constitui objeto do recurso, também não se descortinando qualquer relevante especificidade que leve ao afastamento, no caso, do núcleo essencial e decisivo da fundamentação constante do Acórdão nº 123/2018.

7. Em conclusão: A norma do artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), a qual determina que a impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coima têm, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, e concretizado, no âmbito da justiça administrativa, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, entendido em articulação com o princípio da proporcionalidade implicado no artigo 18.º, n.º 2, e o princípio da presunção de inocência em processo contraordenacional, decorrente do artigo 32.º, n.ºs 2 e 10, da Constituição”, não sendo, por isso, inconstitucional.»

4. A Autoridade da Concorrência, nas suas alegações, concluiu o seguinte:

«A. A norma contida nos números 4 e 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência faz depender a atribuição de efeito suspensivo ao recurso das decisões finais condenatórias da AdC da prestação de caução e da verificação de um prejuízo considerável para o impugnante em resultado da execução da decisão.

B. A recusa do TCRS em aplicar o n.º 5 do artigo 84.º da Lei n.º 19/2012 (por ter determinado a sua inconstitucionalidade) resulta de uma incorreta interpretação quanto a exigência de prestação de caução para atribuição de efeito suspensivo ao recurso da decisão da AdC que aplique uma coima se reveste de caráter de execução prévia da coima, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e do direito de defesa, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, n.º 4, do artigo 268.º, n.º 10 do artigo 32.º, n.º 2 do artigo 18.º e artigo 2.º, todos da CRP.

C. Contudo, a exigência de prestação de uma caução no valor da coima, tal como prevista no n.º 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência, para atribuição de efeito suspensivo ao recurso de uma decisão condenatória da AdC:

(i) Não reveste o caráter de execução prévia da coima em sede de direito contraordenacional;

(ii) Não afasta a possibilidade de comprovação do prejuízo considerável (nem da situação económica) do arguido Recorrente pelo Tribunal para determinar o meio e o modo como a referida caução pode ser prestada, de acordo com a ratio legis, a interpretação sistemática e literal da Lei da Concorrência na íntegra e, em concreto, do n.º 5 do artigo 84.º da Lei n.º 19/2012.

D. O TC já analisou a mesma norma à luz dos mesmos princípios (da tutela jurisdicional efetiva, dos direitos de defesa e da proporcional idade), no Acórdão n.º 376/2016 da 3.ª secção que julgou não inconstitucional a norma extraída...

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