Acórdão nº 756/19 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução11 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 756/2019

Processo n.º 324-A/09

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, B., C. , S.A., D., S.A.,E., S.A. e F., foi proferida no dia 12 de maio de 2009 decisão sumária decidindo pelo não conhecimento do objeto do recurso.

2. Inconformado, o recorrente veio no dia 28 de maio de 2009 apresentar requerimento com o seguinte conteúdo:

«1. No requerimento de interposição do recurso, de 16.3.2009, o recorrente apresentou denúncia crime contra os autores dos despachos recorridos, e reiterou denúncia crime já apresentada nos autos da Reclamação, contra a Relatora no processo de que ela emerge.

2. Tal denúncia foi transmitida ao Ministério Público por efeito da decisão proferida no mesmo despacho em que foi admitido o recurso, isto é, o despacho de 22.4.2009.

3. Por força do disposto no artigo 97° do CPC, também aplicável ao presente recurso ex vi o disposto no artigo 69° da LTC, o Relator podia/devia sobrestar na decisão sobre o recurso, ou decidir a questão crime que passou a ser objeto de ação penal por efeito das supra referidas denúncias. Na verdade, dispõe-se no nº 2 daquele artigo 97º, que, caso a suspensão da instância fique sem efeito, o juiz da ação decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que foi proferida Sobre esta obrigação legal de decidir a questão criminal prejudicial, escreveu o Prof. Alberto dos Reis: suponhamos que o juiz não ordena a suspensão: não obstante a existência da questão prejudicial de natureza criminal deixa seguir o processo. Isto significa que se propõe decidir, ele próprio, a questão prejudicial (cf. Comentário ao Código de Processo Civil, 1960, Vol. 1º, p.288). Sobre o poder/dever de sobrestar na decisão, até que o tribunal competente se pronuncie, escreveu o Prof. Antunes Varela: Quando, porém, a decisão a proferir na ação dependa da resolução prévia de uma questão do foro criminal (questão prejudicial), o tribunal da causa (civil) pode e deve, em princípio, fazê-lo, atento o interesse que reveste a resolução da questão prejudicial pelo tribunal competente em razão da matéria (cf. Manual de Processo Civil, 2 edição, pp 22 1/2).

4. Dispõe-se no artigo 78°-B, n° 1, da LTC, que compete ao Relator declarar a suspensão da instância quando imposta por lei. Ora, na citada interpretação do Prof. Antunes Varela, sobre a letra do artigo 97° do CPC, a suspensão da instância até que se resolva uma questão prejudicial de natureza criminal é imposta pela lei. Assim, o que o Recorrente esperava fosse decidido pelo Relator no Tribunal Constitucional, era a suspensão da instância até que fossem decididas as questões criminais prejudiciais resultantes das denúncias apresentadas nos autos e que o despacho de 22.4.2009 ordenou fosse transmitida ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 245° do Código de Processo Penal (CPP).

5. As questões criminais ora em investigação no Ministério Público, são, efetivamente, prejudiciais relativamente ao objeto do recurso de constitucionalidade, e são, no processo cível, determinantes da

a) invalidade/inexistência jurídica/nulidade das decisões recorridas,

b) do próprio sentido das normas aplicadas nas decisões recorridas,

c) da inconstitucionalidade desse sentido.

6. Sumariando aqui, os factos integrantes das denúncias crimes apresentadas nos autos, recorda-se:

a) As partes nos autos de recurso que subiu à Relação de Lisboa, em 29.9.2003, de que emergem a Reclamação e o Recurso, são apenas, A. e COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS;

b) Em 9.2.2006, um terceiro denominado D., S.A., sem sequer requerer a sua admissão nos autos de recurso, “aparece” neles, a deduzir oposição às pretensões do A.;

c) Tal conduta abusiva do dito Banco e do seu mandatário foi objeto de impugnação do A.;

d) A impugnação do A. não foi objeto de decisão expressa;

e) O abuso consentido ao dito terceiro continuou a verificar-se;

f) A omissão de decisão sobre a impugnação do A. à ilícita intervenção do dito terceiro, nos autos do recurso de agravo, foi objeto de arguição de nulidade processual por omissão de ato imposto por lei — a pronúncia sobre os factos do dito terceiro;

g) As decisões proferidas na Relação sobre questão que só se pôs nessa instância — isto é, que não têm por objeto decisões da 1ª instância — não se encontram abrangidas pelo disposto no artigo 754°, nºs 2 e 3, do CPC;

h) O recurso interposto de tais decisões, é, na jurisprudência e na doutrina, designado de agravo novo por contraposição ao agravo continuado previsto no artigo 756° do mesmo código;

i) Esta questão de direito processual é de fácil resolução: invocar o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 754° do CPC, para impedir o acesso do Recorrente ao STJ, constitui ato consciente contra direito para prejudicar o Recorrente e beneficiar o terceiro que abusivamente “apareceu” nos autos, apenas na Relação, e que tem gozado dos “favores” desta e dos Vice-Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça;

j) A invocação das normas dos nºs 2 e 3 do artigo 754° do CPC, manifestamente inaplicáveis segundo a lei, a jurisprudência e a doutrina, no seu sentido literal, são invocadas nas decisões recorridas em termos subsumíveis ao disposto no artigo 369°, nºs 1 e 2, do Código Penal, e 204° da Constituição, como critério decisório inovador.

7. A decisão sobre a alternativa prevista no artigo 97° do CPC, não pode deixar de ser tomada antes de qualquer outra que tenha por objeto o requerimento de interposição do recurso, e não pode, essa decisão, deixar de ser notificada ao recorrente para os devidos efeitos legais. Assim, a omissão destes atos é cominada de nulidade pelo disposto no artigo 201°, nº 1, do CPC, e determinante de anulação dos termos subsequentes. Pelo que, o Recorrente REQUER ao Relator, o suprimento dessa nulidade e a anulação dos termos subsequentes.

8. Cautelarmente, o Recorrente, ora Arguente de nulidade processual, sublinha, com a devida vénia, que o presente requerimento não constitui reclamação contra “decisão sumária”, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 78°-B da LTC, e argui a inconstitucionalidade da norma que dele se possa extrair no sentido de que o Relator pode “convolar” uma reclamação de nulidade processual deduzida ao abrigo das competências legais do Relator, em reclamação para a conferência, por tal norma infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 1°, 2°, 20°, nºs 1 e 4, e 203°. Com efeito, essa norma viola o princípio da autonomia privada que radica no respeito pela dignidade da pessoa humana, e de que deriva o princípio do dispositivo vigente em processo civil e no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas.»

3. Através do Acórdão n.º 401/2009, de 30 de julho, este Tribunal convolou o referido requerimento em reclamação para a conferência e, apreciando-a, decidiu indeferi-la, com base na seguinte fundamentação:

«6. Afirma então o reclamante que a decisão sumária padece de nulidade, na medida em que o artigo 97º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º, da LTC, e o artigo 78º-B, n.º 1, da LTC, impediria que a Relatora proferisse decisão sumária, sendo aquela obrigada a suspender a instância recursiva “até que fossem decididas as questões criminais prejudiciais resultantes das denúncias apresentadas nos autos e que o despacho de 22.4.2009 ordenou fosse transmitida ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 245° do Código de Processo Penal” (fls. 116).

Sucede, porém, que apenas cabe ao Relator “declarar a suspensão da instância quando imposta por lei” (artigo 78º-B, n.º 1, da LTC, com sublinhado nosso). Ora, é por demais evidente que o n.º 1 do artigo 97º, do CPC...

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