Acórdão nº 785/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 785/2019

Processo n.º 913/19

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., S.A. interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]), dos acórdãos proferidos naquele tribunal em 26 de junho de 2019 e em 17 de julho de 2019, tendo delimitado o objeto respetivo nos termos seguintes:

«O Tribunal entende, assim, que pode fixar-se um sentido a uma decisão judicial transitada em julgado que vá além da mera interpretação, por forma a assegurar que ela se conforme ou se ponha de acordo com a lei (no caso, alegadamente com o artigo 15.º, n.º 1, al. a), do RJC, na interpretação que dele faz o Acórdão da Relação) – norma inconstitucional por violação do caso jugado (artigo 283.º, n.º 3) e a força obrigatória das decisões judiciais (205.º, n.º 2, da Constituição), como devidamente alegado nos termos supra referidos.

Inconstitucionalidade que pretende, através da presente interposição de recurso, que o Tribunal Constitucional aprecie».

2. Pela Decisão Sumária n.º 740/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

«3. Antes do mais, é pertinente sublinhar que o Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo da apreciação, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Será, assim, à luz destes pressupostos que apreciaremos a admissibilidade do presente recurso.

4. Analisando o recurso interposto à luz do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17 de julho de 2019, dir-se-á, desde logo, que a respetiva ratio decidendi não convoca critério normativo extraído do preceito legal indicado pela recorrente como suporte normativo da questão de constitucionalidade delimitada como objeto do recurso – o artigo 15.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Concorrência (adiante RJC) –, convocando antes os preceitos legais que se reportam ao regime jurídico das irregularidades (artigo 123.º do Código de Processo Penal) e nulidades decorrentes da falta de fundamentação (artigo 452.º, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal).

Efetivamente, o acórdão de 17 de julho de 2019 apreciou pedido de arguição de irregularidades e nulidades apresentado pela aqui recorrente relativamente ao aresto antecedente do mesmo Tribunal da Relação, concluindo no sentido do respetivo indeferimento.

Pelo exposto, face à demonstrada não coincidência entre os preceitos legais convocados pela ratio decidendi do acórdão de 17 de julho de 2019 e o identificado como suporte legal do objeto do recurso, conclui-se, nesta parte, pela inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto.

5. Apreciando, por outro lado, o recurso interposto na perspetiva do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de julho de 2019, ainda assim se impõe a solução de inadmissibilidade do recurso. Com efeito, e independentemente da apreciação dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso, designadamente o atinente à natureza obrigatoriamente normativa do seu objeto, evidencia-se que a recorrente não deu cumprimento ao pressuposto da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.

O ónus de suscitação atempada e processualmente adequada da questão de constitucionalidade traduz uma exigência formal essencial, como tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre muitos outros, Acórdãos n.os 156/2000 e 195/2006, disponíveis em www.tribconstitucional.pt).

Para que ocorra uma suscitação prévia da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação «durante o processo» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), de forma a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada. Por outro lado, para que ocorra uma suscitação processualmente adequada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação, de forma clara, expressa, direta e percetível, bem como a sua fundamentação, em termos minimamente concludentes, de forma a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada.

De acordo com o Acórdão n.º 421/2001, n.º 5, «uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e...

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