Acórdão nº 2/20 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução08 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 2/2020

Processo n.º 1160/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (ora Recorrente) foi submetido a julgamento, no Juízo Central Criminal de Vila do Conde, no âmbito do processo comum para julgamento por tribunal coletivo com o número 271/18.6GCSTS, sendo-lhe imputada a prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

1.1. No decurso da audiência de julgamento em primeira instância, o arguido requereu a reconstituição dos factos, pretensão que viu indeferida.

Pelo Juízo Central Criminal de Vila do Conde foi proferido acórdão pelo qual o referido arguido foi condenado na pena de 7 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

1.1.1. Das referidas decisões – ou seja, da decisão que indeferiu a reconstituição dos factos e da decisão final condenatória – recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto. Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[Do recurso do despacho que indeferiu a prova:]

Acresce ainda que, a fls. 62, consta um auto de diligência que será uma reconstituição efetuada por testemunhas que vieram a ser ouvidas em audiência de discussão e julgamento, [para] a qual a defesa não foi convocada, não participou e não foi exercido o contraditório como impõe a CRP.

[…]

Estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais de um arguido que goza de presunção de inocência, prevista na CRP.

[…]

O arguido tem direito a exercer o contraditório, nos termos do artigo 32.º da CRP.

[…]

[Do recurso do acórdão condenatório:]

Numa análise atenta, das mesmas pretende-se fazer uma eventual reconstituição com declarações de testemunhas!

Ora desde já se consigna que o arguido nunca esteve presente, nem o seu mandatário, desconhece o modo como tal prova foi produzida, bem como o posicionamento dos veículos aí retratados, nos mesmos não é efetuada qualquer medicação, prova extrínseca ao declarado por eventuais testemunhas, pelo que tal meio de prova não é admissível, nos termos do artigo 356.º, alínea b), e ainda artigo 32.º da CRP e bem como viola-se o disposto no artigo 374.º, n.º 2, devendo ocorrer o reenvio para novo julgamento, foi ainda e também nesta parte violado o disposto no artigo 127.º do CPP.

Foi ainda violado o princípio da igualdade nos termos do disposto no artigo 13.º da CRP, ambos ofendido e arguido estiveram no local valora-se as declarações do ofendido não corroboradas por outras provas em detrimento das do arguido no que tange à provocação, sendo que nenhuma das testemunhas refere e estavam no local terem ouvido a dizer vou-te matar, estas testemunhas isentas não tinham interesse no desfecho contudo e nesta parte do vou-te matar valorou o douto Tribunal apenas e só o declarado pelo ofendido, o que nos parece manifestamente insuficiente a matéria de facto para tal conclusão ocorrendo nesta parte vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.

[…]

O Tribunal firmou convicção com base em elementos de prova, cuja valoração não devia, por manifesta violação do disposto no artigo 32.º da CRP, mormente o auto de diligência de fls. 62 a 68, tal auto traduz depoimentos de testemunhas, prestado perante OPC, sendo tal determinante para a sua elaboração, tem alias uma “nomenclatura atípica” auto de diligência, a que se chama reconstituição de testemunhas (!).

Impunha-se pelo menos a presença de defensor e arguido que no caso foram preteridos, pelo que se violaram as garantias de defesa do arguido e valorou-se e prova proibida por lei nos termos do disposto no artigo 119.º do CPP.

De facto, serve-se o douto tribunal de auto, que traduz depoimento de testemunhas, diligência para a qual o arguido não foi notificado, não exerceu o direito ao contraditório, tão pouco a sua mandatária pelo que tal auto não pode ser valorado.

Incorre ainda o douto Tribunal em vício de fundamentação nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP e 379.º, alínea b), do CPP, ao conter declarações de testemunhas violando o disposto no artigo 356.º, alínea b), do CPP e o artigo 13.º da CRP bastou-se o tribunal com as declarações do ofendido (sem prejuízo da valoração), certo é que a mesma não é corroborada – “vou-te matar” quando no local estavam várias testemunhas e ninguém ouve tal afirmação.

Ocorrem ainda vícios de direito previstos no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), pois o tribunal não dispunha de prova para concluir em conformidade, o depoimento do ofendido é também subjetivo e interessado é ainda assistente nos autos.

[…]”.

1.1.2. Por acórdão de 07/08/2019, foi negado provimento aos recursos. O Recorrente pediu a aclaração da decisão, o que viu indeferido por acórdão de 30/10/2019.

1.2. O Recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos – nos termos seguintes:

“[…]

1. Inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 127.º [e] 150.º, ambos do CPP, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade e do contraditório, consagrados pelos artigos 13.º, 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

2. Ora, em tempo devido a defesa requereu que fosse realizada a reconstituição dos factos. Pois, através desta diligência de prova seria essencial para a descoberta da verdade material, uma vez que seria possível indagar do posicionamento, quer da viatura, quer do assistente.

3. Todavia, tal diligência foi indeferida pelo tribunal.

4. Com efeito, o tribunal ao ter indeferido tal diligência de prova, pôs em causa o cabal exercício de direito à defesa e do contraditório do arguido.

[…]”.

1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação do Porto, com efeito suspensivo.

1.3. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária, pelo relator, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC (coube-lhe o número 860/2019), no sentido do não conhecimento do objeto do recurso, com os fundamentos seguintes:

“[…]

2.3. Em primeiro lugar, o Recorrente em momento algum enunciou, perante o Tribunal da Relação, qualquer questão de inconstitucionalidade com adequada dimensão normativa.

Do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional resulta que a respetiva matéria se relaciona com a decisão de indeferimento do pedido de reconstituição dos factos em primeira instância, que o Tribunal da Relação confirmou. Como tal, a suscitação da questão de inconstitucionalidade devia encontrar-se nas alegações de recurso daquela decisão. Aí, o Recorrente fez referência a preceitos e princípios da Constituição (cfr. item 1.1.1., supra). Não obstante, ainda que alguns argumentos usados pelo Recorrente, nos segmentos transcritos, se tenham reconduzido à invocação de normas ou princípios constitucionais ou à interpretação da lei em conformidade com normas constitucionais (no enquadramento dado pelo próprio Recorrente, claro está), o certo é que a partir de uma discussão jurídica substancial – ainda que assente em argumentos de conformidade constitucional – não se pode, sem mais, considerar suscitada uma questão com adequada dimensão normativa, muito menos quando (como é o caso) o Recorrente se absteve de enunciar o sentido (a interpretação) da(s) norma(s) que operou(aram) como critério de decisão, o que consubstanciava um ónus sobre si impendente.

Pelo contrário, lidas as alegações de recurso, é evidente que o Recorrente não imputa a inconstitucionalidade a qualquer norma adequadamente delimitada – “[…] acresce ainda que, a fls. 62, consta um auto de diligência que será uma reconstituição efetuada por testemunhas que vieram a ser ouvidas em audiência de discussão e julgamento, [para] a qual a defesa não foi convocada, não participou e não foi exercido o contraditório como impõe a CRP”; “estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais de um arguido que goza de presunção de inocência, prevista na CRP” e “o arguido tem direito a exercer o contraditório, nos termos do artigo 32.º da CRP”. A idêntica conclusão se chegaria pela análise das alegações de recurso do acórdão condenatório (cfr. item 1.1.1., supra), caso fossem convocáveis (não são, por não dizerem respeito à matéria que o Recorrente visou questionar), das quais sobressairia, uma vez mais, a falta de dimensão normativa das questões suscitadas.

Dos mencionados atos processuais, bem como do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal...

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