Acórdão nº 53/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 53/2020

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, «ao abrigo da alínea b), n.ºs 1, 2 e 4 [leia-se do artigo 70.º]» da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante referida pela sigla «LTC»), do «douto acórdão» proferido por aquele Tribunal da Relação (cf. requerimento de fls. 3958-3959.

2. Na Decisão Sumária n.º 795/2019 (cf. fls. 3970-3976) decidiu-se não conhecer do objeto do recurso interposto do acórdão do TRC de 12/6/2019 com fundamento na falta de verificação dos pressupostos, cumulativos, relativos à suscitação prévia e adequada, à ratio decidendi e, ainda, ao objeto normativo (cf. II, 7. a 9.).

3. Notificada da Decisão Sumária n.º 795/2019, veio a recorrente reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com os fundamentos seguintes (cfr. fls. 3984-3995):

«A., arguida melhor idf. nos autos em epígrafe, notificada da Douta Decisão Sumária de fls..., que indeferiu o recurso apresentado para o Tribunal constitucional e não se conformando com a mesma da mesma vem apresentar;

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA

Nos termos do disposto no art.° 77° e 78°-A, n.° 3, da lei n.° 28/82, de 15 de Dezembro, na redação que lhe foi dada pela lei n.° 13-a/98, de 26 de Fevereiro.

A arguida apresentou recurso para o Tribunal Constitucional pretendendo ver declarada;

I - inconstitucionalidade dos art.° 374°, n.° 2 e art.° 379, n.° 1 n.° 1 a), do C.P.P., quando interpretados no sentido de não ser necessário fundamentar de facto e de direito a sentença, bastando apenas fazer referências aos elementos de prova e uma referência ao exame crítico efetuado, bem como da interpretação em como é possível ao juiz, não explicar o raciocínio lógico para chegar a determinada decisão, designadamente não indicando os motivos que determinaram que o tribunal formasse a convicção probatória num determinado sentido aceitando um e afastando outro, não explicando o porque é que certas provas são mais credíveis do que outras, servindo de substrato lógico-racional da decisão, por violação dos art°s 97.°. n.°4. 374° n° 2, 379°, n.° 1. alínea a), b) e c) do CPP bem como artigo 202.°, 204° e 205°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que se argui.

II - A inconstitucionalidade normativa dos art.º 340°, n,° 1, quando interpretado no sentido de o tribunal nada fazer ou ordenar oficiosamente, perante diligências que se possam realizar e sejam do seu conhecimento das quais possam resultar a atenuação da pena para o arguido, por violação das garantias de defesa do arguido, por violação do art.° 32 da CRP

No âmbito dos presentes autos pela Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relator foi decido, por decisão sumária, negar conhecimento do objeto do recurso apresentado pelo arguido, ora reclamante, entendendo sumariamente, quanto à primeira questão, que; "... a norma indicada no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional não encontra qualquer correspondência com uma norma que tenha operado como ratio decidendi na decisão recorrida." E quanto à segunda: "por não ser de carácter normativo"

Sempre com o elevado respeito, entende a arguida, aqui reclamante, que não assiste razão a MMa. Juiz Relatora, como melhor se explicará.

A arguida não se conforma com esta decisão sumária e dela por esta via reclama, especificando de seguida os fundamentos para a discordância da decisão reclamada.

Aquando da interposição do recurso, requereu a arguida que, após a admissão do recurso lhe seja concedido prazo para a apresentação das alegações, de acordo com o disposto no art.° 79°, n° 1 e 2 da Lei 28/82 de 15.11.

Seria, pois, em sede de tais alegações que a arguida/recorrente explanaria a sua motivação para o que alega,

Na verdade, é entendimento da recorrente que a Douta decisão recorrida enferma de violação dos preceitos constitucionais. O arguido tem o direito constitucional de apresentar a quem de direito

- Venerando Tribunal Constitucional - a sua argumentação, expressa nas alegações de recurso que pretende apresentar.

Salvo o devido respeito, decisão contrária, implica a violação dos direitos fundamentais do arguido previstos nos artigos 18°, n.° 2, 32°, n,° 1 e 8 e 34° n.° 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, o que implica a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32° n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.

Por essa razão e sempre como devido respeito por opinião contrária, tem a arguida, aqui reclamante, o direito de ver o recurso apresentado admitido e apreciado pela mais alta instância judicial do nosso País, devendo qualquer interpretação em sentido contrário, ser considerada inconstitucional.

Entende assim a arguida, sempre com o devido respeito, que também neste ponto não assiste razão a MMa. Juíza relatora, pelo que tem a reclamante o direito de ver o recurso apresentado admitido e apreciado pelo Tribunal Constitucional, o que, em conferência, deverá ser decidido.

Ora a interpretação da norma citada pelo Tribunal recorrido, violou o princípio da legalidade em matéria criminal, as garantias de defesa e do principio da presunção da inocência artigos 29, e 32,°, n,°1 da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, a arguida tem direito á tutela jurisdicional efectiva nos termos do disposto no art.° 20°, n.° 1 da CRP.

No caso concreto, rejeitar-se o recurso apresentado pela arguida, constitui a negação da tutela jurisdicional efectiva.

É negada a tutela judicial efectiva quando, como no caso em apreço, se suscita uma questão de inconstitucionalidade e o Tribunal se recusar a aplicar ou desaplicar, expressa ou implicitamente, as normas cuja constitucionalidade foi suscitada.

O Juiz tem o dever de decidir da questão da inconstitucionalidade suscitada durante o processo e se o negar está até a, denegar justiça e violar o art.° 20.°, n.° 1 da CRP.

A administração da justiça - dever do Juiz - obriga a que seja proferido despacho ou sentença sobre as matérias pendentes - cfr. art.°152°, n.° 1 CPC, aplicável ao processo penal por força do disposto no art.° 3° do CPP. O Juiz não pode pois "fazer ouvidos de mercador" e não tomar posição sobre questão que lhe foi apresentada, mormente, as inconstitucionalidades suscitadas ao longo do processo e entre elas aquelas cujo discernimento só se vislumbrou no presente momento,

O espírito subjacente à previsão do art.° 70°. n,° 1, al. b) da Lei 28/82 exige, quando suscitada a inconstitucionalidade de uma determinada norma ou sentido interpretativo da mesma, durante o processo, que o Juiz tenha o dever de, expressamente, aplicar ou não essa norma e/ou interpretação,

O que não pode é, «lavar as mãos como Pilatos», fazendo de conta que a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada, ou que só houve uma desconformidade substancial do objecto, como sucede no caso sub judice,

O entendimento perfilhado pela arguida - sobre a aplicação implícita da norma e/ou entendimento normativo cuja constitucionalidade é posta em causa- a aqui reclamante tem vindo a ser sufragado pela jurisprudência desse Venerando Tribunal. Nesse sentido, pela sua importância e actualidade não se pode deixar de citar os seguintes Doutos Acórdãos:

Acórdão 161/90, ATC 16° - 285:

Os recursos para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada no processo dependem, entre outros pressupostos, que o tribunal recorrido tenha efetivamente

aplicado, ainda que implicitamente, as normas impugnadas, restringindo-se o objeto de recurso a essas normas,

É requisito de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.°1 do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional que a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada tentia sido aplicada na decisão de que se recorre, de modo a constituir um dos fundamentos essenciais da decisão de que se recorre, ainda que se trate de uma sua aplicação implícita.

Acórdão 359/93, ATC 25° - 533;

Suscitada a inconstitucionalidade de determinada norma (no caso, a do art. 34.°, n.°2, do DL n.° 430/83, de 13 de Dezembro) durante o processo deve contiecer-se do recurso fundado no art. 70.°, n.°1, al.b), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, mesmo que a decisão recorrida seja omissa a respeito da questão, bastando para tanto que ela tenfia aplicado a norma questionada.

Acórdão 359/94, ATC 27° - 1029:

O que verdadeiramente importa é que o tribunal recorrido tenha podido pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade, cuja decisão, depois, se pede no recurso para este Tribunal. Isso exige que essa questão lhe seja colocada de modo inteligível, como quaestio decidendum. Por isso, embora o recorrente, nas conclusões do recurso para a Relação, Impute a inconstitucionalidade à sentença (e não a normas jurídicas), há que considerar verificados os pressupostos do recurso de constitucionalidade, se, a dado passo das alegações, referindo-se a determinado diploma legal (no caso, ao DL n.° 576/70, de 24 de Novembro) disse que a sua constitucionalidade era duvidosa e se o acórdão recorrido teve por improcedente a invocada inconstitucionalidade de tal decreto-lei e, nomeadamente, dos seus artigos 6.° a 12.°.

Acórdão 220/03, ATC 55° - 1069. Apesar de a reclamante não...

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