Acórdão nº 34/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 34/2020

Processo n.º 895/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., S.A. e recorrida B., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 06 de junho de 2019, que julgou improcedentes as nulidades imputadas ao aresto datado de 14 de março de 2019, bem como o pedido da sua reforma.

2. Através da Decisão Sumária n.º 743/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II. Fundamentação

4. Incidindo sobre o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 6 de junho de 2019, que julgou improcedentes as nulidades imputadas ao aresto precedentemente proferido pelo mesmo Tribunal, bem como o pedido da sua reforma, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Quer isto significar que, contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância “da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional” (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 26).

Não incumbindo ao Tribunal Constitucional sindicar o resultado da atividade ponderativa e subsuntiva própria das instâncias, nem a estas se substituir na apreciação dos factos materiais da causa, na definição da correta conformação da lide e/ou na determinação da melhor interpretação do direito ordinário (cf. Acórdão n.º 466/16), os seus poderes de cognição, para além de circunscritos à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada, apenas podem ser exercidos sobre normas jurídicas, tomadas com o sentido objetivamente extraível do preceito que as consagra ou com aquele que, sendo ainda expressão do critério heterónomo de decisão que nelas se contém (cf. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum (cooperação ou antagonismo?)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 209, nota 12), a decisão recorrida lhes houver associado.

5. Segundo resulta do requerimento de interposição do recurso, a recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da «norma constante do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, interpretada e aplicada no sentido de que uma decisão se pode considerar fundamentada e não ambígua mesmo no caso de os seus fundamentos incluírem: i) O recurso a meios de prova que a lei proíbe quanto a certos factos (designadamente o recurso a presunção judicial, quando a lei impõe, com carácter imperativo, o recurso a prova documental); e ii) o recurso a inversão dos critérios de distribuição do ónus da prova em violação dos fundamentos legais de inversão e sem observância do dever de prévia e oficiosa audição das partes».

Por não revestir carácter normativo, o objeto do recurso é inidóneo.

Senão vejamos.

Para julgar improcedentes as nulidades imputadas ao acórdão que negara procedência à revista, assim como o pedido da sua reforma, o Supremo Tribunal de Justiça considerou inverificados no caso os pressupostos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (doravante, «CPC»), que determina a nulidade da sentença quando os «fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

Para assim concluir, o Tribunal a quo considerou que a decisão que negara procedência à revista não se baseara em qualquer presunção judicial não admitida por lei ou se bastara com juízos conclusivos, sendo certo que também não inobservara os critérios de distribuição do ónus da prova, desde logo por não ter procedido à reapreciação da matéria de facto fixada pelas instâncias.

Ora, ao requerer a este Tribunal que julgue inconstitucional a asserção que integra o objeto do presente recurso, a recorrente pretende, na verdade, que o mesmo se substitua ao Supremo Tribunal de Justiça na resposta à questão de saber se os fundamentos do acórdão que negou procedência à revista contemplaram, ou não, o recurso a presunções judiciais e a inversão dos critérios de distribuição do ónus da prova, pretensão essa que não tem lugar no âmbito de um sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade de natureza estritamente normativa, como é aquele que se encontra acolhido no artigo 280.º, n.º 1, da Constituição.

Por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais (cf. Decisão Sumária n.º 23/2017).

6. Mas este não é sequer o único fundamento com base no qual se impõe concluir pela inadmissibilidade legal do recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos.

Para além de revestirem natureza normativa, os recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC têm um carácter ou função instrumental, o que significa que apenas podem ter por objeto normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tiver conferido enquanto ratio decidendi.

Ora, como assinalado já, o Supremo Tribunal de Justiça recusou perentoriamente, no acórdão aqui recorrido, a possibilidade de o julgamento que conduziu à improcedência da revista se ter apoiado em meios de prova proibidos, designadamente em presunções judiciais não autorizadas, ou na inversão de critérios que definem o ónus de prova de cada parte na ação. O que é suficientemente demonstrativo de que o preceito legal indicado pela recorrente não foi sequer aplicado pelo Tribunal recorrido no sentido tido por inconstitucional.

Justifica-se, também deste ponto de vista, a prolação da presente decisão sumária (cf. artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC), sabido, como é, que o despacho de admissão proferido pelo tribunal recorrido não vincula o Tribunal Constitucional (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC).»

3. Inconformado com tal decisão, a recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

“A., S.A., Ré e Recorrente nos autos acima indicados, e neles já melhor identificada, em que figura como Recorrida B., S.A., notificada da decisão sumária de 23 de outubro de 2019, que decidiu não conhecer do objeto do recurso interposto e com aquela não se conformando, vem, junto de Vossas Excelências, ao abrigo do disposto nos artigos 76.º, n.º 4, 77.º, n.º 1 e 78.º-A, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (abreviadamente LTC), apresentar reclamação para a conferência da mesma decisão sumária de 23 de outubro de 2019, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. A ora Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6 de junho de 2019, solicitando apreciação sobre a constitucionalidade da “norma constante do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, interpretada e aplicada no sentido de que uma decisão se pode considerar fundamentada e não ambígua mesmo no caso de os seus fundamentos incluírem:

i) O recurso a meios de prova que a lei proíbe quanto a certos factos (designadamente o recurso a presunção judicial, quando a lei impõe, com carácter imperativo, o recurso a prova documental) e

ii) O recurso a inversão dos critérios de distribuição do ónus da prova em violação dos fundamentos legais de inversão e sem observância do dever de prévia e oficiosa audição das partes”.

2. Invocou, para tanto, como normas e princípios constitucionais que se considerou terem sido violados, “os princípios da igualdade de armas e do direito a um processo equitativo, decorrentes, designadamente, do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição”.

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