Acórdão nº 58/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 58/2020

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), em que são recorrentes A. e B. e recorridos C., S.A., Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., D. Limited e D., Administradora de Insolvência, foi interposto recurso de constitucionalidade pelos recorrentes, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designado pela sigla LTC), na sequência da prolação do Acórdão daquele Tribunal da Relação de 25 de janeiro de 2018 (cfr. fls. 114-116), que julgou improcedente a reclamação deduzida pelos ora recorrentes do precedente Acórdão de 9 de novembro de 2017 (cfr. fls. 67-76), o qual julgou improcedente o recurso de apelação interposto da decisão do Tribunal de 1ª instância (de fls. 27-32) que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes, ora recorrentes.

2. Na Decisão Sumária n.º 275/2019 (cfr. fls. 149-165) decidiu-se não conhecer do objeto do recurso quanto ao acórdão do TRG de 25/1/2018 por falta de verificação do pressuposto relativo à ratio decidendi (cfr. II, 7) e, quanto a este acórdão e também quanto ao acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 9/11/2017, por ausência de dimensão normativa do objeto do recurso. (cfr. II, 8 e 9). Isto, nos seguintes termos (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss., em especial 6. a 12.).

«II – Fundamentação

4. Da análise dos autos resulta, com interesse para a situação sub judice, o seguinte:

a) Os ora recorrentes apresentaram-se à insolvência com pedido de exoneração do passivo restante junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz 2 (cfr. petição de fls. 2 e segs.) no dia 19/04/2017;

b) A insolvência dos ora recorrentes foi declarada por decisão do mesmo Tribunal de 24/04/2017 (a fls. 49-51 com verso);

c) O pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes, ora recorrentes, foi admitido liminarmente pelo referido Tribunal ao abrigo do disposto nos artigos 238.º e 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em decisão proferida em 27/07/2017 (cfr. fls. 27-32);

d) Nessa decisão, que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, foi, entre o mais, assim fixado o montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE (cfr. fls. 30-verso):

«Das exclusões a que alude o artigo 239.°, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas

A exclusão, do rendimento disponível do insolvente, que, na exoneração do passivo restante, se considera cedida ao fiduciário, é delimitada no seu limite mínimo, pelo que for razoavelmente necessário ao sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado, e, no seu limite máximo, não absoluto, pelo valor equivalente a três retribuições mínimas garantidas; o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado é um simples princípio regulativo ou critério essencial de decisão, cujo preenchimento exige uma valoração casuística, em que relevam, entre outros critérios, a situação económica do devedor, a dimensão e composição do seu agregado familiar e o seu nível de rendimento e de despesa.

Assim, para efeitos de determinação do montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, importa atender aos seguintes factos:

1.O devedor A. aufere um salário mensal de 603,42.

2. A insolvente a título de serviço doméstico tem como última remuneração conhecida o montante de € 140,44.

Considerando tais factos, entendemos que o montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 239.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve fixar-se em um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, que se considera ser o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade.

Excluem-se da exoneração os créditos previstos no artigo 245.°, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.».

e) Os ora recorrentes interpuseram recurso de apelação da referida decisão para o TRG, tendo, em sede de alegações do recurso (a fls. 53-56-verso), formulado as seguintes conclusões (cfr. fls. 55-56):

«1.ª - O teor do douto Despacho recorrido que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelos Insolventes/Apelantes é susceptível e passível de interpretações várias, divergentes e conflituante, o que “torna a decisão ininteligível” e enferma por isso de nulidade - na palie relevante - que consiste na obscuridade e ambiguidade, que aqui se argui para os legais efeitos (Art.615°-1-c) e 4 NCPC).

2.ª- Ao considerar que "1.º devedor A. aufere um salário mensal de € 603,42. "quando é certo que a importância de € 603,42 inclui o duodécimo do Subsídio de Natal e retirando o duodécimo do Subsídio de Natal - i.é € 46,42 - , verifica-se que o Insolvente/Recorrente A. não aufere o "salário mensal de €603,42" , mas sim o salário/vencimento de €557,00, i.é o Salário Mínimo Nacional, (acrescido do duodécimo do Subsídio de Natal) - como tudo melhor consta do Recibo de Vencimento que se encontra junto aos autos a Fls ... e que aqui se dá por reproduzido - o douto Despacho apelado enferma de Erro notório na apreciação da prova e/ou de Erro de julgamento.

3.ª- O Salário Mínimo Nacional é pago em 14 mensalidades por ano (12 meses mais o Subsídio de Férias mais o Subsídio de Natal podendo este ser liquidado em duodécimos, como é o caso nos presentes autos); fazendo os respectivos cálculos verifica-se que o Salário mínimo, actualmente de €557,00 mensais multiplicado por 14 meses corresponde a € 7.798,00 anualmente; dividindo essa importância por 12 meses tal corresponde à quantia ilíquida de €649,83 por mês- Assim, o salário (mínimo nacional) anualizado de €649,83 corresponde ao Salário Mínimo Nacional de €557,00.

4.ª-Dada a obscuridade/ambiguidade ocorrente, o douto Despacho recorrido suscita designadamente as seguintes dúvidas :

Concretamente, quando se refere a "um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes" de que montante se trata?

Trata-se do montante mensal, anualizado, de €649,83 (ilíquido)?

Ou trata-se do montante mensal de €557,00 líquido?

Em qualquer caso, trata-se de Salário Mínimo Nacional ilíquido ou líquido?

5.ª- O douto Despacho apelado refere "um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes "- Porém, afigura-se que sempre terá de considerar-se que é conjuntamente que o rendimento dos Insolventes - casados um com o outro - deve perfazer ou totalizar dois salários mínimos nacionais -pois que o agregado familiar dos Insolventes é comum, ou seja o mesmo; O douto Despacho recorrido nada diz - no caso ocorrente - sobre a eventual aplicação de futuras actualizações do Salário mínimo nacional para cada um dos Insolventes.

6.ª- Deverá entender-se ser excluído da cessão o rendimento conjunto dos Insolventes equivalente à soma de dois Salários mínimos nacionais mensais, anualizados, (€ 649,83 + € 649,83 = €1299,66 ilíquido) acrescendo as actualizações futuras do Salário mínimo nacional, aplicáveis durante os cinco anos a contar do encerramento do Processo.

7.ª-O douto Despacho recorrido não explícita se se trata de "salário mínimo nacional" mensal auferido durante 12 meses por ano, ou se se trata de "salário mínimo nacional" mensal auferido anualmente, o que se traduz em 14 mensalidades (12 meses acrescidos de subsídio de férias e subsídio de Natal)- sendo certo que o Art. 239°-n02 do C.I.R.E. alude ao rendimento (anual) disponível durante o período de 5 anos, como tal devendo entender-se.

8.ª- Só o Salário líquido assegura a subsistência quotidiana dos Recorrentes e Agregado Familiar; daí que, só faz sentido o salário líquido por isso que o montante a considerar deverá ser o montante mensal anualizado de €649,83 ilíquido o que equivale grosso modo ao Salário mensal de €557,00 líquido - o Insolvente/Recorrente A. aufere o Salário mínimo nacional de 557,00 euros, acrescido do duodécimo de Subsídio de Natal (46,42 euros) o que perfaz 603,42 Euros ilíquidos mensais - sendo o salário líquido apenas de 537,04 Euros (Cfr.:Recibo de Vencimento de Fls ... dos autos).

9.ª- O douto Despacho apelado fez assim, nas vertentes assinaladas, incorrecta interpretação e errada aplicação do direito, ao caso sujeito, incorrendo em Erro de julgamento, impondo-se pois a sua revogação - na parte relevante.

Foram violados, entre outros, os Arts.615° NCPC e Art.239° do CIRE.

TERMOS EM QUE, na procedência do recurso, deverá ser reconhecida e declarada a arguida nulidade e Erro notório na apreciação da prova e/ou Erro de julgamento revogando-se - na parte relevante assinalada - o douto Despacho apelado com as legais consequências.».

f) O TRG, em acórdão prolatado em 9/11/2017 (cfr. fls. 67-75), delimitou as questões a decidir nos seguintes termos:

«A) Apurar se a decisão recorrida é nula por ser obscura, ambígua e ininteligível nos termos do art. 615º nº 1º c) do C.P.C.;

B) Se a exclusão prevista na alínea b) do nº 3 do art. 239º do CIRE que se fixa em um salário mínimo nacional para cada insolvente se refere ao SMN mensal ou ao SMN mensal anualizado, i.e., incluindo os subsídios de férias e de Natal; ao SMN líquido ou ilíquido e se deve considerar as eventuais actualizações anuais deste.»

g) O TRG, no referido acórdão de 9/11/2017, concluiu pela improcedência da arguida...

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