Acórdão nº 52/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 52/2020

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, os primeiros interpuseram recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada pela sigla LTC), da decisão singular proferida pela Senhora Conselheira Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 22 de março de 2019 (cf. fls. 84-93), que indeferiu a reclamação deduzida pelos ora recorrentes da decisão de não admissão do recurso por eles interposto.

2. Na Decisão Sumária n.º 746/2019 (cf. fls. 129-142), decidiu-se que, faltando a observância de vários pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não era possível conhecer o objeto do recurso. Isto, com os seguintes fundamentos (cf. II – Fundamentação, n.º 7 e ss.):

«7. Resulta dos autos que o presente recurso de constitucionalidade foi apenas parcialmente admitido nas instâncias (cfr. despachos supra referidos em I, 4. e 6.), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 76.º da LTC.

Com efeito, o STJ admitiu o recurso de constitucionalidade apenas «no segmento em que os recorrentes A. e B. pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do CPP, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC» (cfr. despacho do STJ, fls. 108), tendo o TRP, por seu turno, decidido não admitir o recurso de constitucionalidade na parte em que os recorrentes pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 24.º a 30.º do CPP, na interpretação alegadamente conferida pelo mesmo Tribunal (cfr. despacho do TRP, fls. 121-122).

Todavia, mesmo tendo o recurso de constitucionalidade – quanto à primeira questão de constitucionalidade submetida pelos recorrentes à apreciação do Tribunal Constitucional – sido admitido por despacho do tribunal a quo, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

8. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

9. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelos recorrentes no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, a decisão do STJ de 22 de março de 2019, que indeferiu a reclamação apresentada pelos ora recorrentes contra o despacho do TRP de 21/12/2018 que não admitiu o recurso interposto pelos mesmos recorrentes de acórdão proferido pelo TRP em 3/10/2018.

10. Resulta dos autos, com interesse para a situação sub judice, o seguinte:

a) Os ora recorrentes e outros são arguidos no âmbito do processo registado nas instâncias sob o n.º 189/12.6TELSB;

b) Em 30/01/2017, por despacho proferido em audiência de julgamento no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi determinada a cessação da conexão relativamente à arguida sociedade “C., Lda.” e a necessária separação de processos relativamente a ela, determinando-se a continuação da audiência quanto aos demais arguidos;

c) Em 7/04/2017 foi proferido acórdão que, entre o mais, condenou os ora recorrentes B. e A., pela prática em co-autoria de um crime de fraude fiscal qualificada, nas penas respetivamente de 4 anos de prisão e de 3 anos e 6 meses de prisão, com a determinação da suspensão da execução de ambas as penas;

d) Do despacho de 30/01/2017 foi interposto recurso pela sociedade arguida C., tendo-lhe sido fixado efeito devolutivo;

e) O recurso foi julgado procedente pelo Acórdão do TRP de 7/06/2017, que revogou o despacho recorrido e determinou que os autos prosseguissem, mantendo-se o julgamento conjunto da então recorrente, com as legais consequências.

f) Na sequência deste acórdão foi proferido o despacho de 4/10/2017, que decidiu retomar a audiência no ponto em que foi declarada cessada a conexão de processos, tendo sido então designada data para a audição das testemunhas inquiridas na sessão de julgamento de 30/01/2017;

g) Deste despacho recorreram o Ministério Público e a arguida D.;

h) O TRP, em acórdão prolatado em 3/10/2018 (fls. 35-47), julgou provido o recurso interposto pelo Ministério Público e parcialmente provido o recurso interposto pela arguida D, determinando a revogação do despacho de 4/10/2017, substituindo-o por outro «que pressuponha que não há que retomar a audiência de julgamento no processo n° 189/12.6TELSB, após a prolação do despacho de 30/1/2017 que declarou cessada a conexão de processos, uma vez que tal audiência já chegou a final»;

i) Do Acórdão do TRP de 3/10/2018 foi interposto recurso para o STJ pela arguida sociedade C., Lda., e por E., S.A., B. e A.;

j) Em decisão datada de 21/12/2018 (fls. 73-77), o TRP ponderou que os arguidos não tinham legitimidade nem interesse em agir para recorrer do acórdão proferido pela Relação em 3/10/2018. E assim decidiu (fls. 74-75):

«Porém como supra se referiu é também pressuposto da admissibilidade do recurso, a legitimidade para recorrer e o interesse em agir, conforme resulta do disposto no artº 401º do CPP que dispõe

1 - Têm legitimidade para recorrer:

a) (…)

b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;

c) (…)

d) (…)

2 - Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva “o interesse na revogação da decisão impugnada, não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões Judiciais, mas um interesse em concreto, salvo no que respeita ao Ministério Público.” (…)

Tem sido também este o entendimento do STJ, ao exigir “um concreto e próprio interesse em agir” do recorrente, cf. STJ 8/99 de 30/10/97 – AR 1ª séri[e] – de 10/8/99, em que estava em causa a legitimidade do assistente para recorrer.

Ora face ao citado preceito legal e conceitos expostos, entendemos que Arguidos/Recorridos C., Lda., E. SA, A. e A., não têm legitimidade nem interesse em agir para recorrer do acórdão proferido em 3/10/2018 por esta Relação.

Os ora recorrentes, embora detendo a qualidade de recorridos não têm qualquer interesse concreto e próprio em agir porquanto, inexiste um qualquer direito subjectivo ao julgamento conjunto, pois que “A categoria processual da conexão resulta de um conjunto de regras específicas de determinação de competência, em excepção às regras gerais (artº 24º) que tem como finalidade prosseguir interesses processuais de economia e de prevenção de riscos de julgados divergentes” (…).

Como tal a decisão ora recorrida ao decidir “revogar o despacho recorrido de 4/10/2017 (…), o qual deve ser substituído por outro que pressuponha que não há que retomar a audiência de julgamento no processo n° 189/12.6TELSB, após a prolação do despacho de 30/1/2017 que declarou cessada a conexão de processos, uma vez que tal audiência já chegou a final…” não foi proferida contra os referidos arguidos/recorridos, não tendo os mesmos um interesse concreto e próprio em agir.

Não se coloca em causa o interesse, legítimo, dos arguidos recorridos, condenados no acórdão que conheceu a final do objecto do processo, em obter a revogação dessa decisão o que poderão prosseguir através dos meios processuais adequados, mas já não através do recurso de uma decisão que em nada afectou a respectiva posição ou defesa no julgamento realizado.

Pelo exposto nos termos do artº 401º nº 1 e 2 do CPP, não admito os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça pelos Arguidos/Recorridos E. SA, B. e A..

Ainda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT