Acórdão nº 40/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 40/2020

Processo n.º 902/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 14 de janeiro de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 769/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. O presente recurso funda-se nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

Sendo diversos os pressupostos processuais do recurso, consoante a alínea em que se funde, apreciemos separadamente cada um dos fundamentos em causa.

A decisão recorrida parece ser, pelo menos no que a parte substancial do recurso de constitucionalidade diz respeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de janeiro de 2019, que julgou o recurso interposto da sentença condenatória proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

4. O recorrente começa por invocar a violação do princípio do in dubio pro reo, articulando assim o objeto do recurso: «ao não apreciar a aplicação do princípio do in dúbio pro reo, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 32.º, n.os 1 e 2 da CRP, inquinado, pois, a sentença recorrida da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP. 51. Atenta a nulidade ora invocada, devem os autos baixar ao Tribunal da Relação de Guimarães, para que seja proferido novo acórdão que atente na apreciação e aplicação, ao caso concreto, do princípio in dúbio pro reo, absolvendo o arguido da prática do crime de incêndio florestal. Nesta senda, qualquer entendimento contrário incorrerá numa interpretação inconstitucional do art.ºs 32.º, n.º 2 e 280.º, ambos da CRP. 53. De resto, a interpretação contrária está ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, da tutela jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do principio da igualdade de armas, do direito a um processo equitativo e do princípio pro actione, todos firmados no artigo 20.º da CRP. Por conseguinte, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280.º da CRP, invoca-se a inconstitucionalidade da interpretação da douta decisão recorrida.».

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

Em face da forma como o recorrente delimita este segmento do objeto do recurso, conclui-se que pretende sindicar a apreciação da prova feita pelo Tribunal recorrido, designadamente no que diz respeito à prova testemunhal, invocando simultaneamente o princípio do in dubio pro reo e o regime das nulidades da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal. É inequívoco que o recorrente pretende sindicar a constitucionalidade da própria decisão recorrida e não de uma qualquer normal legal por aquela aplicada. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.»

A apreciação da prova à luz do princípio da «livre apreciação da prova», sujeita ao parâmetro constitucional da presunção de inocência, nomeadamente na vertente do in dubio pro reo, situa-se necessariamente no domínio reservado ao exercício da função jurisdicional, pelo que não constitui, em caso algum, objeto idóneo de recurso para o Tribunal Constitucional (v., neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 303/02 e 633/08). O mesmo se diga do confronto da decisão com os seus vícios intrínsecos, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal: sob as vestes de um problema processual, o que se visa aqui, em substância, é também a apreciação da mesma questão de fundo, qual seja, a correção do juízo probatório feito pelo Tribunal recorrido. Assim, o recorrente pretende sindicar a própria decisão judicial em causa, imputando-lhe – e não a qualquer norma legal pela mesma aplicada – a violação do parâmetro constitucional que identifica. Aliás, talvez por imputar a inconstitucionalidade à própria decisão e não a qualquer norma, o recorrente nunca chega a identificar e a explicitar qual terá sido, afinal, a interpretação da lei acolhida na decisão recorrida.

O recurso não incide, pois, sobre um objeto idóneo.

5. O recorrente pretende também que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada com o sentido «de não ser admissível a convolação do recurso em requerimento para arguição das nulidades quando aquele recurso deu entrada dentro do prazo geral de arguição das nulidades».

Também nesta parte não pode o objeto do recurso ser conhecido. E não pode por duas razões.

Em primeiro lugar, não obstante o recorrente não identificar qual a decisão da qual, neste particular, pretende recorrer, é certo que só nos despachos datados de 27 de fevereiro de 2019 e de 10 de Abril de 2019 se poderia equacionar a hipótese de uma tal norma ter sido aplicada como ratio decidendi. Porém, em ambos os casos estamos perante despachos singulares do relator –erroneamente designados por acórdãos no requerimento –, que não constituem decisões definitivas na aceção prevista no artigo 70.º, n.º 2 da LTC.

Em segundo lugar, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Ora, compulsados os autos, verifica-se que em momento algum o recorrente suscitou préviamente e de forma processualmente adequada a inconstitucionalidade de tal norma perante o Tribunal da Relação de Guimarães.

Tais razões obstam a que este Tribunal possa conhecer deste segmento do objeto do presente recurso, justificando-se, por conseguinte, a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).

6. O recorrente invoca igualmente a violação do princípio do acesso ao direito, em especial nas vertentes do princípio pro actione e do direito a um processo justo e equitativo, configurando assim a questão: «61. Ao impedir a convolação do recurso de revista, interposto pelo Arguido/Recorrente, em requerimento para arguição das nulidades perante o...

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