Acórdão nº 60/20 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 60/2020

Processo n.º 1444/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A. e outros, ora recorridos, intentaram ação declarativa, com processo comum, no Tribunal da Comarca de Lisboa – Juízo do Trabalho de Lisboa, contra Metropolitano de Lisboa, E.P., pedindo que esta fosse condenada a fazer cessar o não pagamento dos seus complementos de reforma, retomando-o, como acontecia até dezembro de 2013, antes da entrada em vigor do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado de 2014.

Considerando que os autos continham todos os elementos para decidir, por ser litígio constituído por meras questões jurídicas, o tribunal fixou o valor da causa em € 30.000,1, lavrou despacho saneador, dispensou a condensação da matéria de facto controvertida e a prova arrolada pelas partes. Em seguida, proferiu sentença na qual julgou a ação procedente, julgou inconstitucional a norma do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por violação dos artigos 17.º, 18.º, 61.º e 72.º da Constituição, e condenou a ré a cessar a suspensão de pagamento dos complementos de reforma dos autores e pagar a cada um deles, com efeitos a janeiro de 2014, os montantes que lhes foram retirados, uma indemnização por danos morais e juros de mora.

Inconformada, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que conheceu da apelação e acordou que os autos baixassem ao tribunal de primeira instância para designação da data para a realização de audiência de julgamento para produção da prova arrolada pelas partes.

Após a realização destas diligências, o tribunal de primeira instância proferiu sentença com conteúdo idêntico ao proferido anteriormente.

De novo inconformada, a ré apelou da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 22 de novembro de 2017, concedeu parcial provimento à apelação e, em consequência, revogou a sentença na parte em que condenou a apelante a pagar a cada um dos apelados uma indemnização por danos morais e respetivos juros de mora, mantendo-a quanto ao demais.

2. A ré, por ainda inconformada, recorreu para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]). Também o Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da LTC.

3. Prosseguindo os autos para alegações, o Metropolitano de Lisboa, E.P., apresentou as seguintes conclusões (fls. 763-765):

A) Nos termos do disposto no artigo 280.° da CRP, cabe ao Tribunal Constitucional a competência para apreciar a legalidade da aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada no processo.

B) Através do Acórdão n° 413/2014, o Tribunal Constitucional veio considerar que o artigo 75.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro não enfermava de qualquer inconstitucionalidade, particularmente no que se referia a uma alegada violação do princípio da proteção da confiança, do princípio da igualdade, do princípio da proporcionalidade, nem tão pouco do princípio da contratação coletiva.

C) Do mesmo modo, o Tribunal Constitucional, através das decisões proferidas nos Autos de Recurso n.° 826/15 e n.°652/15, ambos da l.a Secção, n.°437/16 e 29/17, da 2.aSecção e n.° 1/17 da 3.aSecção do Tribunal Constitucional, em processos em tudo semelhantes ao presente processo, também já se pronunciou em sede de apreciação concreta da constitucionalidade sobre a constitucionalidade da referida norma, tendo igualmente concluído pela não inconstitucionalidade.

D) Pelo que, tendo o Tribunal Constitucional já concluído pela não inconstitucionalidade da norma em termos abstratos e confirmando-se, agora já em mais cinco decisões, também a constitucionalidade em termos concretos do artigo 75.° da Lei n.° 83-G/2013, de 31 de dezembro, o cumprimento pela Recorrida do disposto na norma legal que determina a suspensão do pagamento dos complementos de pensão prevista neste artigo, não pode merecer qualquer censura de um ponto de vista jurídico.

E) Acresce que os Autores conforme conformaram a sua P.I., não invocaram quaisquer factos concretos que possam justificar a reanálise da constitucionalidade da norma no presente processo em termos concretos.

F) Uma vez que a causa de pedir conforme foi formulada pelos Autores na presente ação é única e exclusivamente a inconstitucionalidade abstrata da norma.

G) O artigo 75.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro não viola qualquer princípio constitucional.

H) Não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade, uma vez que a medida que aqui está em causa, o eventual direito ao pagamento de um complemento pago pela Recorrente que acresce à pensão da segurança social, constitui um benefício extraordinário dos Autores, no quadro dos direitos da generalidade dos trabalhadores portugueses do setor privado e também do setor público.

I) O complemento de pensão auferido pela maioria dos Autores constitui em muitos casos um benefício discricionário e gestionário que não se enquadra na lei nem no normativo do Acordo de Empresa da Recorrente.

J) Acresce que a Recorrente e os sindicatos negociaram já uma alteração do enquadramento jurídico do complemento de pensão, por forma que neste momento estão excluídos deste benefício todos os trabalhadores admitidos após 2003.

K) Situação que evidenciava já as dificuldades da Recorrente no pagamento do complemento de pensão aos seus ex-trabalhadores.

L) Neste contexto, sempre se mostrou claro para a comunidade de trabalho da Recorrente a debilidade da sua situação económica e financeira e, consequentemente as grandes dificuldades desta em manter de forma permanente o pagamento dos complementos de pensão.

M) O acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação, veio considerar que o artigo 75.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro viola três princípios constitucionais, o princípio da proporcionalidade com relação a uma restrição do direito à contratação coletiva e o princípio da confiança do Estado.

N) Ora, no que se refere ao princípio constitucional da proporcionalidade este, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem de ser aferido pelo impacto da medida em análise por relação com o equilíbrio nas contas públicas da empresa em causa e não através da relação entre o valor percentual da poupança decorrente desta medida, calculado sobre o valor do Produto Interno Bruto (PIB

O) Isto porque, conforme se refere no acórdão do TC n.° 413/2014, o artigo 75.° da LOE 2014 visa acautelar a sustentabilidade das empresas do setor público empresarial, prevenindo e minorando os impactos orçamentais negativos associados ao seu desequilíbrio financeiro, referindo ainda que é em relação às empresas públicas deficitárias que se explica a suspensão do pagamento aos trabalhadores de complementos correspondentes a benefícios que não constituem nem retribuição nem pensão devida nos termos da legislação sobre segurança social.

P) Neste contexto, o juízo de ponderação para aferição da eventual violação do princípio da proporcionalidade não pode assentar na consideração do valor percentual do impacto económico de uma medida económica sobre o PIB, sob pena de muito poucas medidas poderem preencher esse requisito.

Q) Concluindo-se que no caso presente o efeito do pagamento dos complementos de pensão é fortemente penalizador para as contas da Recorrente e que a sua suspensão contribui fortemente para o seu equilíbrio económico e financeiro.

R) Termos em se conclui não se verificar a violação do princípio constitucional da proporcionalidade.

S) Relativamente a uma alegada violação do direito à contratação coletiva, refira-se que constitui jurisprudência pacífica do TC (aliás referida no citado acórdão 413/2014) que é "admissível o entendimento de que a Constituição remete para a lei a definição das matérias que podem constituir objeto de negociação e contratação coleáza".

T) Acrescentando ainda o TC que a reserva da contratação coletiva se encontra "materialmente delimitada pelo elenco de direitos dos trabalhadores constitucionalmente consagradas " e que "dela se encontra necessariamente excluída a matéria atinente a segurança social a que se refere o artigo 63. °, que constitui um direito de natureza diferente do da contratação coletiva e com distintos destinatários'' e que " esta asserção é válida para os regares profissionais complementares, sê-lo-á, com maior evidência, em relação a benefícios que não se enquadram no sistema de segurança social e relativamente aos quais até pode existir fundamento material para os excluir da contratação coletiva pelo risco quanto à solvabilidade das empresas e à garantia do pagamento das prestações".

U) Com base na jurisprudência do TC, a restrição do direito à contratação coletiva apenas pode incidir sobre aquele conjunto de direitos que se enquadrem no âmbito do objeto da contratação coletiva.

V) Na situação suhjudice verificamos que os Autores, para além das remunerações fixadas no AE que auferiram como contrapartida do seu trabalho beneficiavam ainda do direito a um complemento de pensão, o qual constitui um direito completamente atípico, não incluído no conceito de retribuição, não constituindo sequer um direito dos trabalhadores, regulado pelo Código do Trabalho.

W) Pelo que terá de se concluir, com respeito pela jurisprudência do TC citada, que a matéria que constitui o objeto dos autos e do referido artigo 75.° da...

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