Acórdão nº 76/20 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 76/2020

Processo n.º 1020/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, foram interpostos os presentes recursos, ambos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), dos acórdãos daquele Tribunal, de 23 de maio de 2019 e de 12 de setembro de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 849/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento dos objetos dos recursos interpostos. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«6. Dos autos constam três recursos de constitucionalidade interpostos: um primeiro, interposto pelo arguido A., do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de maio de 2019, que julgou o recurso interposto do acórdão condenatório de 1.ª instância; um segundo, interposto pelo mesmo arguido, do acórdão do Tribunal da Relação, datado de 12 de setembro de 2019, que apreciou nulidades e outros vícios imputados ao aresto precedente; e um terceiro, interposto pelo arguido B..

Apreciam-se separadamente os recursos.

7. Do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, decorre que o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 cabe apenas de decisões que não admitam recurso ordinário. É de entender que a exigência de definitividade da decisão recorrida – entendida como a insusceptibilidade de a mesma poder ainda vir a ser modificada – impõe que não possa ser interposto recurso de constitucionalidade de decisão relativamente à qual haja sido suscitado incidente pós-decisório, pelo menos na medida em que o julgamento de tal incidente possa vir a repercutir-se no objeto do recurso de constitucionalidade.

Ora, tendo sido arguida a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de maio de 2019 – nomeadamente quanto à questão de constitucionalidade suscitada, relacionada com o artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, o artigo 2.º do Código de Processo Penal, e com a problemática do caso julgado e do princípio ne bis in idem –, e tendo sido interposto recurso de constitucionalidade do mesmo acórdão no mesmo momento, ou seja, antes de tal incidente pós-decisório ter sido julgado, deve considerar-se que a decisão recorrida não consubstanciava, à data da interposição do recurso, uma decisão definitiva, no sentido relevante para efeitos do pressuposto processual estabelecido no artigo 70.º, n.º 2, da LTC, na ordem jurisdicional respetiva. Isto porque, caso viesse a ser reconhecida razão ao reclamante na arguição de nulidade, sempre tal se repercutiria sobre o sentido do acórdão recorrido, pelo menos no que concerne à questão controvertida nesse primeiro recurso. É este o entendimento tradicional e dominante na jurisprudência constitucional (v. os Acórdãos n.os 534/2004, 24/2006, 286/2008, 331/2008, 377/2011, 117/2012, 426/2013 e 620/2014), ainda que não unânime (v. o Acórdão n.º 329/2015), não se vislumbrando razões para dissentir de tal orientação jurisprudencial.

O momento relevante para a apreciação dos pressupostos e requisitos do recurso de constitucionalidade é o da respetiva interposição e não o da sua admissão ou da sua subida ao Tribunal Constitucional. A não ser assim – isto é, a admitir-se que a verificação dos pressupostos e requisitos do recurso de constitucionalidade, designadamente a definitividade da decisão recorrida, pode ocorrer em momento superveniente – o tribunal assumiria o ónus processual da tempestividade do recurso, na medida em que o preenchimento desse pressuposto processual estaria inteiramente dependente do comportamento judicial.

A este propósito, escreveu-se no Acórdão n.º 734/2014:

«A existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso deve ser aferida à data da respetiva interposição, não sendo admissível, nem justo, que os requerimentos de interposição de recurso sejam distinguidos em função de uma álea quanto ao tempo de resolução das pretensões deduzidas pelos recorrentes. Dito de outro modo, não seria justo nem minimamente fundado se, existindo, por hipótese, dois recorrentes, que, simultaneamente à apresentação dos respetivos requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, tivessem apresentado dois incidentes pós-decisórios junto do tribunal a quo, os mesmos vissem os seus requerimentos de interposição de recurso ser alvo de tratamento diferenciado pelo Tribunal, em função da maior ou menor dilação na prolação da decisão dos incidentes pós-decisórios apresentados por cada um deles, em idênticas circunstâncias.

Pelo exposto, conclui-se que o Tribunal Constitucional deve apreciar os pressupostos de admissibilidade dos recursos, com referência à data da respetiva interposição – excetuados os casos em que ocorrência processual superveniente torne a apreciação inútil – e não fazer depender tal admissibilidade de circunstâncias processuais alheias aos recorrentes, como o momento em que o despacho de admissão do recurso é proferido pelo tribunal a quo ou o momento em que o processo é efetivamente enviado para o Tribunal Constitucional, tudo, de resto, em obediência a um princípio de igualdade de tratamento.

Assim, é indiferente, para efeito da admissibilidade do recurso, se um determinado incidente pós-decisório é considerado ou não procedente pelo tribunal a quo, após tal interposição.»

É esta jurisprudência que aqui importa reiterar, o que permite concluir que, verificado o facto de que à data da sua interposição, o recurso de constitucionalidade incidia sobre decisão não definitiva (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de maio de 2019), na aceção do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, o mesmo não pode ser admitido, justificando-se a prolação da presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

8. Apreciemos agora o segundo recurso de constitucionalidade, este incidente sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de setembro de 2019.

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da «norma constante do arts. 374.º, nº. 2 do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 379º, n.º 1 a) e 425º nº. 4 do CPP, quando interpretada no sentido de que um Acórdão que, a título da respetiva fundamentação, contenha apenas a transcrição do texto e/ou da fundamentação do Acórdão recorrido equivale a uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal

Por outras palavras, e em substância, o recorrente entende que o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação, por fazer equivaler a fundamentação à simples transcrição da decisão recorrida. Ou seja, o que está em causa não é a constitucionalidade da norma extraída do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mas a pura e simples violação desse preceito. Ora, essa não é uma questão de constitucionalidade normativa, mas sim de eventual violação ou de errada interpretação de preceitos da lei ordinária, matéria de que não cuida o Tribunal Constitucional no âmbito dos recursos de constitucionalidade. Vale isto por dizer que, nesta parte, o objeto do presente recurso carece de natureza normativa, pois esta implica que aquele diga respeito à violação da Constituição pela lei, tal como interpretada na decisão recorrida, e não à violação da Constituição pelo tribunal recorrido, como na realidade sustenta o recorrente.

9. O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 399.º do Código de Processo Penal, «quando interpretada no sentido de que o direito ao recurso, não implicando a renovação da prova perante o Tribunal de recurso nem implicando a reapreciação da prova gravada ou registada, se encontra restringido ao já deliberado pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto, não dependendo a deliberação do Tribunal de recurso da circunstância de a decisão sobre a matéria de facto estar substancialmente fundamentada ou motivada através de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto relevante como provado ou não provado.»

Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é invocada pelo recorrente.

No caso vertente, é manifesto que este requisito não se mostra preenchido quanto a tal norma.

Para decidir que o acórdão de 23 de maio de 2019 não era nulo, fosse por falta de fundamentação, fosse por omissão de pronúncia, o Tribunal da Relação de Lisboa limitou-se a aplicar as normas dos artigos 374.º e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, não se antevendo como pudesse ter sido aplicada a norma do artigo 399.º do Código de Processo Penal, que se limita a consagrar uma regra geral de recorribilidade de todas as decisões judiciais cuja irrecorribilidade não esteja expressamente prevista na lei.

10. O recorrente pretende...

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