Acórdão nº 269/20 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 269/2020

Processo n.º 920/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., aquele tribunal, por decisão proferida no dia 23 de novembro de 2018, recusou a aplicação da norma constante do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, certeza e segurança jurídicas e da justa remuneração. Fê-lo fundamentalmente por considerar aplicável a esta norma a avaliação feita pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 328/2018 sobre o artigo 2.º, n.º 8, do mesmo diploma:

«(...)

À luz do decidido pelo Réu, dir-se-ia, assim, que os trabalhadores estão sujeitos ao decurso inexorável do tempo, por mais diligentes que possam ser na criação das condições legais - formais e materiais - para o exercício do seu Direito a haverem do Réu o pagamento dos créditos salariais sobre a entidade patronal insolvente de facto.

Na prática, em face do decidido pelo Réu, o Autor podia ter apresentado o requerimento ao Fundo mesmo antes da prolação da sentença de insolvência, podendo instrui-lo logo com a declaração do empregador confirmando os créditos, no próprio formulário do requerimento, e depois, a posteriori, juntar a sentença da insolvência e até o reconhecimento dos créditos na mesma insolvência.

Mas não é isso que o Regime do Fundo pressupõe, designadamente, quando diz, no artigo 5°, que o pedido é instruído, com declaração do empregador comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador "quando o mesmo não seja parte constituída" - o que significa que, tendo havido ação laboral e de insolvência, o que se exigia era, sem alternativa, o documento mencionado na al. a) do n° 2 do artigo 5°: Declaração do administrador da insolvência, ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador na insolvência.

A haver processo de insolvência os créditos têm de ser aí reclamados e isso mesmo demonstrado ao Fundo, em documento anexo ao requerimento: artigo 5° n° 2 b) do Regime do Fundo. Se assim é, o Autor estava mesmo condicionado pelo andamento do processo de insolvência para poderem exercer o direito de pedir o pagamento dos seus créditos pelo fundo.

Mas não só não sabemos se a insolvência já se verificava, de facto, antes - e quanto antes - do momento em que foi requerida, como nem por ter sido requerida logo no dia seguinte à cessação dos contratos, estaria garantido que a sentença e o reconhecimento dos créditos reclamado estariam proferidos antes de um ano.

Contudo, a determinação de um prazo de caducidade de um direito sem se prever quaisquer causas de suspensão ou interrupção e prevendo-se outrossim a necessidade de requisitos para o exercício do direito, que não está na mão do seu titular fazer preencher, de tal maneira que não está garantido que o seu titular possa ter oportunidade legal de exercer o direito dentro do prazo, além de ser uma péssima técnica legislativa, não é suportável constitucionalmente, designadamente não passa pelo crivo da consagração do estado direito, no artigo 2° da Constituição, na medida em que torna aleatórios e arbitrariamente subversíveis os pressupostos do exercício de um direito social reconhecido a todos os trabalhadores.

O pior é que não vemos maneira de interpretar este n° 2 do artigo 4.° do Decreto Lei n.º 59/2015, noutro sentido, designadamente de modo a admitir factos suspensivos ou interruptivos desse seu prazo, de que resulte ficar assegurado depender em último termo do titular do direito, exercê-lo ou não em tempo.

De outro ponto de vista, também de justiça constitucional, a sobredita aleatoriedade resulta, em, perante os mesmos pressupostos substantivos de facto e de direito, sem causa de discriminação alguma que não o acaso, se denegar, potencialmente, a uns trabalhadores e conferir a outros, uma prestação do Estado Social, ou seja, resulta numa ofensa do principio e do direito Fundamental à igualdade de tratamento consagrado no artigo 13° da constituição.

Como também viola o direito à (justa) remuneração do trabalho, o que é atestado pela vinculação do legislador ao estabelecimento de garantias especiais para os salários (n.° 3 do artigo 59.°).

De resto, jamais o Réu imputa ao Autor qualquer falta de diligência no sentido de concluir que a ele se imputa o atraso na obtenção da decisão que declarou insolvente a sua entidade patronal.

Com efeito, como resulta do probatório, mesmo antes de decretada a insolvência da sua entidade patronal, a Autora requereu ao Réu o pagamento dos seus créditos salariais que detinha sobre aquela sua entidade patronal.

Como resulta do probatório, o Autor comunicou a rescisão à sua ex-entidade patronal do seu contrato de trabalho em 26/06/2015 e em 16 de janeiro de 2016, requereu, conjuntamente com outros trabalhadores, a insolvência da sua entidade patronal.

Assim, e à semelhança da declaração de inconstitucionalidade do n° 8 do artigo 2° do novo regime do Fundo de Garantia salarial, também o n.° 2 do artigo 4.° do mesmo regime se mostra materialmente inconstitucional, por ofensa de princípios do Estado de Direito da igualdade e da preservação da justa remuneração, com os mesmos fundamentos decididos pelo Colendo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 328/18, supra transcrito.

Na verdade, assim decidido, e com a devida vénia aderindo-se aos fundamentos de tal Acórdão, por manifestamente violadora dos princípios da igualdade, certeza e segurança jurídica e da justa remuneração, será de desaplicar a norma em causa ao caso concreto dos presentes autos.»

Notificado desta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).

2. Admitido o recurso, o Ministério Público alegou, pronunciando-se pela sua improcedência, por considerar inconstitucional a norma do n.º 4 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o Fundo apenas assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 do mesmo artigo que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, sendo este prazo insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, «[p]elos mesmos motivos e com os mesmos fundamentos jurídico-constitucionais da jurisprudência do Tribunal Constitucional constante do Acórdão n.º 328/2018, de 27 de junho de 2018, retificado pelo Acórdão n.º 447/2018, de 2 e outubro de 2018 e, também, dos Acórdãos n.ºs Acórdãos n.ºs 583/2018, 251/2019, 270/2019 e das Decisões Sumárias n.ºs 111/2019 e 114/2019, emitida relativamente à inconstitucionalidade do n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril

3. A recorrida contra-alegou, subscrevendo na íntegra as alegações do Ministério Público.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

4. A norma aqui em questão foi recentemente apreciada por este Tribunal, que no Acórdão n.º 152/2020 se pronunciou no sentido da sua não inconstitucionalidade.

Fê-lo com base na seguinte fundamentação:

«12. A segunda norma desaplicada pela decisão a quo é a que estabelece que o Fundo assegura o pagamento de créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, decorrente do artigo 2.º, n.º 4, NRFGS.

Como enquadramento, é de referir que o Fundo de Garantia Salarial tem por objetivo assegurar o pagamento aos trabalhadores de créditos laborais emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou à apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas (artigo 2.º, n.º 1 e 4, NRFGS). O artigo 3.º, n.º 1, NRFGS estabelece dois limites aos montantes garantidos pelo Fundo: um limite máximo global, equivalente a seis meses de retribuição, e um limite máximo mensal, correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.

Os referidos créditos são garantidos desde que seja proferida a sentença de declaração de insolvência do empregador; o despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização; ou o despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P., no âmbito do procedimento...

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