Acórdão nº 268/20 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 268/2020

Processo n.º 272/18

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do indeferimento da reclamação apresentada da decisão de não admitir o recurso interposto da sentença em que foi condenado pela prática de um crime de frustração de créditos, recurso esse cuja interposição foi requerida dentro do prazo, mas através de correio eletrónico.

2. O tribunal de primeira instância entendeu que o requerimento de interposição de recurso deveria ter sido apresentado por transmissão eletrónica de dados, através do sistema Citius, razão pela qual não podia ser admitido. O tribunal recorrido manteve esta decisão, indeferindo a reclamação com os seguintes fundamentos (cf. fls. 52-53):

«(…)

Pelo Assento n.º 2/2000 o S.T.J. fixou jurisprudência no sentido de que o n.º 1 do art. 150.º do CPC era aplicável em processo penal, por força do artigo 4.º do C.P.P., jurisprudência esta que foi reafirmada no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2014, e da qual resulta que, uma vez que o C.P.P. era omisso quanto ao modo como os atos processuais escritos deviam ser remetidos ao tribunal, decidiu-se que o caso se resolveria com recurso àquela norma do processo civil.

Não obstante ter entrado em vigor, entretanto, um novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6, aquela jurisprudência mantém-se atual porque se mantém a referida lacuna.

Atualmente a questão da apresentação em juízo dos atos processuais é tratada no art. 144.º do CPC, que dispõe no seu n.º 1 que «os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição».

Esta Portaria é a 280/2013, de 26/8, entretanto alterada pela Portaria 170/2017, de 25/5, referidas no despacho de não admissão do recurso.

A partir desta alteração resulta expressamente do art. 1.º da Portaria nº 280/2013, de 26/8, que os requerimentos de interposição de recurso dos processos penais são apresentados por transmissão eletrónica de dados.

Isto desde 29 de maio de 2017, data da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Portaria de 2017.

O preâmbulo do diploma explica o que se pretende: agilizar e simplificar a atuação dos intervenientes processuais, reduzir custos e burocracias, aumentar a capacidade de gestão processual, introduzir maior celeridade e transparência na tramitação dos processos, tudo através de um alargamento do campo de intervenção da plataforma Citius.

E também diz que quando se proceder à alteração do C.P.P. os tribunais passarão a notificar os advogados ou defensores em processo penal eletronicamente, sendo que aqui já não se pode aplicar o CPC uma vez a lei do processo penal tem disciplina própria sobre as notificações a fazer pelos tribunais.

*

O art. 150.º do CPC velho dizia que os atos processuais que devessem ser praticados por escrito pelas partes deviam ser apresentados a juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, sendo que o 144.º do novo CPC diz que esta apresentação é feita por transmissão eletrónica.

Portanto, é inequívoco que a forma de transmissão dos recursos atualmente em vigor é, apenas, a eletrónica através da plataforma Citius. Sendo esta a única forma admitida por lei para o envio de peças para os processos judiciais, é claro que as anteriormente previstas deixaram de ser admissíveis.

(…)»

3. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente enunciou as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada nos seguintes termos (cf. fls. 56-57):

«I. NORMAS IMPUGNADAS

1. A do artigo 144.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e

2. A do art.º 5º, n.º 1 da Portaria nº 280/2013 de 26/08, entendidas no sentido de que os atos não praticados através da plataforma do Citius são inadmissíveis ou considerados inexistentes, sendo certo que a lei civil e a norma da portaria não estão formuladas em termos imperativos (ao contrário da formulação da norma do art.º 19.º, nº 1 da Portaria, que prevê a prática de atos processuais pelos magistrados judiciais, que utiliza a menção imperativa "são sempre") e não preveem qualquer sanção para tal omissão, uma vez praticados os atos através de outra via, designadamente por entrega em mão na secretaria judicial, por correio registado, telecópia e/ou e-mail;

3. A do artigo 4.º do Código de Processo Penal, entendida no sentido de o regime processual civil ser somente aplicável aos atos das partes, quando o Código de Processo Penal é igualmente omisso em relação a notificações via Citius.

4. A do artigo 1.º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08 na redação dada pela Portaria n.º 170/2017 de 25/05, e

5. A do artigo 25.º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08, entendidas no sentido de que o regime de tramitação eletrónica apenas é obrigatório para as partes em processo penal, já que para os tribunais penais tal obrigatoriedade apenas decorrerá após «se proceder à alteração do CPP» altura em que «os tribunais passarão a notificar os advogados ou defensores em processo penal eletronicamente».

Tais interpretações normativas constituem a ratio decidendi da decisão alvo de recurso e estão em desconformidade com os elementos literal e sistemático da lei.»

4. Admitido o recurso de constitucionalidade, as partes foram notificadas para alegar mediante despacho do Relator com o seguinte teor (cf. fl. 66):

«Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 79.º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), determino que o recorrente, querendo, apresente alegações escritas no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da notificação, relativamente às questões indicadas nos pontos 1 e 2 da Secção I (Normas Impugnadas) do seu requerimento de interposição de recurso.

Mais se alerta o recorrente para o eventual não conhecimento das questões indicadas nos pontos 3 a 5 da Secção I (Normas Impugnadas) do seu requerimento de interposição de recurso, por não terem constituído ratio decidendi da decisão recorrida, nem se perfilarem como questões dotadas de caráter normativo.»

5. O recorrente presentou as seguintes conclusões (cf. fls. 88-90):

«1) As normas dos artigos 144.º, n.º 1 do CPC e 5.º, n.º 1 da Portaria 280/2013 não contêm uma menção imperativa de envio/apresentação dos atos pelos mandatários das partes por transmissão eletrónica de dados via Citius e, igualmente, não contêm qualquer sancionamento pelo incumprimento dessa forma;

2) Na falta de uma menção imperativa e de um sancionamento na lei, a falha ou omissão de comunicação eletrónica de dados deve ser simplesmente e oficiosamente relevada ou quando muito ser suprida/corrigida, por convite do juiz, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, 6.º, 7.º e 146.º, n.º 2 do CPC e de harmonia com os preceitos e princípios constitucionais consagrados nos artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 9.º, al. b), 13.º, n.ºs 1e 2,16.º, 17.º, 18.º, n.ºs 1e 2, 20.º, n.ºs 1e 4, 22.º, 27.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, 202.º, 203.º, 266.º, n.º 2 e 268.º, n.º 4 (de que se destaca o direito à tutela jurisdicional efetiva e o direito ao recurso, bem como os princípios constitucionais da proteção da confiança, da proporcionalidade, da proibição do excesso, da igualdade e da legalidade e subordinação dos tribunais à lei e também os princípios processuais da cooperação e da boa-fé processual) e ainda com os direitos e garantias fundamentais consagrados nos artigos 8.º, 10.º e 11.º, n.º 1 da DUDH e no art.º 6, n.º 1 da CEDH( e que se encontram acolhidos no nosso texto constitucional), sendo essa a interpretação correta e consentânea com a CRP e as aludidas DUDH e CEDH;

3) A interpretação do art.º 144.º, n.º 1 do CPC e do art.º 5.º, n.º 1 da Portaria 280/2013 corporizada no despacho da 1ª instância de 24/12/2017 e sobretudo na decisão recorrida, no sentido da inadmissibilidade do requerimento de interposição do recurso tempestivamente apresentado com o fundamento na falta de envio pela plataforma Citius, viola os aludidos preceitos legais, constitucionais e da DUDH e CEDH, sendo como tal inconstitucional e inadmissível, originando uma autêntica decisão surpresa e iníqua, chocante e desfasada da melhor jurisprudência e das garantias de tutela efetiva dos direitos, liberdades e garantias do arguido, designadamente do direito à tutela jurisdicional efetiva, do direito ao recurso e do direito a um processo justo e equitativo;

4) Pelo que se pede que sejam julgadas inconstitucionais as normas do artigo 144.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e do art.º 5.º, n.º 1 da Portaria 280/2013, de 26 de agosto, quando interpretadas no entendimento e sentido de que os atos não apresentados/praticados através da plataforma Citius são inadmissíveis ou considerados inexistentes.

Por todo o exposto e nos mais termos de direito aplicável que V.Exas. doutamente suprirão, requer-se que seja dado provimento ao presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade das citadas normas legais na interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida (inadmissibilidade do requerimento de interposição de recurso penal remetido tempestivamente por via diversa do Citius), revogando-se esta decisão e substituindo-a por outra que admita o requerimento de interposição de recurso tempestivamente apresentado pelo arguido por telecópia, por correio eletrónico e ainda por entrega em mão na secretaria judicial, tudo com os...

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