Acórdão nº 265/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 265/2020

Processo n.º 159/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Correu termos no (hoje designado) Juízo Central Cível e Criminal de Bragança com o número 29/17.0PEBGC um processo comum para julgamento por tribunal coletivo em que é arguido A. (o ora Reclamante). O processo culminou, em primeira instância, na prolação de acórdão, datado de 19/06/2019, pelo qual se decidiu condenar aquele arguido, pela prática, em autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 21 de janeiro, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

1.1. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Guimarães (embora dirigindo o recurso, inicialmente e por manifesto lapso, ao Tribunal da Relação do Porto). Em síntese, invocou a nulidade da decisão, por insuficiência da fundamentação e por violação do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, do CPP e questionou a medida da pena, face à natureza e circunstâncias do crime e à personalidade do arguido.

Das alegações de recurso consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

O tribunal ‘a quo’ não indicou completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem efetuou o exame crítico de tais provas, limitando-se a efetuar súmulas de declarações dos arguidos e dos depoimentos das testemunhas, sem indicação mínima sobre a credibilidade merecida por cada meio de prova ao invocar todos os documentos dos autos, desta forma impossibilitando o tribunal de recurso de perceber e apreciar a bondade dos critérios lógicos que seguiu e, inviabilizando a correta apreciação da impugnação da matéria de facto apresentada pelo arguido.

A falta do exame crítico das provas, imposto pelo art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e, a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, a nulidade do presente Acórdão.

Tal restritiva interpretação do imposto pelo art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal por parte do Tribunal “a quo” resulta claramente inconstitucional, por violação do princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto trave mestra do Estado de Direito e das mais elementares garantias de defesa do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso (número 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa).

Termos em que deve ser reconhecida e declarada a nulidade do Acórdão recorrido e a inconstitucionalidade da interpretação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal feita pelo Tribunal “a quo”, com claro prejuízo para a defesa do aqui Recorrente.

Mais se impondo ordenar o suprimento da nulidade verificada, com a consequente revogação da decisão e a determinação de prolação de novo Acórdão, do qual conste a indicação especificada de toda a prova documental fundamentadora da convicção e um verdadeiro exame crítico das provas, com particular destaque para os aspetos que atrás se deixaram apontados.

[…]

Conclusões:

[…]

9 – A falta do exame crítico das provas, imposto pelo art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, a nulidade do presente Acórdão.

10 – Tal restritiva interpretação do imposto pelo art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal por parte do Tribunal “a quo” resulta claramente inconstitucional, por violação do princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto trave mestra do Estado de Direito e das mais elementares garantias de defesa do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso (número 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa).

11 – Termos em que deve ser reconhecida e declarada a nulidade do Acórdão recorrido e, a inconstitucionalidade da interpretação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal feita pelo Tribunal “a quo”, com claro prejuízo para a defesa do aqui Recorrente, mais se impondo, ordenar o suprimento da nulidade verificada, com a consequente revogação da decisão e a determinação de prolação de novo Acórdão, da qual conste a indicação especificada de toda a prova documental fundamentadora da convicção e, um verdadeiro exame crítico das provas, com particular destaque para os aspetos que atrás se deixaram apontados.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.1. No Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido acórdão, datado de 13/01/2020, que julgou o recurso do arguido improcedente. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

A invocada nulidade da sentença, por falta de fundamentação prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por referência ao artigo 374.º, n.º 2, do mesmo Código

Como é sabido, na economia do atual Código de Processo Penal, assume particular importância o dever de fundamentação previsto no n.º 2 do artigo 374.º, segundo o qual a sentença deverá conter ‘uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal’ (sublinhado nosso).

Ou seja, a sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há de conter, ainda, os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido em que se formou, considerando provados uns factos e não provados outros, fazendo assim o exame crítico das provas que concorrem para a concreta formação da convicção do tribunal.

Como se escreveu no Ac. do TRP de 09.12.2015, proferido no proc. n.º 9/14.7T3ILH.P1, acessível em www.dgsi.pt, e citando Acs. do STJ de 17.03.2004, proc. n.º 4026/03; de 07.02.2012, proc. n.º 3998/00 e de 12.04.2000, proc. n.º 141/00, ‘o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência revela das ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte’.

Posto isto, uma sentença só não estará fundamentada se não for possível perceber “o porquê” do seu conteúdo e não também quando forem incorretas ou passíveis de censura as conclusões a que o juiz chegou.

E é certo, como diz o recorrente, que a omissão da fundamentação a que alude o citado artigo 374.º, n.º 2, do CPP integra a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do citado Código.

Como se constata da motivação da matéria de facto e de direito do acórdão recorrido, não existe a falta de...

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