Acórdão nº 264/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 264/2020

Processo n.º 139/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., S.A. (a ora Recorrente) intentou, no Juízo Central Cível de Guimarães, uma ação declarativa comum contra o B., S.A., pedindo a condenação do Réu: (a) a restituir-lhe a quantia de €61.681,80 acrescida de juros; (b) a restituir-lhe a quantia de €950.711,40 acrescida de juros; (c) a pagar-lhe a quantia de €5.184.000,00, acrescida de juros; (d) a restituir-lhe a quantia de €22.524,50, acrescida de juros; e (e) a pagar-lhe a quantia de €659.191,00, acrescida de juros. O processo correu os seus termos naquele tribunal com o número 6596/18.3T8GMR.

1.1. Contestada a ação, foi proferido despacho saneador com conhecimento parcial do mérito, datado de 16/06/2019, no qual se decidiu, designadamente, no sentido da improcedência da ação, no que respeita ao pedido indicado em (c), supra, e do prosseguimento da ação “[…] para apreciação dos pedidos formulados sob [(a), (b) e (d)], o mesmo sucedendo com [(e)], já que, quanto a este, está em causa o alegado incumprimento de ordem de venda de 101.000 [unidades de participação] reportado a momento posterior à medida de resolução e à deliberação subsequente”.

1.1.1. Desta decisão recorreram a Autora e o Réu para o Tribunal da Relação de Guimarães. Das alegações de recurso daquela consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

40.º

Para efeitos da inconstitucionalidade material interpretativa, que aqui se vai suscitar, estão em causa as disposições habilitantes do n.º 5 do artigo 145.º-C, da alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º-H, do n.º 1 do artigo 145.º-AR, transcritos no artigo 4º desta pronúncia, do n.º 1 do artigo 145.º-F, da alínea a) do n.º 5 do artigo 145.º-H e do n.º 1 do artigo 145.º-N, transcritos no artigo 5.º também desta pronúncia, todas do Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro.

41.º

Que se prendem com os poderes do Banco de Portugal de, relativamente a contratos celebrados por instituição de crédito objeto de resolução, excluir passivos de responsabilidades emergentes de incumprimentos desses contratos para o banco de transição.

42.º

De deste os retransmitir para instituição de crédito objeto de resolução,

43.º

E, ainda, o desses poderes de exclusão e de retransmissão só poderem ser sindicados em sede de contencioso administrativo.

44.º

Sucede que interpretar essas disposições habilitantes nos sentidos, que conferem tais poderes

45.º

E no sentido que só podem ser sindicados em sede de contencioso administrativo,

46.º

É materialmente inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais consagrados no artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 18.º e nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º, todos da Constituição.

47.º

É o que acontece nesta ação com a exceção perentória da ilegitimidade substantiva, deduzida pelo réu, relativamente às quantias de €61.681,80, €950.711,40, €5.184.000,00 e de €22.524,00, incluídas nos pedidos das alíneas a), b), c) e d), formulados na petição inicial.

Vejamos.

48.º

Tais quantias, conforme alegado na petição inicial, e que o réu até aceita, são responsabilidades emergentes de incumprimentos por parte do C., S.A. de contratos celebrados com a autora antes das 20 horas do dia 3 de agosto de 2014.

49.º

E interpretar aquelas disposições nos sentidos, alegados nos precedentes artigos 41.º, 42.º e 43.º desta pronúncia viola o princípio da constitucionalidade consagrado no artigo 2.º da Constituição, o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, o princípio do direito à tutela efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, o princípio da proibição da indefesa, e o princípio do direito a que esta ação seja decidida mediante processo equitativo, consagrados nos n.os 1, 4, e 5 do artigo 20.º da Constituição,

50.º

Princípios todos estes que a autora, tem, relativamente aos direitos daquelas quantias, que reclama nesta ação do réu,

51.º

E que, mediante a procedência da exceção perentória da ilegitimidade substantiva, deduzida pelo réu, à autora são cerceados.

52.º

Em consequência, e, também, por esta via da interpretação materialmente inconstitucional daquelas disposições,

53.º

Que se impõe seja julgada nesta ação (artigo 204.º da Constituição),

54.º

E, ainda, por força do princípio da invalidade, consagrado no n.º 3 do artigo 3.º da Constituição daquelas disposições deve ser julgada improcedente a exceção perentória da ilegitimidade substantiva, deduzida pelo réu.

55.º

A autora, em consequência do alegado desde o artigo 8.º ao artigo 54.º desta pronúncia, impugna o que o réu alega nos artigos 8.º e 33.º, e, ainda, os juízos conclusivos e de direito, que alega nos artigos 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 20.º, 32.º, 33.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 40.º e 42.º da contestação.

(…)

[A] Autora defendeu e sustentou que interpretar essas disposições habilitantes no sentido de conferirem ao Banco de Portugal poderes de, relativamente a contratos celebrados por instituição de crédito objeto de resolução, excluir passivos de responsabilidades emergentes de incumprimentos desses contratos para o banco de transição; no sentido de deste os retransmitir para instituição de crédito objeto de resolução; e, ainda, no sentido desses poderes de exclusão e de retransmissão só poderem ser sindicados em sede de contencioso administrativo, era, materialmente, inconstitucional, porque violava os princípios constitucionais, consagrados no artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 18.º e nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º, todos da Constituição, e que, em consequência, e ainda, por força do princípio da invalidade, consagrado no n.º 3 do artigo 3.º da Constituição, a exceção perentória da ilegitimidade substantiva, deduzida pelo Réu, tinha de ser julgada improcedente.

[…]

Cabe agora, e na sequência, verificar se as disposições habilitantes, invocadas pela Autora, nos particulares: ‘a qualquer momento’ do n.º 5 daquele artigo 145.º-C; ‘seleciona os passivos a transferir para o banco de transição’ do n.º 1 do artigo 145.º-H; ‘pode, a todo o tempo, transferir outros passivos’ da alínea a) do n.º 5 do artigo 145.º-H; e ‘pode determinar a alienação parcial de passivos’ do n.º 1 do artigo 145.º-F, todos do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, nas redações dos diplomas citados nas páginas 69 a 71 destas alegações, por confronto com os princípios constitucionais dos artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 18.º, n.º 2, 20.º, n.os 1, 4 e 5 da Constituição podem ser interpretadas nos sentidos, referidos pela Autora na sua resposta do §3 de II destas alegações, de consentirem ao Banco de Portugal que de contratos celebrados com o C. antes dos dias 3 de junho de 2014 e 3 de agosto de 2014 e que foram transferidos para o Réu, exclua a parte ativa da posição contratual que neles tinham as contrapartes.

É evidente que não podem, porque afrontam aqueles princípios constitucionais do Estado de Direito, da necessidade da sua conformidade com a Constituição, da proibição da aniquilação de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, e do princípio do direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 2.º, n.º 3, 3.º, 18.º, n.º 2, e nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição, e porque são postergados pelo sentimento jurídico de qualquer ordem jurídica minimamente civilizada.

E, por assim, aplicá-las à situação da causa de pedir destes autos, sintetizada na página 58 destas alegações, para julgar procedente a exceção perentória da ilegitimidade substantiva do Réu, como decidiu a decisão recorrida, é, materialmente, inconstitucional.

[…]

[Conclusões:]

[…]

11.ª – Para o Réu foi transmitida a posição contratual que o C. tinha nos contratos, que integram a parte ativa da Autora da causa de pedir da precedente primeira conclusão, conforme decorre da precedente segunda conclusão, o que impõe pela procedência da décima conclusão, que para o Réu foi transferida a responsabilidade emergente dessa causa de pedir.

12.ª – Interpretar o disposto no n.º 1 artigo 145.º-AR e o disposto no n.º 1 do artigo 145.º-N, ambos do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, nas respetivas redações da Lei n.º 23-A/ 2015, de 26 de março, e do Decreto-Lei n.º 31-A/ 2012, de 10 de fevereiro – ‘sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, as decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução (…) estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adoção’, e ‘sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, as decisões do Banco de Portugal que adotem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, com ressalva das especialidades previstas nos números seguintes, considerando os interesses públicos relevantes que determinam a sua adoção’ –, no sentido em que quem tem o direito, afirmado em ação proposta contra o banco de transição, tem de recorrer aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo para o ver reconhecido é materialmente inconstitucional, porque viola o princípio do Estado de Direito, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o direito a que a causa em que intervenha seja objeto de decisão e o direito a que no feito submetido por si a julgamento não sejam aplicadas normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nelas consagrados, previstos, respetivamente, no artigo 2.º, nos n.os 1 e 4 do artigo 20.º e no artigo 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa.

13.ª – Em consequência da procedência da antecedente décima...

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