Acórdão nº 186/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução11 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 186/2020

Processo n.º 1208/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e são recorridas B., C., S.A., D. e E., o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 13 de novembro de 2019, que negou provimento ao recurso pelo mesmo interposto da decisão proferida pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto no dia 29 de março de 2019 que rejeitou o requerimento de abertura de instrução deduzido pelo assistente, por considerá-lo «legalmente impossível».

2. A decisão recorrida apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«(…)

Quando o inquérito terminar pelo arquivamento (não dedução de acusação) o assistente, que pretenda ver aberta a fase de instrução, tem, além de indicar as razões de facto e de direito de discordância com a posição tomada pelo Ministério Público, de formular uma acusação alternativa, na qual passem a estar descritos os factos concretos a averiguar, integradores dos elementos objetivos e subjetivos do(s) crime(s) que pretender ver imputado(s) ao(s) arguido(s), bem como as disposições legais incriminadoras.

Esta exigência encontra fundamento na estrutura acusatória do processo penal, devido à qual a atividade do tribunal se encontra delimitada pelo objeto fixado na acusação, em consonância com as garantias de defesa do arguido (cfr. artigo 32º números 1 e 5 da C.R.P.), que, deste modo, fica salvaguardado contra qualquer arbitrário alargamento do objeto do processo e lhe permite a preparação da defesa no respeito pelo princípio do contraditório.

No caso em apreço, resulta claramente evidenciado que o assistente não formula essa acusação, limitando-se a reiterar e contrapor a sua interpretação dos factos que durante o inquérito foram sujeitos a aturada investigação, repetindo o que já havia dito quando apresentou a denúncia, pretendendo que, nesta fase, se realizem uma panóplia de diligências de prova, concretamente inquirição de novas testemunhas e reinquirição de outras já ouvidas no inquérito mas que o assistente entende não terem sido devidamente confrontadas com elementos constantes do processo.

Na decisão sob recurso o senhor juiz a quo enfatizou, e bem, que a instrução não é um novo inquérito, mas uma fase processual facultativa em que se submete à apreciação judicial a decisão tomada pelo Ministério Público no final do inquérito. A instrução é assim uma fase processual «(...) materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações»

Vejamos de que forma reagiu o assistente à decisão de arquivamento proferida no final do inquérito:

A partir do ponto 3 do requerimento para abertura da instrução apresenta, como o próprio refere, as razões de discordância com o despacho de arquivamento voltando a aduzir os fundamentos que deram origem ao processo, ou seja, repetindo o que constava já da denúncia apresentada e assim procede até ao ponto 37.2.

No ponto 38 apresenta a sua discordância com o entendimento sufragado pelo Ministério Público no despacho de arquivamento, de que o denunciado crime de falsificação de documento, a ter existido, já está prescrito.

A sua discordância assenta na alegação de que o crime se consuma com o trânsito em julgado da decisão que absolveu a Ia denunciada. Nenhuma razão lhe assiste. O crime de falsificação é um crime de perigo abstrato. de mera atividade ou formal que se consuma logo que ocorra uma das ações a que aludem as diversas alíneas do artigo 256° do Código Penal.

Na verdade, no caso em apreço, porque o assistente alega ser falsa a data constante de um documento que foi junto na ação que correu termos no Tribunal de Trabalho pela denunciada "B.", a consumação do crime, a existir, nunca poderia ter ocorrida em data posterior a 08/03/2012, altura em que o documento foi junto ao referido processo. A prescrição de 5 anos ocorreu em 08/03/2017, ou seja no dia posterior ao da apresentação da denúncia pelo assistente, tudo como bem refere o Digno Procurador no despacho de arquivamento.

O assistente não aceita esta decisão, que está correta como acabamos de dizer, e nas alegações apresentadas sob os pontos 40 a 66 discorre sobre o prazo de prescrição do crime de falsificação e o modo como deve ser determinado

Nenhum dos argumentos aduzidos colhe: o que alega o assistente é que um documento, apresentado no processo que correu termos no Tribunal de Trabalho, concretamente a data nele aposta não é verdadeira, tendo sido "fabricado" em data anterior à que dele consta. A sua tese é que o crime de falsificação apenas se consuma quando a sua pretensão, naquela ação, foi desatendida, alegando, sem estar demonstrado, que esse desfecho foi sustentado na consideração da data daquele documento. Ora, salvo o devido respeito que é muito, nunca tínhamos visto defendida essa tese; a falsificação só se consumaria no momento do desfecho desfavorável para a pretensão do assistente. E se o desfecho lhe tivesse sido favorável e o assistente tivesse tido, nessa ação, ganho de causa e tivesse desconsiderado o teor do documento, quando teria ocorrido, na precetiva defendida pelo assistente, a consumação do crime de falsificação? Não o diz porque a tese que apresenta, não tem, em nosso entendimento e salvo sempre o devido respeito por entendimento diverso, qualquer consistência.

Dos pontos 67 a 79 o assistente discorre sobre a integração ou não do documento falsificado na categoria dos documentos previstos no nº 3 do artigo256º do Código do Processo Penal para depois concluir no ponto 87 pelo cometimento do crime de falsificação.

Mas a decisão proferida quanto à prescrição deste crime está correta, como já acima se disse, improcedendo assim nesta parte o recurso interposto.

O mesmo tipo de argumentação deixa expressa nos pontos 88 a 120, agora no concernente ao crime de falsidade de depoimento que pretende ver imputado às denunciadas D. e E., inserindo excertos de declarações por estas prestadas, pretendendo com eles demonstrar, como o próprio refere, o cometimento do citado crime.

O que se vem de dizer espelha de modo muito claro que o RAI não se estrutura, como teria de ser, como uma acusação, na qual o assistente, de modo claro, preciso e conciso, elencasse os factos que imputa aos denunciados, balizando dessa forma o objeto do processo e terminando pelo seu enquadramento jurídico.

Mas ainda refere o Senhor Juiz a quo não poder ser requerida a fase de instrução porque na fase de inquérito ninguém foi constituído arguido.

Vejamos: dispõe o artigo 272° n° 1 do Código do Processo Penal:

"Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la

E o art. 58º nº 1 a) do mesmo diploma legal estabelece:

"(...) é obrigatória a constituição de arguido logo que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal "

Prevê ainda o artigo 59° do Código do Processo Penal a inquirição, pelo titular da ação penal, de pessoa apenas suspeita, em relação à qual não existam os «fortes indícios» da prática de crime. Neste caso não existe a obrigação legal de a constituir arguida. O inquérito - que...

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