Acórdão nº 176/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução11 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 176/2020

Processo n.º 81/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) foi condenado, em 1.ª instância, no Juízo Local Criminal de Angra do Heroísmo, no âmbito do processo comum para julgamento por tribunal singular n.º 2536/17.5T9PDL, pela prática de dois crimes de difamação agravados com publicidade, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) meses de prisão e, ainda, no pagamento ao Demandante da quantia de €2.000,00.

1.1. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa. Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

14.º

Por mera cautela e na eventualidade de não ser ordenada a repetição da causa, o recorrente alega mais o seguinte:

15.º

A fls. 30, diz a sentença recorrida que o recorrente «levou a cabo os factos tão-somente quatro meses depois de ter sido condenado mais uma vez, por cúmulo jurídico, em pena de prisão suspensa na sua execução (37 meses de prisão) (…)».

16.º

Não pode o recorrente conformar-se com este juízo porque, salvo o devido respeito, carece de um fundamento sólido a apoiá-lo.

17.º

Na verdade, o cúmulo jurídico ali operado é estabelecido pelo direito ordinário (CP artigo 78.º, n.º 1), mas o recorrente entende que essa norma padece de inconstitucionalidade.

18.º

Vejamos porquê:

19.º

Se, de entre todos os ramos do direito, é o direito penal – quer o direito substantivo, quer o direito adjetivo – que mais se move animado de um aturado cuidado, de forma a preservar com a máxima segurança possível o ádito sagrado dos arguidos em face das arbitrariedades do poder político, custa realmente a compreender como pode haver lugar à punição pelo conhecimento superveniente de um concurso de crimes.

20.º

De outro modo, ficaria qualquer arguido exposto a ser penalizado por um defeito cuja responsabilidade não lhe cabe, pois que num entendimento oposto teríamos que só faltava pedir a esse arguido que informasse o tribunal do seu registo criminal.

21.º

Exigência manifestamente abusiva e absurda, principalmente quando, ainda recentemente e em hora feliz, se pôs termo à obrigatoriedade de resposta por parte dos arguidos, sobre os antecedentes criminais, revogando-se nessa altura a triste lei que impunha esse dever.

22.º

Diferente entendimento acerca deste ponto, permitiria o regresso a um quadro que desapareceu do nosso horizonte jurídico e que, além de ser imprudente numa simples análise de política processual-criminal (haja em vista os erros em que os arguidos incorriam dolosa ou inocentemente), esse regime exibia claros sinais de inconstitucionalidade em virtude da coação sentida pelos arguidos.

23.º

Com efeito, nestas circunstâncias eram os arguidos compelidos a esquecer o seu direito ao silêncio, o que eventualmente redundaria em prejuízo da sua defesa, sendo aí manifesta a violação da nossa Lei Fundamental (artigo 32.º, maxime no seu n.º 1).

24.º

Permanecendo a observância do disposto na norma contida no CP artigo 78.º, n.º 1, tal prática resulta na consagração de um regime que, pelos motivos que vêm sendo indicados, viola a CRP nos artigos 20.º, n.º 4 (celeridade), e 32.º, n.º 1 (direito ao silêncio).

25.º

Em suma: não parece concebível que o legislador, agindo numa estrutura como é a do nosso direito penal, tivesse exposto qualquer arguido à possibilidade de ver seriamente ameaçada a sua legítima aspiração à paz jurídico-criminal.

26.º

Realmente, a sentença de cúmulo jurídico, que atingiu o recorrente e que vai pesando na fixação da medida da pena que lhe foi aplicada, não devia existir.

27.º

Se bem virmos, a sentença que procede ao cúmulo jurídico nos termos do CP artigo 78.º, n.º 1, provém de um julgamento realizado a 17DEC14 (P. 508/11.2 JACBR) e que subiu em recurso ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, tendo transitado em julgado à data de 28SET15 (doc. 2, junto a estas alegações).

28.º

Nem na primeira instância nem na Relação, em nenhum destes momentos, se deu pelo concurso de crimes.

29.º

Pergunta-se, então: era o recorrente que tinha obrigação de notificar qualquer uma dessas duas instâncias para o referido concurso?

30.º

O recorrente, além de não querer revelar tal concurso (opção inquestionavelmente legítima), podia nem ter tomado consciência disso.

31.º

E quando via o tempo correr, aproximando-se devagar o ambicionado dia em que a pena...

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