Acórdão nº 175/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução11 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 175/2020

Processo n.º 790/19

1.ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAF de Almada), em processo em que era Reclamante A. e Reclamada a FAZENDA PÚBLICA, julgou, por sentença proferida a 29 de junho de 2018, prescrita a dívida que deu origem ao Processo de Execução Fiscal n.º 2208200801119834, por considerar transponível para o caso dos autos o decidido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, não aplicando, assim, o disposto no artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março. Para o que releva, o TAF de Almada fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

«(…)

Aqui chegados, temos então que o prazo prescricional iniciou, de novo, a sua contagem em 22.01.2009, que corresponde à data do despacho do Chefe de Serviço e Finanças de Palmela que determinou a declaração em falhas do processo de execução fiscal n.º 2208200801119834 [e que se não mais retomar o seu curso se deve considerar verificada a prescrição em 22.01.2017].

Posteriormente, a 18.12.2009, foi proferida sentença de declaração de insolvência do Reclamante, verificando-se o seu encerramento em 16.06.2010 (…).

Ora, dispõe o artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”.

No entanto, a este propósito, como aponta a DMMP, importa considerar o entendimento do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 362/2015. De 9 de Julho de 2015, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do CIRE, quando interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, com os seguintes fundamentos que, para o que ao caso interessa, a seguir se transcrevem:

(…)

E se é certo que tal aresto incide sobre um caso em que foi discutida a situação de dívidas tributárias revertidas contra o devedor subsidiário, certo é também que, de acordo com tal juízo de inconstitucionalidade, o artigo 100.º do CIRE, enferma de inconstitucionalidade, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, por o governo não ter legislado ao abrigo da autorização legislativa e ser inovadora a causa de suspensão ali prevista em matéria das dívidas tributárias.

Assim, perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis para o caso do devedor originário.

O que significa que a declaração de insolvência do Executado não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, pelo que este período que decorreu entre a declaração de insolvência e a declaração judicial do seu encerramento não deve entrar para o cômputo do cálculo do prazo prescricional, verificando-se, antes, que nesta altura o mesmo se encontra a correr ininterruptamente.

(…)»

2. Inconformada, a Fazenda Pública interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), que, por decisão da Secção de Contencioso Tributário de 3 de outubro de 2018, confirmou a decisão do TAF de Almada nos seguintes termos:

«(…)

O juízo formulado pelo Tribunal “a quo” afigura-se-nos correto, embora a última palavra sobre a questão seja necessariamente do Tribunal Constitucional, para o qual será obrigatória a interposição de recurso pelo Ministério Público caso este STA confirme o juízo de inaplicabilidade da norma com fundamento em inconstitucionalidade.

Ora, é para nós pacífico que as causas de suspensão da prescrição das dívidas fiscais são matéria de garantias dos contribuintes, abrangidas no âmbito da reserva de lei parlamentar (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i)), quer as respeitantes aos responsáveis subsidiários, quer as respeitantes aos originários devedores, sendo que umas e outras são, nos termos da lei tributária, as mesmas (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT), daí que o Governo só possa sobre elas legislar munida de válida autorização legislativa para o efeito, que o Acórdão do Tribunal Constitucional já por duas vezes reconheceu inexistir no que às dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no processo tributário respeita (cgr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, de 9/07/2015 e n.º 270/2017, de 31/05/2017).

(…)

Não pode deixar de reconhecer-se, como aliás bem faz o recorrido, que o caso dos autos tem contornos diversos daqueles sobre os quais o Tribunal Constitucional se pronunciou expressamente, pois que em causa estão, não dívidas tributárias imputadas a um responsável subsidiário, mas ao seu originário devedor. E que decorre da fundamentação do referido Acórdão do Tribunal Constitucional que a situação específica do responsável subsidiário foi tida em consideração pelo Tribunal Constitucional, designadamente para rebater os argumentos da anterior jurisprudência do STA no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIR[E] quando interpretada no sentido da sua aplicabilidade ao responsável subsidiário.

Parece-nos, contudo, que não obstante a especificidade da situação dos autos – que a sentença também reconhece -, não merece censura a sentença decorrida que decidiu que perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívida fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário.

Será, pois, de confirmar o julgado recorrido, que nenhuma censura merece, estando o recurso da AT votado ao insucesso».

3. A Fazenda Pública recorreu ainda deste acórdão do STA para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário, por oposição de acórdãos, o qual decidiu findo o recurso, a 5 de junho de 2019, por não se ter verificado um dos pressupostos do recurso por oposição de acórdãos.

4. Por último, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão da Secção de Contencioso Tributário do STA de 3 de outubro de 2018, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 70.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 72.º e com o n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), pugnando pela:

«(…) apreciação da constitucionalidade do art.º 100º do CIRE interpretado no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias relativamente ao responsável originário no âmbito do processo tributário, por referência à conformidade com o artigo 165º n.º 1, alínea i) da CRP, uma vez que no Acórdão de 03 de Outubro de 2018, proferido no âmbito do presente processo, foi recusada a aplicação do artigo 100º do CIRE por violação do artigo 165º n.º 1, alínea i) da CRP».

5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar, tendo apenas a Fazenda Pública apresentado as suas...

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