Acórdão nº 174/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução11 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 174/2020

Processo n.º 564/2018

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1. A., ora recorrente, foi condenado pelo Tribunal da Comarca de Leiria – Instância Central – Secção Criminal, por acórdão proferido em 13 de julho de 2015, por um crime de homicídio qualificado, na pena de 16 anos de prisão.

Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo apresentado o recurso, primeiro por correio eletrónico, em 1 de outubro de 2015, e depois em suporte de papel, em 6 de outubro do mesmo ano. Este recurso foi admitido por despacho de 20 de outubro de 2015 do Tribunal da Comarca de Leiria, onde se fixou a sua subida «de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo».

Subidos os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, este procedeu à notificação do arguido «da eventualidade da ponderação/ajuizamento da invalidade/extemporaneidade dos respetivos recursos» (cfr. fls. 3 dos autos).

O Tribunal da Relação de Coimbra proferiu, então, acórdão em 9 de novembro de 2016 (cfr. fls. 2-73 dos autos), onde concluiu pela rejeição do recurso do recorrente. Como fundamento do decidido quanto a este aspeto, refere-se (cfr. fls. 5-8 dos autos):

«Por efeito da expressa revogação pelo art. 4.º/a) da Lei n.º 41/2013 (de 26/06) do quadro legal em que se fundou o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 3/2014 (de 06/03/2014) do Supremo Tribunal de Justiça, máxime do art. 150.º/1/d/2 do Código de Processo Civil de 1961 (aprovado pelo D.L. n.º 44129, de 28/12), na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27/12 – e, logo, naturalmente, do regulamentar dele dependente, designadamente da Portaria n.º 642/2004, de 16/06 (cfr., por maioria de razão art. 7.º/1/2 do Código Civil) -, automaticamente ultrapassada, prejudicada e caducada ficou também, obviamente, a respetiva disciplina, cuja amplitude, aliás, sempre meramente se circunscreveu/reportou – como não podia deixar de ser, e nele (AUJ n.º 3/2014) foi expressamente consignado – aos contemplados atos (de remessa a juízo de peças processuais através de correio-electrónico) que houvessem sido praticados até ao limite temporal de vigência do citado art. 150.º/1/d)/2 do CPC/1961 (na versão introduzida pelo referido D.L. nº 324/2003), ou seja, até 31/8/2013, véspera da entrada em vigor no ordenamento jurídico nacional de tal norma revogatória, ocorrida em 1 de Setembro de 2013 (cfr. art. 8.º da citada Lei n.º 41/2013, de 26/06).

Consequentemente, inexiste na atualidade – desde tal data de 01/09/2013 –qualquer base legal e, dessarte, jurisprudencial de suporte jurídico do uso do correio eletrónico (email) como meio válido de apresentação a juízo de atos processuais escritos, pelos respetivos sujeitos, no âmbito do processo penal e/ou contraordenacional, bem como, em lógica decorrência, da pressuposta, injustificada (legalmente descabida), irrazoavelmente proveitosa e gratuita afetação e utilização em seu próprio e exclusivo benefício de preciosos, exíguos e dispendiosos recursos humanos e materiais – (…) - necessários à impressão e junção ao pertinente processo do conteúdo do respetivo ficheiro informático, à custa do cronicamente deficitário erário público – procedimentos obviamente escusativos da assimétrica incomodatividade e económica onerosidade inerente à alternativa utilização, em tempo útil, de qualquer dos três (!) meios legalmente estabelecidos/disponibilizados sob o art. 144º/7/8 do Código de Processo Civil: entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo; e/ou envio através de telecópia (…)! -, o que, circunstancialmente multiplicado no plano processual nacional, seguramente representará sério e assaz gravoso desfalque orçamental, premente e exigentemente evitável e, ademais, rigorosamente acautelável por todos os agentes e funcionários estatais/administrativos, sobre quem incumbe o especial dever de racional e sóbria gestão dos meios a utilizar na exclusiva prossecução do interesse público, sob pena de pertinente responsabilização civil, disciplinar e/ou criminal (…), atividade procedimental dessarte incontornavelmente proibida, como legalmente estatuído sob o art. 130º do Código de Processo Civil [subsidiariamente aplicável no âmbito processual criminal, (cfr. art. 4º do Código de Processo Penal)], que, como tal, inexoravelmente condicionará a respetiva ilicitude e óbvia e consequente invalidade absoluta, nulidade, por axiomática postulância – em função de tal caracterizado/inelutável afrontamento legal – da imperativa dimensão normativa emergente da integrada participação dos arts. 280º/1, 294º e 295º do Código Civil.

Por conseguinte, a consequência jurídica do ilícito ato de transmissão por anexo a mensagem de correio-electrónico (email) expedida pelo Exmo. defensor do idº arguido A. no dia 01/10/2015 – muito para além, pois, daquele limite temporal de 31/08/2013, e já no domínio de distinta legislação (com referência à subjacente ao dito AUJ nº 3/2014 do Supremo Tribunal de Justiça), a partir da própria conta (de email) nunomoreira-2339c@adv.oa.pt, (cfr. fls 2008) – de ficheiro de texto (em formato pdf) virtualmente significativo da peça recursiva do referido acórdão, entretanto oficiosa e ilicitamente reproduzido e junto aos autos – pelos Serviços do tribunal recorrido – a fls. 2009/2149, situado, como é bom-de-ver, aquém da própria disciplina da tramitação jurídica do procedimento criminal, haver-se-á, identicamente, e por maioria de razão, que naturalmente aferir pela disciplina geral dos atos jurídicos (quaisquer que sejam) contrários à legalidade expressa/imperativa, e, logo, pelo regime geral estabelecido pela dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos citados arts. 295º e 294º do Código Civil, apodicticamente determinativa da correspondente nulidade, e não já, como nos parece de mediana inteligibilidade – com o devido respeito por diverso entendimento -, pela específica das invalidades dos próprios atos privativos do processo criminal, estabelecida sob os arts. 118º a 123º do C. P. Penal.

2 – Destarte, verificando-se a respectiva invalidade e, doutra sorte, a larga ultrapassagem (em 8 dias!) do termo final do enunciado prazo recursório (28/09/2015) aquando da apresentação em Juízo do original da sua peça recursiva (em 06/10/2015), impor-se-á, outrossim, concluir pela respectiva extemporaneidade e, logo, pela preclusão do seu direito à interposição de recurso do dito acórdão condenatório em 01/10/2015, limite temporal da tolerância legal de realização do acto mediante a observância do referenciado ónus de pagamento de pertinente multa-sanção postulado pela enunciada dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos arts. 107º/5 e 107º-A/c) do CPP, e 139º/6 do CPC.» (sublinhados no original)

2. Ainda inconformado, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), referindo o seguinte:

«A., arguido nos autos acima identificados, tendo sido notificado da douta Decisão Sumária do Venerando Tribunal Constitucional que não deu provimento ao recurso, vem agora, por ser o momento certo, e também por não se conformar com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 09/11/20 16, na parte em que indefere a admissão do recurso interposto, por alegada extemporaneidade do mesmo devido ao facto de ter sido enviado em primeiro lugar por correio eletrónico, e só posteriormente, em cinco dias, ter sido entregue em mão, nos termos dos Art.ºs 69 e seguintes da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, alterada pela Lei 143/85 de 26 de Novembro, Lei 85/89 de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei n.º 13-A/98 de 26 de Fevereiro, interpor recurso deste para o Tribunal Constitucional:

1.- O recurso é interposto de acordo com a alínea b) do n.º 1 do Art.º 70 da Lei do Tribunal Constitucional.

2.- Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma extraída interpretativamente dos Art. ° 150, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do C. P. Civil de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, 27/12, e a Portaria n.º 642/2004, de 16/06 e Portaria n.º 114/2008, de 06/02, e ainda, o Art.º 4° da Lei n.º 41/2013, de 26/06, o Art.º 144, n.ºs 1, 7 e 8 do novo C. P. Civil. e a Portaria n.º 280/2013, de 26/08. no sentido de não ser admissível a utilização de correio eletrónico como meio legal de apresentação em juízo de actos processuais escritos. pelos respectivos sujeitos, no âmbito do processo penal.

3.- Bem como a norma contida nos Art.º 286, 294 e 295 do Código Civil, Art.º 195 do novo C. P. Civil e o Art.º 123 do C. P. Penal, interpretada no sentido de que o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, no âmbito do processo penal, é nulo.

4.- Ambas as normas, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e aos Tribunais, do direito à tutela jurisdicional efetiva, da legalidade, da proporcionalidade ou principio da proibição do excesso e do próprio direito ao recurso,

5.- Princípios esses plasmados nos Art.º 18, 20, 29 e 32 do Constituição da República Portuguesa

6.- As questões das inconstitucionalidades foram invocadas num requerimento em que o arguido se pronunciou sobre a eventualidade do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, interposto do Acórdão proferido em 1.ª Instância, não ser admitido por alegada intempestividade devido ao facto do senhor Juiz Desembargador Relator, como questão prévia e pela primeira vez nos autos, considerar inadmissível a utilização de correio eletrónico como meio legal de apresentação em juízo de actos processuais escritos, pelos respectivos sujeitos. no âmbito do processo penal.

7.- A parte do Acórdão proferido com data de...

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