Acórdão nº 275/20 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, os recorrentes interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão daquele Supremo Tribunal, proferido em 27 de novembro de 2019 (cfr. fls. 5712-5771), que decidiu rejeitar os recursos interpostos pelos ora recorrentes de acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), proferido em 27 de março de 2019 (cfr. fls. 5622-5647), que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando o acórdão então recorrido na parte em que decretou a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos A. e B., determinou como efetivas as penas de prisão que lhes foram aplicadas.

2. Através da Decisão Sumária n.º 148/20 decidiu-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, «não julgar inconstitucional a norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretada no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância; e, em consequência, [n]egar provimento aos presentes recursos de constitucionalidade». Isto, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, n.º 5 e ss.):

«5. Ambos os recursos vêm interpostos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2019 (a fls. 5712-5771).

Com relevância para a situação sub judice, resulta dos autos o que de seguida se enuncia.

a) No dia 10/7/2018, o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juízo Central Criminal de Viseu, Juiz 3, proferiu Acórdão (cfr. fls. 3483-3506), no qual decidiu, entre o mais, condenar o arguido A., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de cinco anos de prisão e, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 53.º e 54.º, do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão ao arguido, pelo mesmo período, acompanhada de submissão a regime de prova; e condenar o arguido B., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 53.º e 54.º, do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão ao arguido, pelo mesmo período, acompanhada de submissão a regime de prova.

b) Deste acórdão de 1ª instância foi interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) quanto à suspensão da execução das penas decretadas aos arguidos acima identificados, ora recorrentes.

c) O TRC proferiu Acórdão em 27/3/2019 (cfr. fls. 5622-5647), nos termos do qual foi decidido conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o acórdão então recorrido na parte em que decretou a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos e determinando como efetivas as penas de prisão que lhes foram aplicadas.

d) Inconformados, os arguidos A. e B. interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) (cfr., respetivamente, fls. 5658-verso a 5668-verso e fls. 5669-verso a 5680-verso).

Em ambos os recursos os recorrentes suscitaram – a título prévio – a questão de inconstitucionalidade da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal interpretada no sentido da irrecorribilidade de acórdãos da Relação que revogam a suspensão da execução da pena de prisão e determinam a efetivação da pena de prisão aos arguidos (cfr. alegações de recurso do recorrente A., fls. 5670-5681, em especial, B):, I) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO, págs. 5-6, correspondentes a fls. 5670-5670-verso e alegações de recurso do recorrente B., fls. 5658-verso- 5668, em especial, «RECORRIBILIDADE DA DECISÃO», págs. 2-9, correspondentes a fls. 5659-5662-verso).

e) Os recursos foram rejeitados pelo STJ, em acórdão proferido em 27/11/2019, ora recorrido, «por inadmissibilidade legal (artigos 432º ex vi do artigo 400º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Penal» (cfr. III.-Decisão, pág. 59, correspondente a fls. 5770 dos presentes autos).

6. Pretende o arguido A., ora recorrente, ver apreciada a questão de inconstitucionalidade da norma contida no «art. 400.° n.° 1 alínea e) do CPP, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao não admitir o recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que condenou o arguido em pena de prisão efetiva, quando tinha sido condenado a uma pena de prisão suspensão na sua execução, em primeira instância» (cfr. supra, I, 2.); no recurso interposto por B. é submetida à fiscalização deste Tribunal a questão da «inconstitucionalidade material da al. e) do n° 1 do art° 400° do CPP, na redação introduzida pela Lei n° 20/2013, interpretada no sentido de que não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da Relação que revoga a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão imposta pela primeira instância, e condena o arguido a uma pena de prisão efetiva não superior a cinco anos» (cfr. supra, I, 3.).

O recorrente A. invoca «ocorrer violação do princípio constitucional da “proibição da indefesa” plasmado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa», alegando, mais à frente, que «tendo havido alteração da condenação do arguido, no sentido de a pena não privativa da liberdade ter sido convertida em pena privativa da liberdade, pelo Tribunal da Relação, deve ser permitido ao arguido exercer o seu contraditório quanto a esses factos. Logo, e de forma a garantir o princípio do contraditório e de defesa do arguido, o recurso apresentado pelo mesmo para o Supremo Tribunal de Justiça, deveria ter sido aceite e apreciado, sob pena de assim ocorrer a violação dos princípios basilares da nossa Constituição, nomeadamente o direito de defesa, previsto no art. 32.° da CRP» (cfr. requerimento de interposição de recurso, supra transcrito em I, 2.); o recorrente B. sustenta o recurso na «violação das garantias de defesa do arguido e do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artº 32º da Lei Fundamental» (cfr. requerimento de interposição de recurso, supra transcrito em I, 3.).

Não obstante as diferentes formulações, os dois recursos de constitucionalidade têm por objeto a norma prevista no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP), interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que revoga a suspensão da execução de uma pena de prisão aplicada em primeira instância, condenando o arguido numa pena de prisão efetiva não superior a cinco anos.

Ambos os recursos são interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, a qual prevê o recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Procede-se, assim, a uma análise conjunta da questão de constitucionalidade colocada nos autos sub judice.

7. Da análise dos presentes autos resulta que se mostram verificados os pressupostos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade interpostos pelos ora recorrentes, ao abrigo da referida norma da LTC. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre na situação dos autos sub judice – depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

8. A questão colocada através dos recursos de constitucionalidade interpostos nos presentes autos consiste em saber se é inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretada no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância.

Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC que, se considerar que a decisão é simples, por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator proferirá decisão sumária.

9. Ora, a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se debruçou, por diversas vezes, sobre a norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, antes e após a redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.

Especificamente quanto à dimensão normativa sindicada nos presentes autos foram formulados sucessivos juízos negativos relativamente à questão de inconstitucionalidade colocada nos respetivos recursos. Com efeito, a questão de inconstitucionalidade agora em apreciação –...

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