Acórdão nº 126/20 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução03 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 126/2020

Processo n.º 183/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 22 de janeiro de 2020, que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal.

2. Por acórdão prolatado em 10 de Junho de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso interposto pela ora reclamante da decisão, proferida em primeira instância, que rejeitara o requerimento de abertura de instrução que havia apresentado.

Inconformada, a ora reclamante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido por despacho proferido, pelo Juiz Desembargador Relator, em 30 de setembro de 2019, com fundamento na irrecorribilidade da decisão, decorrente do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal (doravante, «CPP»).

Apresentada reclamação, ao abrigo do artigo 405.º do CPP, foi a mesma indeferida por decisão proferida pela Vice-Presidente daquele Supremo Tribunal.

3. A ora reclamante interpôs, então, recurso para este Tribunal, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cujo requerimento tem o seguinte teor:

«A., Recorrente nos Autos à margem referenciados, tendo sido notificada da Decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/11/2019, cuja notificação foi elaborada em 25/11/2019, com a referência 8959318, vem nos termos das alíneas b) do n.º 1, do artigo 70.º, dos números 1 e 2, do artigo 71.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 72.º, todos da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, apresentar:

RECURSO

Nos termos e com os seguintes fundamentos:

[…]

III) Conclusões:

I) A Recorrente exerce, a título profissional, a atividade de mediação imobiliária, a B., C.R.L., atualmente Fundação C., um contrato de mediação imobiliária, tendo no âmbito dessa relação profissional celebrado diversos contratos de compra e venda de imóveis, no valor de vários milhões de Euros. O incumprimento contratual da parte dos Arguidos, levou a Recorrente a uma situação grave de indigência, que obrigou a Recorrente a avançar com uma Ação de Declarativa de Condenação contra aquela Cooperativa, tendo esta sido condenada ao pagamento de 99.510,18 (noventa e nove mil, quinhentos e dez euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros calculados à taxa aplicável aos juros comerciais, vencidos e vincendos desde o dia 25 de fevereiro de 2002 até ao efetivo e integral pagamento. A Recorrente nunca pagou aquele valor, o obrigou a Recorrente a avanção para um processo executivo, no valor de € 177.270,68 (cento e setenta e sete mil duzentos e setenta euros e sessenta e oito cêntimos);

II) No âmbito daquele processo, a Recorrente requereu a Penhora de bens da Universidade D., propriedade da Fundação C., Universidade aberta ao público, tendo a Recorrente ali entrado, sem que fosse arrombada qualquer porta, junto com forças de segurança e agente de Execução e ali permaneceu até ao final da diligência. Não obstante a legitimidade reconhecida por despacho, os Arguidos apresentaram queixa crime contra a Recorrente, pela prática dos crimes de introdução em local vedado ao público e invasão de domicílio. Arquivado em fase de inquérito, foi aberta a instrução, sem que o requerimento apresentado pelos Arguidos respeitasse os requisitos mínimos para abertura daquela fase processual. Como consequência, foi proferido despacho de pronúncia, tendo a Recorrente sido sujeita a um processo crime humilhante, sujeita a cinco sessões de julgamento;

III) Consequentemente, a Recorrente apresentou queixa crime contra os Arguidos, pela prática dos crimes de Falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º do CP; Denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º do CP. O processo foi arquivado após a fase de inquérito, sem que alguma vez se tenham debruçado sobre o verdadeiro objeto do processo, se a Recorrente praticou ou não o crime pelo qual os Arguidos deduziram queixa-crime, ou seja, se a Recorrente se introduziu ou não, em local vedado ao público, conforme os Arguidos disseram;

IV)A Recorrente requereu a abertura de instrução pela prática daqueles crimes, falsidade de testemunho, p. e p. artigo 360.º do CP, tendo a Recorrente prestado todos os esclarecimentos e prestado todas as probas de que os Arguidos, assumindo a qualidade de testemunha, prestaram declarações acerca de factos, dos quais, teve conhecimento direto, sendo tais declarações falsas e que o fez de forma claramente dolosa. Contradição que resulta de todos os documentos, testemunhas, bem como, todos os factos que não careciam de prova. Bem como, pelo crime de denúncia caluniosa, contra a Assistente, pelos crimes de violação de domicílio ou perturbação da vida privada e de Introdução em lugar vedado ao público, previstos nos artigos 190.º e 191.º do Código Penal, previsto no número 1 do artigo 365.º do C.P., facto que resultava inequivocamente dos factos alegados, sendo obviamente conhecidos pelos Arguidos, uma vez que a legitimidade de atuação da Recorrente estava inequivocamente demonstrada nos Autos;

V) A questão a decidir pelo Ministério Público era simples, ou a Assistente entrou ou permaneceu, sem consentimento ou autorização de quem de direito, num dos espaços diversificados, indicados no art.º 191° do CP, ou não o fez, não obstante, durante todo o inquérito, o Ministério Público parece ter-se preocupado com o acessório, não tendo procedido à devida análise dos documentos juntos aos Autos, designadamente de tudo o que passou no supramencionado processo executivo, bem como, as denuncias nos processos que correram os seus termos sob os números 2480/11.0TSLSB, 122/13.8SFLSB, 1459/13.11V1SB, 94/14.1TVLSB, 5777/13.0TDL e 5777/13.0TVLSB. Igualmente o Tribunal de Instrução Criminal se preocupou apenas com o acessório e não com a questão central do processo, vindo admitindo a abertura de instrução apenas contra o Arguido E., tendo o debate instrutório se centrado, mais uma vez, em questões meramente acessórias, sem que existisse qualquer discussão sobre a questão central do processo! A Recorrente recorreu para a Relação, vindo esta a manter a decisão da primeira instância de rejeição do requerimento de abertura de instrução nos exatos termos;

VI)No processo movido contra a Recorrente, arquivado em fase de inquérito, foi proferida decisão instrutória de pronuncia, embora a abertura de instrução tenha sido requerida sem que surgissem novos elementos de prova e sem que o Requerimento cumprisse os requisitos legalmente exigidos. Não obstante a sua nulidade, o Requerimento mereceu acolhimento e teve lugar a fase de Instrução, tendo a Recorrente sido constituída Arguida, com TIR e indiciada pela prática dos crimes de introdução em local vedado ao público e violação de domicílio e, após cinco audiências de julgamento, foi verificada a inexistência do crime imputado. No caso dos autos, não obstante todas as provas produzidas em sede de inquérito indicarem, sem margem para duvidas, a prática dos crimes pelos Arguidos, foi proferido despacho de arquivamento, logo a Assistente requereu a abertura de instrução, concluindo esta estarem em causa os seguintes crimes praticados 365.º do CP, invocando os elementos probatórios que não foram tidos em conta e que deveriam tê-lo sido requerendo que em fase de instrução fossem analisados, não obstante, apenas foi admitida a abertura de instrução em relação ao Arguido E. pelo crime de falsidade de testemunho, artigo 360ºCP, e que também veio a ser objeto de arquivamento;

VII) Em sede de Recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, entendeu que não estavam preenchidos os requisitos legais do Requerimento de Abertura de Instrução da parte da Assistente, relativamente à prática do crime de Falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º do CP pelo Arguido E.. Mais uma vez a Recorrente não se conforma com esta decisão, uma vez que, na realidade, aquela narrou os factos, enunciou minuciosamente os crimes imputados, identificou os autores dos mesmos e apresentou as razões de discordância com a decisão proferida. A decisão de abertura de instrução, dera por verificada a admissibilidade legal do Requerimento de abertura de instrução por preencher os requisitos exigidos, não existindo, portanto, qualquer nulidade. Se foi verificada a sua admissibilidade legal, não pode o Tribunal a quo vir alegar a inadmissibilidade porquanto no RAI apresentado pela agora Recorrente encontravam-se preenchidos todos os requisitos para a sua admissibilidade, conforme o próprio Tribunal, na sua decisão instrutória o verificou. Pelo que dúvidas não subsistem que o Tribunal usou de dois pesos e duas medidas!

VIII) A rejeição do Requerimento de abertura de Instrução restringiu de forma inaceitável o direito de acesso à Justiça da ofendida e violou de forma frontal o direito ao processo justo e equitativo por um tribunal imparcial através de numa decisão injusta que julgou contra o Direito. O n.º 2 do art.º 287.º do CPP revela a intenção do legislador de restringir o mais possível os casos de rejeição do requerimento da instrução. O que, aliás resulta diretamente da finalidade assinalada à instrução pelo n.º 1 do art.º 286.º: do CPP obter o controlo judicial da opção do MP. Densificando o conceito de inadmissibilidade legal, o STJ tem vindo a entender que a instrução é legalmente admissível nos casos em que da simples análise do requerimento para a abertura de instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, resultar que os factos narrados pelo assistente podem levar à aplicação de uma pena ao arguido.

IX) Pelo que, somente a omissão ou imperfeição da factualidade contida no...

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