Acórdão nº 133/20 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução03 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 133/2020

Processo n.º 778/19

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 3, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., Lda., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC») da decisão proferida por aquele Tribunal em 25 de junho de 2019 (a fls. 79-88), na qual se decidiu recusar a aplicação da «norma constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro (na redação conferida pelo artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17/02), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a) do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 -, quando interpretada no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para a única morada conhecida, apurada nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 4 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa».

2. O requerimento de interposição do recurso, na parte que releva para a apreciação da questão, tem o seguinte teor (cf. fls. 98-99):

«O Magistrado do Ministério Público, neste Juízo de Execução de Lisboa, vem interpor recurso da sentença dos embargos de executado à margem referenciados, o que faz por dever de ofício e por ter legitimidade, ao abrigo do disposto nos artigos 280.°, n.°s 1, alínea a), 3 e 6 da Constituição da República Portuguesa, 72.°, n.° 1, al. a) e n.° 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

O recurso é tempestivo e admissível, sendo à sua tramitação subsidiariamente aplicáveis as normas do recurso de apelação - arts. 69.°, 70.°, n.° 1, al. a), 71.°, 72.°, n.° 1, al. a) e 75.°, n.° 1, todos da Lei n.° 1/2011, de 30/11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, na sua versão mais recente: Lei n.° 28/82, de 15.11).

A douta sentença referida recusou a aplicação "(...) da norma constante dos n.°s 3 e 4 do artigo 12.° do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro (na redacção conferida pelo artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 32/2003, de 17/02), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000 - na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.°, alínea a) do referido Decreto-Lei n.° 32/2003 -,quando interpretada no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.° 1 do artigo 12.°), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respectivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para a única morada conhecida, apurada nas bases de dados previstas no n.° 3 do artigo 12. ° em conformidade com o previsto no n.° 4 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.°, n.°s 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.°,n.° 2 da Constituição da República Portuguesa”.

Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade de tal norma.».

3. O recurso foi admitido por despacho do Tribunal a quo, de 11 de julho de 2019 (cf. fls. 100).

4. Neste Tribunal, o Relator notificou as partes para alegar, mediante despacho com o seguinte teor (cf. fl. 108):

«Notifiquem-se as partes para, querendo, alegar no prazo de 30 dias, nos termos dos artigos 79.º LTC.».

5. O recorrente Ministério Público apresentou alegações nos termos seguintes termos (cfr. fls. 110-133):

«I. Da oposição à execução por embargos de executado deduzida nos presentes autos e da decisão judicial que sobre ela recaiu

Nos presentes autos, A., Limitada, veio deduzir (cfr. fls. 1-12 dos autos), em 20 de Março de 2015, junto do Instância Central – 1ª Secção de Execução – J3, da Comarca de Lisboa, oposição à execução por embargos de executado, relativamente à execução que lhe foi movida por B., S.A. (cfr. fls. 105-107 dos autos).

O valor da acção é de € 1 162,77.

Invocou para o efeito, designadamente (cfr. fls. 6-7 dos autos):

11º - Por outro lado, no requerimento de injunção, apresentado como título executivo, resulta que não foi convencionado domicílio;

12º - Pelo que, não existindo tal convenção, a notificação deveria ter sido efectuada por carta registada com aviso de recepção, nos termos do art. 12º, nº 1;

13º - Prescrevendo o nº 2 do citado artigo que: “À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231º e 232º, nos nºs 2 a 5 do artigo 236º e no artigo 237º do Código de Processo Civil.

14º - Também resulta dos nºs 3 e 4 do referido art. 12º que, perante uma carta registada com AR devolvida e uma posterior pesquisa nas bases de dados, se desta pesquisa nenhuma nova morada se obtiver e houver antes coincidências com a morada inicial para onde foi a carta que veio devolvida, manda a lei que se remeta uma carta “por via postal simples”, com prova de depósito, para essa única morada – cfr. nº 3 do art. 12º-A;

15º - E, da conjugação dos nºs 3 e 5 do art. 12º decorre que, perante uma carta registada com AR devolvida e uma posterior pesquisa nas bases de dados, que forneça uma ou mais moradas diversa daquela para onde foi enviada a carta registada devolvida, deve enviar-se cartas “por via postal simples” para estas novas moradas resultantes da base de dados e para a morada inicial para onde foi enviada a carta registada devolvida.

16º - Sucede que, in casu, a requerida não tomou, por qualquer forma, mormente, por carta registada com AR ou por carta simples, conhecimento de que tinha sido proposta contra ela a injunção que ora serve de título executivo;

17º - Daí não ter tido, como devia, oportunidade para se defender ou deduzir oposição, de molde a evitar que se fosse agora surpreendida por uma “decisão” não esperada.

18º - Pelo que, não tendo sido dado correcto e integral cumprimento ao disposto no art. 12º em causa, ocorreu a preterição de uma formalidade essencial na realização da notificação à requerida – que corresponde a uma citação, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 201º, nº 1, 195º, nº 1, al. a) e 194º, nº 1 al. a) todos do antigo CPC;

19º - O que acarreta a nulidade da “fórmula executória”, ao abrigo do art. 201º, nº 2 do mesmo diploma legal;

20º - Devendo, ser anulado todo o processado posterior ao requerimento de injunção e, consequentemente, ser o presente título declarado inválido e, como tal, inexequível.

Invocou, ainda, a executada/embargante, um pouco mais adiante (cfr. fls. 9-11 dos autos):

24º - In casu, atento o requerimento de injunção junto como título executivo, constatamos que, a requerente reclama o pagamento de pretensos serviços prestados à requerida de 06-11-2009 a 06-12-2010, referente a um contrato de “fornecimento de bens e serviços”;

25º - Sendo que, na exposição dos factos que fundamentam tal pretensão, refere; “Cobrança dos serviços/Produtos pela(s) FT nº 12946, de 22-07-2009 no valor de € 479,88 ref. ao contrato nº 152123109, FT 12947, de 22-07-2009 no valor de € 329,90, ref. ao contrato nº 261755809”.

26º - Sucede que, a alusão à natureza do contrato – fornecimento de bens ou serviços -, não se revela suficiente, por se tratar de mera qualificação jurídica, sem individualização do negócio concreto;

27º - Sendo certo que, a simples referência a umas facturas, sem identificar o contrato, limitando-se a dizer que prestou serviços à requerida encontrando-se em dívida o respectivo preço, sem que se saiba que serviços, em concreto, foram prestados, quantas vezes e quais os seus valores e qual o objecto do contrato;

28º - Não é, manifestamente, suficiente para individualizar o negócio que constitui a casa de pedir, e o certo é que não é possível suprir tal lacuna com outros elementos que, desde logo, não constam igualmente dos autos.

29º - Pelo exposto, resulta óbvio que no requerimento de injunção apresentado como título executivo há uma total ausência da indicação da respectiva causa de pedir, sendo que, a mera e singela indicação da celebração de um contrato de “fornecimento de bens ou serviços” se apresenta como inócua para dar como verificado, ainda que de forma insuficiente, àquele pressuposto processual:

30º - Donde, a causa de pedir ser inepta – artigo 193º, nº 2 alínea a) – o que acarreta uma nulidade absoluta que afecta todo o processo – artigo 193º, nº 1 do CPC – consubstanciando, simultaneamente, uma excepção dilatória nominada, artigos 493º, nº 2 e 494º, nº 1, alínea b) – que obsta ao conhecimento do mérito da causa...

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