Acórdão nº 148/20 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução04 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 148/2020

Processo n.º 106/19

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1. Nestes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, A., S.A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), da sentença proferida naquele tribunal, em 12 de novembro de 2018, que, julgando improcedente a oposição judicial por si deduzida no âmbito de processo de execução fiscal, relativo à liquidação da taxa de publicidade e/ou ocupação da via pública emitida pela Câmara Municipal de Gondomar, absolveu a referida Câmara do pedido.

2. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente delimitou o objeto respetivo, nos seguintes termos:

«(…) O presente recurso para o Tribunal Constitucional tem por objeto a questão da inconstitucionalidade orgânica da norma do n.º 4 do Regulamento de Taxas e Licenças do Município de Gondomar, publicado no D.R. II Série, n.º 244, de 18.12.2008 e art. 50.º a 71.º da Tabela de Taxas Municipais, anexa ao referido Regulamento, por violação dos art. 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, al. i) CRP, por se tratar de um imposto e não de uma taxa.»

3. Notificada para apresentar alegações, a recorrente concluiu-as, nos termos seguintes:

«A. O presente recurso tem por objeto a declaração de inconstitucionalidade orgânica da norma consagrada no artigo 4.º do Regulamento de Taxas e Licenças do Município de Gondomar, publicado no D.R., II Série, n.º 244, de 18.12.2008 e art.º 50.º a 71.º da Tabela de Taxas Municipais, anexa ao referido Regulamento, por violação dos art. 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, al. i) CRP, por se tratar de um imposto e não de uma taxa.

B. In casu, está em discussão uma pretensa "taxa" que resulta de uma suposta publicidade, que se encontra instalada em propriedade privada, e cuja constitucionalidade resultaria apenas de uma sua suposta projeção visual sobre o espaço municipal, acompanhada de uma presumida fiscalização municipal. 

C. A fundamentação que tem sido mobilizada para justificar a bilateralidade das taxas no âmbito de mensagem de publicidade, em propriedade privada, tem como corolário o Acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional n.º 177/2010, de 05.05.2010, Proc. n.º 742/09, que constitui, também, um marco geodésico nesta matéria!

D. O Acórdão n.º 177/2010 tem como pressuposto da bilateralidade das taxas de publicidade, quando instaladas em propriedade privada, a suscetibilidade de causar efeitos intrusivos sobre o ambiente da vida comunitária.

E. Todavia, nos termos do Acórdão n.º 848/2017 este Venerando Tribunal Constitucional, negou a existência de uma taxa na medida em que "O espectro dos supostos beneficiários é demasiado alargado, a invocada presunção não tem contornos definidos e, nessa medida, não pode afastar-se com segurança o seu caráter arbitrário, dado que a relação entre prestações é vaga e indireta, ao ponto de quebrar os nexos essenciais ao estabelecimento das correlações presumidas”.

F. Os elementos afixados pela Recorrente no posto de abastecimento de combustíveis, não integram, quer pela sua natureza, quer pela finalidade desses elementos, o conceito legal de publicidade definido no artigo 3.º, nem o conceito de atividade publicitária definida no artigo 4.º, ambos do Decreto-Lei n.º 330/90, de 23/10 (Código da Publicidade).

G. Deste modo, não se poderão interpretar estes elementos como elementos publicitários por não se subsumirem ao conceito legal de publicidade, para efeitos de aplicação das taxas em apreço.

H. A afixação dos preços nos postos de abastecimento é uma obrigação legal das empresas petrolíferas que operam no mercado nacional, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 170/2005, de 10 de outubro (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 120/2008, de 10 de julho) - diploma que disciplina especialmente estas obrigações na atividade de comércio de combustíveis, em obediência às regras e princípios decorrentes do direito da concorrência, como se refere na sua nota preambular.

I. Ora, da análise deste diploma e dos artigos citados, resulta que para o legislador as menções obrigatórias a constar dos painéis colocados à entrada dos postos de abastecimento, como sendo a indicação do nome da empresa comercializadora ou o seu logótipo, o nome/marca dos combustíveis e o respetivo preço não constituem publicidade!

J. Neste sentido, outra conclusão não é possível de alcançar se não a de que o tributo criado pela Recorrida no artigo 4° do Regulamento de Taxas e Licenças do Município de Gondomar, publicado no D.R., II Série, n.º 244, de 18.12.2008 e art.º 50.º a 71.° da Tabela de Taxas Municipais, anexa ao referido Regulamento, revestem a natureza de um verdadeiro imposto, quando interpretada no sentido de incidir sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada, e, como tal, essas normas, assim interpretadas, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

K. A interpretação dada pelo Tribunal a quo à norma ora em crise tem como pressuposto a fundamentação decorrente do Acórdão n.º 177/2010, de 05.05.2010, Proc. n.º 742/09, proferido por este Venerando Tribunal Constitucional.

L. Considera-se, no Acórdão n.º 177/2010, que existe um dever de fiscalização por parte da entidade com competência para autorizar mensagens publicitárias.

M. Todavia, se a teleologia decorrente da configuração das taxas de publicidade, quando instaladas em propriedade privada, tem como como pressuposto, a "agressividade da comunicação" ou "efeitos intrusivos no ambiente de vida comunitária", a conclusão a que se pode chegar é uma: orientação de comportamentos!

N. A ser esse o argumento para qualificar o tributo ora em questão como taxa, então entramos no domínio da extrafiscalidade, sendo entendimento deste Venerando Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão n.º 33/2018, que "um tributo cuja finalidade exclusiva é a de orientar comportamentos não é, por definição, um tributo comutativo, visto que não é cobrado como contrapartida de uma prestação administrativa aproveitada ou provocada pelo sujeito passivo”.

O. Na medida em que a Recorrente previu a criação de um imposto deparamo-nos sob a presença de uma matéria sob reserva de Lei da Assembleia da República ou de Decreto-Lei emitido pelo Governo a coberto de autorização legislativa da Assembleia da República (v. arts. 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP).

P. No caso em apreço, manifestamente não existe fiscalização realizada pelo Recorrido, uma vez que a referida fiscalização apenas é efetuada quando é requerida uma licença para a publicidade. 

Q. Uma vez atribuída a licença que permita a instalação painéis de publicidade, não se vislumbra a que título é que se pode cobrar um tributo, nos termos em que foi criado pelo Recorrido, com a natureza de "taxa".

R. Na verdade, a renovação das licenças para fixar painéis de publicidade, não sendo alterado o seu conteúdo, não determinam qualquer dever de fiscalização por parte da entidade emissora. Com efeito, o facto tributário gerador de tal fiscalização, nos casos em que não se alteram as mensagens a publicitar, não pode ser replicado ipsis verbis nas renovações das licenças, sob pena de existir uma dupla tributação.

S. Admitir-se a criação de uma taxa nestes contornos, é admitir-se a desagregação do dever de fiscalização que incide sobre o conteúdo de uma mensagem publicitária.

T. Desagregação que este Venerando Tribunal Constitucional considerou orgânica e materialmente inconstitucional no Acórdão n.º 33/2018, no âmbito do dever de fiscalização municipal de unidades de abastecimento de combustíveis.

U. Sendo a mensagem publicitária a mesma que foi requerida, e não sendo alterados os pressupostos subjacentes ao primeiro juízo que permitiu atribuir a licença com a mensagem requerida, não se pode aplicar o mesmo raciocínio para os casos em que se pretende as suas renovações, nos termos em que foi criado pelo Recorrido o tributo sub judice

V. Este suposto dever de fiscalização levado a cabo pelo Recorrido decorre de uma mera ficção quando aplicado para as renovações desde logo, porque não se verifica a bilateralidade necessária para a qualificação de um tributo como taxa, nos termos do disposto no art. 4.º/2 da LGT, que as caracteriza pela sua bilateralidade e caráter sinalagmático, assente na equivalência entre o serviço concreto prestado ao sujeito passivo das taxas e o custo suportado pela entidade pública que prestou tal serviço.

W. O fundamento jurídico...

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