Acórdão nº 227/20 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução22 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 227/2020

Ata

Aos 22 dias do mês de abril de 2020, os três juízes integrantes desta formação de conferência da 1.ª secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers e integrada pelo Conselheiro José António Teles Pereira (relator) e pela Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros (adjunta), reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 111/2020, previamente distribuído pelo relator, decidindo a reclamação para a conferência apresentada nos presentes autos pelo Recorrente A. (artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril).

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO N.º 227/2020

Processo n.º 111/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente), intentou contra o B. uma ação administrativa comum, peticionando a condenação desta Entidade na liquidação e pagamento de todas as diferenças salariais e retributivas decorrentes da aplicação do escalão de vencimento do docente substituído pelo Autor na lecionação das disciplinas de Economia do 1.º ano do Curso Profissional de Técnico de Comércio da Escola Secundária de .., B., no ano letivo de 2009-2010, até à data da resolução do contrato, bem como no pagamento do montante da indemnização em virtude da resolução contratual, tudo acrescido de juros contados desde a data da citação até integral pagamento. O processo correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga com o número 2102/10.6 BEBRG.

1.1. Culminou tal processo, em primeira instância, na prolação de sentença, datada de 29/04/2019, no sentido da improcedência da ação.

1.1.1. Desta decisão recorreu o Demandante para o Tribunal Central Administrativo Norte. Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

5. [Ao julgar a causa sem ter ordenado a realização da audiência final, o] Tribunal da causa violou, por conseguinte, o comando inequívoco do artigo 91.º do CPTA, cujo n.º 1 estabelece que há lugar à realização de audiência final «quando haja prestação de depoimentos de parte, inquirição de testemunhas ou prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos», consumando assim uma negligência judicial que, no plano jurídico-legal, releva da aplicação da norma citada segundo uma dimensão hermenêutica inconstitucional, porquanto ofensiva do princípio fundamental do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, o qual integra o direito a um julgamento público, estatuído no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

6. A preterição da audiência de julgamento — ato omissivo flagrante coenvolvendo a preterição do direito de cada parte a proferir as competentes alegações orais, preceituado no n.º 3, al. e), do artigo do CPTA citado — constitui, consequentemente, por força do artigo 3.º, n.º 3, também da Constituição, um ato estadual inválido, cuja invalidade — nulidade ipso jure — de imediato se repercute, nos termos do artigo 195.º, n.º 2, do CPC, no primeiro ato que daquele depende absolutamente: a Sentença recorrida, quod erat demonstrandum, é írrita e nula, como tal tendo de ser declarada pelo Alto Tribunal ad quem.

[…]

17. O princípio de que para trabalho igual salário igual estatuído no artigo 214.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 58/2008 reveste, consabidamente, dignidade supralegal, maxime, constitucional, encontrando-se consagrado, atualmente, no artigo 59.º, al. a) do n.º 1, da Constituição. O Acórdão n.º 318/89 do Tribunal Constitucional, citado na Sentença sub judicio, analisa pioneiramente esse preceito respeitante aos direitos dos trabalhadores (então ínsito no artigo 60.º da Lei Magna), tornando claro que quando ordena que a trabalho igual deve corresponder salário igual é trabalho igual em quantidade, em natureza e em qualidade que tal princípio estatui. Importa agora aqui sobremodo, por conseguinte, apreciar sucessivamente esses três vetores da retribuição justa em termos comparativos.

[…]

20. A questão, todo o presente litígio, concerne unicamente, portanto, à qualidade do trabalho contratado. O Tribunal a quo, na esteira do Estado demandado, considera que o serviço letivo que eu podia prestar e prestei era de qualidade inferior ao serviço letivo que o professor que eu substituí devia ter prestado mas não prestou, excluindo assim, in casu, qualquer prática discriminatória do Réu no quadro do artigo 13.º da Constituição, que, consagrando o princípio fundamental da igualdade, exige se trate «por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual». Mas é essa uma construção discursiva totalmente destituída de fundamento fáctico-jurídico, como resulta bem claro da análise exaustiva dos argumentos nesse sentido errado expendidos no aresto sob impugnação.

[…]

28. Visto tudo quanto antecede, torna-se por demais evidente que a Sentença recorrida releva, fundamentalmente, da aplicação do princípio geral de que «para trabalho igual salário igual» inscrito no artigo 214.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e rececionado no n.º 1 da cláusula quinta do contrato em litígio segundo uma dimensão hermenêutica, simul, ilegal e inconstitucional:

a) Ilegal, porque viola o artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos e Sociais — tratado-lei em vigor na ordem interna que, nos termos conjugados dos artigos 112.º, n.º 3, in fine, e 8.º, n.os 2 e 3, da Constituição, é lei de valor reforçado —, que consagra o direito de todos os trabalhadores a «[u]m salário equitativo e uma remuneração igual para um trabalho de valor igual, sem nenhuma distinção»;

b) Inconstitucional, porque viola o artigo 59.º da Constituição, que consagra o direito de todos os trabalhadores «[à] retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual».

[…]

Conclusão. O pedido.

[…]

vi) A Sentença recorrida interpreta e aplica a norma do artigo 214.º do Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas aprovado pela Lei n.º 59/2008 segundo uma dimensão material duplamente inválida: ilegal e inconstitucional. Com efeito,

vii) tal norma viola o artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos e Sociai, que é lei de valor reforçado, e, mormente, viola o artigo 59.º da Constituição.

[…]”.

1.1.2. Por acórdão de 20/12/2019, o Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento ao recurso. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[O] Recorrente não ataca os seguintes factos: não é docente profissionalizado, não está integrado na carreira docente, não tem estágio pedagógico, factos dados como assentes, também, nos itens J); K) e L), pelo que, com base nestes factos importa determinar se a remuneração prevista no acordo escrito celebrado entre o Agrupamento de Escolas [...] e o Recorrente correspondeu à legalmente prevista.

Prevê-se no referido acordo escrito que a remuneração fixada foi de €833,30, correspondente ao índice 126, proporcional às horas contratadas.

De acordo o artigo 1.º da Portaria n.º 1046/2004, de 16 de agosto, ‘o exercício transitório de funções docentes pode ser assegurado por indivíduos que preencham os requisitos de admissão a concurso de provimento, em regime de contrato administrativo de serviço docente, tendo em vista a satisfação de necessidades do sistema educativo não colmatadas pelo pessoal dos quadros ou resultantes de ausências temporárias de docentes’.

De acordo com o anexo II da Portaria n.º 1046/2004, de 16 de agosto, um docente licenciado – como é o caso do Recorrente – mas não profissionalizado – deve ser remunerado pelo índice 126, índice pelo qual, conforme se referiu, o ora Recorrente foi remunerado por força do acordo escrito supra referido, pelo que é de concluir que o índice remuneratório foi corretamente fixado.

O A. coloca o cerne da presente ação, logo, igualmente, no presente recurso, na violação do princípio salário igual para trabalho, peticionando o pagamento das diferenças salariais existentes entre o salário que auferiu por força do referido acordo escrito e o salário que auferia o professor substituído, invocando superiores habilitações académicas e profissionais para lecionar no grupo de recrutamento 430 – Economia e Contabilidade – argumentos que são irrelevantes para a pretensão que formulou nos autos.

Com efeito, o que está em causa não é determinar o valor da remuneração auferida pelo professor substituído pelo Recorrente, para daí determinar, existindo alguma diferença, que o A. teria razão na pretensão formulada, mas sim avaliar se o índice pelo qual o Recorrente foi pago foi o correto, o que sucedeu, pelo que não há que convocar qualquer violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de salário igual para trabalho igual, dado estar em causa a remuneração de um professor contratado para substituir outro docente, docente aquele – no caso o Recorrente – que sendo detentor de licenciatura não é profissionalizado, não violando assim a sentença recorrida nem o artigo 59.º, nem o artigo 7.º do Pacto Internacional sobre...

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