Acórdão nº 116/20 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 116/2020

Processo n.º 1069/18

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A. e B., estes apresentaram reclamação da conta de custas elaborada na ação declarativa contra si instaurada por C. e D..

Tendo tal reclamação sido indeferida em 1.ª instância, os ora recorridos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 5 de junho de 2018, decidiu (cf. fls. 56-57):

«– recusar, nos termos do art.º 204º da Constituição, a aplicação da norma constante do nº 9 do art.º 14º do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora é responsável a final pela sua quota-parte do remanescente da taxa de justiça, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art.º 20º da Constituição;

– recusar, nos termos do art.º 204º da Constituição, a aplicação da norma constante dos artigos 529º, nº 4, do Código de Processo Civil e 25º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora deve elaborar e enviar uma nota discriminativa e justificativa das custas de partes no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado sob pena de caducidade do direito de liquidação, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art.º 20º da Constituição;

– consequentemente, e na procedência da apelação:

i. declarar que os Réus se encontram em tempo de proceder à liquidação e interpelação para pagamento das custas de parte:

ii. ordenar a reforma da conta de acordo com os seguintes critérios:

a) realização de prévio e oficioso juízo de proporcionalidade do montante da taxa de justiça resultante da aplicação das tabelas e, se for o caso, fixação do adequado montante da taxa de justiça remanescente;

b) repartição da responsabilidade pelo eventual remanescente da taxa de justiça segundo o decaimento, nos termos acima referidos;

c) consideração de todos os procedimentos ocorridos no processo.».

2. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade deste acórdão, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de maio, “LTC”), na parte em que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (cf. fls. 61) e bem como das normas dos artigos 529.º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (cf. fls. 66).

3. Por despacho do relator foi determinada a produção de alegações, tendo-se advertido as partes para a eventualidade de a inconstitucionalidade da norma resultante da interpretação dos artigos 529.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, e 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais não vir a ser apreciada, em virtude de a recusa de aplicação de tal norma não ter sido necessária para determinar a decisão recorrida – tratando-se, portanto, de uma falsa recusa que, como tal, não integra a ratio decidendi do acórdão recorrido (cf. fls. 71).

3.1. O Ministério Público apresentou alegações e, a final, concluiu o seguinte (cf. fls. 97):

«1. A exigibilidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça a um réu que foi absolvido da instância tendo sido julgada parcialmente procedente a reconvenção por si deduzia, decorrente do n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, não comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), em conjugação com o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional.

2. Neste contexto, a norma que, numa formulação genérica e com fundamento em inconstitucionalidade, foi recusada pela decisão recorrida, também não seria inconstitucional.

3. Termos em que deve ser concedido provimento o recurso.»

3.2. Os recorridos não contra-alegaram.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Do conhecimento e delimitação do objeto do recurso

4. O acórdão recorrido, conforme resulta do respetivo dispositivo, decidiu recusar a aplicação das seguintes normas, com fundamento em inconstitucionalidade:

i) a norma constante do nº 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora é responsável a final pela sua quota-parte do remanescente da taxa de justiça, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição;

ii) a norma constante dos artigos 529.°, n.º 4, do Código de Processo Civil e 25.°, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora deve elaborar e enviar uma nota discriminativa e justificativa das custas de partes no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado sob pena de caducidade do direito de liquidação, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.° da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.° da Constituição.

Conforme mencionado, as partes foram notificadas para alegar tendo sido alertadas para a possibilidade de a questão da inconstitucionalidade da norma resultante da interpretação dos artigos 529.º, n.º 4, do CPC e 25.º, n.º 1, do RCP, não vir a ser apreciada, por a recusa de aplicação de tal norma não ter sido necessária para determinar a decisão recorrida – tratando-se, portanto, de uma falsa recusa que, como tal, não integra a ratio decidendi do acórdão recorrido.

O Ministério Público, nas suas alegações, tendo manifestado a sua concordância quanto à circunstância de, quanto a esta norma, se tratar de uma falsa recusa de aplicação, pronunciou-se sobre o mérito do recurso apenas no que respeita à primeira questão de constitucionalidade, reportada ao artigo 14.º, n.º 9, do RCP.

Cumpre apreciar.

5. Para melhor enquadrar os problemas de constitucionalidade objeto do presente recurso e, desde logo, para decidir do conhecimento do respetivo mérito no que respeita a esta segunda questão, importa, antes de mais, ter em consideração alguns aspetos relevantes do processado perante as instâncias.

No caso dos autos, conforme relatado no acórdão recorrido, foi instaurada ação declarativa contra os ora recorridos, em que os autores pediam que fosse declarada a anulabilidade de contrato promessa de compra e venda de imóvel que com eles haviam celebrado e a condenação dos réus a pagarem-lhes a quantia de €58.600,00, acrescidos de juros desde a citação.

Os réus apresentaram contestação, na qual, além do mais, deduziram reconvenção contra os autores, pedindo que se decretasse o contrato promessa resolvido por factos imputáveis àqueles, com o consequente direito dos réus a fazerem suas as quantias recebidas, pedindo ainda a condenação dos autores a pagarem-lhes a quantia de €25.600,00 (€3.300,00 de prestações não pagas, €12.300,00 de comissão paga à mediadora imobiliária e €10.000,00 de indemnização pela mora contratualmente fixada).

Foi proferido despacho saneador em que foi fixado à ação o valor de €289.300,00 (alterando, assim, o valor inicial de €58.600,00 que havia sido atribuído pelos autores) e à reconvenção, o valor de €285.600,00 (à qual os réus haviam atribuído o valor de €84.200,00) e, admitida a reconvenção, foi fixado o valor total da causa em €574.900,00.

Ainda no despacho saneador foi julgada inepta a petição inicial, absolvendo-se os réus, ora recorridos, da correspondente instância, tendo-se condenado os autores nas custas.

Ordenou-se ainda o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido reconvencional e, tendo-se realizado audiência de julgamento, a final, foi proferida sentença que, julgando a reconvenção parcialmente procedente, decidiu: i) declarar a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, com a consequente obrigação de os autores restituíram aos réus o imóvel objeto do mesmo e de os réus restituírem aos autores a quantia de €1.800,00, fazendo seus os demais valores por estes entregues; ii) condenar os autores a pagar aos réus a quantia de €10.000,00, absolvendo-os do demais peticionado; iii) condenar as partes nas custas, na medida do respetivo decaimento.

Transitada em julgado esta decisão, e elaborada a conta, os réus reclamaram da mesma, invocando que esta não se encontra em harmonia com o julgado, por não ter em consideração a proporção do decaimento das partes, designadamente exigindo-lhes por inteiro o valor das custas correspondentes à reconvenção.

Tal reclamação foi indeferida, por despacho proferido em 1.ª instância (cf. fls. 21/v.º), em que se entendeu, no que ora releva, que tendo em atenção o valor fixado à ação, o valor da taxa de justiça devida pela intervenção de qualquer das partes (de acordo com a tabela I-A, a que se refere o artigo 6.º, n.º 1, do RCP), é de €5.304,00 e que, tendo os réus, ora recorridos, até então, procedido ao pagamento apenas do valor de €1.632,00, estão legalmente vinculados a pagar o remanescente da taxa de justiça devida, apurado na conta final, por força do artigo 6.º, n.º 7, do RCP.

No recurso interposto, os réus alegaram, em síntese, o seguinte:

- No saneador e na sentença proferidos nos autos, em que foi definida a responsabilidade por...

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