Acórdão nº 81/20 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 81/2020

Processo n.º 947/2019 (61/PP)

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Tiago de Matos Gomes Guilherme, António Mateus Simão da Conceição Ferreira de Carvalho, José Manuel Rodrigues de Almeida, Rodrigo Santos Lapa, Rui Pedro de Melo Dias, Vasco Felício Capela, Eunice Cristina Ramos Correia Nobre Lucas, Luís Manuel Ramos Correia Nobre Lucas, Ricardo Filipe Carvalho Sequeira, Afonso da Costa e Silva Carvalho Alves e Ana Rebeca Steingräber Gradissimo, melhor identificados nos autos, vieram requerer (cf. fl. 2-3), na qualidade de primeiros signatários, a inscrição, no registo próprio do Tribunal Constitucional, do partido político com a denominação «Volt Portugal», com a sigla «VP» e o símbolo que anexam ao requerimento, ao abrigo do disposto nos artigos 14.º e 15.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, que aprovou a Lei dos Partidos Políticos, modificada pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio e, em último lugar, pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril (adiante designada pela sigla LPP).

2. Os requerentes instruíram o requerimento de pedido de inscrição – apresentado por escrito e do qual consta o nome completo e assinatura dos signatários, com indicação do respetivo número do bilhete de identidade e cartão de eleitor (cf. documentos de fls. 2-4) – com a denominação, a sigla e o símbolo, a Declaração de Princípios, o Projeto de Estatutos, e 8795 assinaturas de cidadãos eleitores (cf. Anexos 1 a 6 do requerimento, enunciados a fl. 2 e juntos a fls. 5 a 33 e suporte informático anexo).

3. A Secção competente neste Tribunal lavrou cota nos autos a informar que procedeu ao exame de toda a documentação apresentada com o referido pedido de inscrição, tendo-se verificado que a inscrição foi requerida por 8.789 cidadãos eleitores (cf. cota de fls. 34-35).

4. Foi aberta vista ao Ministério Público (cfr. fl. 36), que emitiu parecer no sentido de nada ter a opor à requerida inscrição, nos termos seguintes (cfr. fls. 37-48):

«1. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 15.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril, vieram 8 789 cidadãos eleitores requerer (dando origem aos autos à margem referenciados) a inscrição, no registo existente no Tribunal Constitucional, do partido Volt Portugal (VP).

2.A junção deste requerimento material foi solicitada por onze cidadãos promotores, dos quais o primeiro é Tiago de Matos Gomes Guilherme, que, concomitantemente, reuniram a Declaração de Princípios; o Projecto de Estatutos do Partido; e os Denominação, Sigla e Símbolo do partido político Volt Portugal (VP).

3.Foi cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril, tendo sido apresentados, quanto a todos os signatários, o nome completo e o número do bilhete de identidade ou do cartão de cidadão.

4.A Secção competente do Tribunal Constitucional, a 4.ª Secção, examinou toda a documentação entregue com o pedido de inscrição do novo partido, tendo confirmado que a mesma fora requerida “(…) por 8.789 subscritores, que deram cumprimento ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º e n.º 1 a) e b) do artigo 21.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as posteriores alterações”.

5.Sobre a requerida inscrição do Volt Portugal (VP), no registo próprio existente no Tribunal Constitucional, cabe, agora, ao Ministério Público, emitir parecer, o que passaremos a fazer.

II

6.No artigo 14.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril, fez o legislador depender “[o] reconhecimento, com atribuição de personalidade jurídica, e o início das actividades” de um partido político, da inscrição no registo existente no Tribunal Constitucional.

7.De entre os diversos requisitos formais, cujo preenchimento condiciona tal inscrição, releva, em primeira linha, o do seu requerimento ser subscrito por, pelo menos, 7 500 cidadãos eleitores.

8.Ora, no caso vertente, conforme resulta de fls. 34 dos autos, o requerimento foi subscrito por 8 789 cidadãos eleitores, o que preenche o requisito estabelecido no n.º 1 do artigo 15.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril.

9.Acresce que, conforme já referimos, o requerimento de inscrição foi feito por escrito, acompanhado do Projecto de Estatutos, da Declaração de Princípios, e das denominação, sigla e símbolo do partido e incluiu, em relação a todos os signatários, o nome completo e o número do bilhete de identidade ou do cartão de cidadão, dando, assim, cumprimento ao previsto no n.º 2 do artigo 15.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril.

10. Tendo em consideração a já mencionada declaração de fls. 34 dos autos, no sentido de que foi dado cumprimento “(…) ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º e n.º1 a) e b) do artigo 21.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto”, deve entender-se que o requerimento foi subscrito por cidadãos titulares de direitos políticos que, simultaneamente, não são militares ou agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, nem agentes dos serviços ou das forças de segurança em serviço efectivo, satisfazendo-se, assim, o disposto nos artigos 7.º e 21.º, n.º 1, als. a) e b) da referida Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril.

III

11. Muito embora a Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 46.º, n.º 1 e 51.º, n.º 1; e a Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de Maio, no artigo 4.º, n.º 1, estabeleçam a liberdade de associação e de criação de partidos políticos, tal liberdade não é ilimitada.

12.Efectivamente, conforme decorre do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição da República Portuguesa; e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril, compete ao Tribunal Constitucional “(…) verificar a legalidade da constituição de partidos políticos e suas coligações, bem como apreciar a legalidade das suas denominações, siglas e símbolos, e ordenar a respectiva extinção, nos termos da Constituição e da lei”.

13.Nesses limites à liberdade de associação e de criação de partidos políticos, consigna-se a proibição, plasmada nos artigos 46.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e 8.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril, no sentido de que “[n]ão são consentidos partidos políticos armados nem de tipo militar, militarizados, ou paramilitares, nem partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”.

14. Ora, se atentarmos, a título de exemplo, no disposto no artigo 1.º do projecto de Estatutos onde, sob a epígrafe “Objeto”, se determina que:

“O Volt Portugal é um movimento social e político de pessoas comprometidas com uma sociedade mais aberta, inclusiva, justa, solidária, assente na Dignidade da Pessoa Humana, no Estado de Direito, no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, na igualdade de oportunidades num desenvolvimento social e económico democrático plural e responsável, na defesa do meio ambiente, na preservação da natureza e num futuro mais sustentável” ;

ou no exposto no n.º 2, do artigo 3.º do mesmo projecto de Estatutos onde se declara que:

“Os princípios orientadores da ação do Volt assentam na liberdade de opinião, de pensamento e de crença, na autonomia e livre iniciativa, no processo decisório democrático, integrado e responsável, na pluralidade de orientações e ideais, numa visão humanista, cosmopolita e aberta das sociedades e numa União Europeia mais forte, coesa e unida” ;

ou ainda, do plasmado no Capítulo “Afirmamos os nossos princípios”, da Declaração de Princípios, a fls. 13 dos autos, no qual se sustenta que:

“Combater todas as formas de desigualdade e discriminação fundadas em critérios de nascimento, sexo, da identidade de género, da orientação sexual, da etnia, da cultura, da condição económica, da religião ou de convicções, da capacidade mental e motora, ou quaisquer outras que não resultem da iniciativa e do mérito próprios”,

apercebemo-nos que este partido político não perfilha a ideologia fascista e não é racista.

15. Da atenta leitura dos seus projecto de Estatutos e Declaração de Princípios, também se não constata que a associação se configure como um partido político armado, nem de tipo militar, militarizado ou paramilitar, não se fazendo, em nenhum passo daqueles documentos, a apologia do uso de armas ou da violência.

16. Outro dos limites à liberdade de constituição de partidos, emerge do disposto nos artigos 51.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e 9.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.ºs 2/2008, de 14 de Maio e 1/2018, de 19 de Abril, e consiste na proibição de constituição de “partidos políticos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos programáticos, tenham índole ou âmbito regional”.

17. Também aqui, após análise do projecto de Estatutos e da Declaração de Princípios do Volt Portugal (VP), não se verifica a violação das normas...

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