Acórdão nº 310/20 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 310/2020

Processo n.º 1043/2019

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente a Câmara Municipal de Lisboa e recorridos a A., SA e a A. SGPS, SA, a primeira interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 16 de setembro de 2019, no âmbito original da impugnação do ato de liquidação de uma taxa pela realização de infraestruturas urbanísticas.

Inconformadas, as ora recorridas interpuseram recurso, junto do Tribunal Central Administrativo Sul, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 5 de setembro de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial contra o acto de liquidação da taxa de realização de infraestruturas urbanísticas (TRIU) efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa. O Tribunal Central Administrativo Sul, no referido aresto de 16 de setembro de 2019, julgou ser de desaplicar, com fundamento em inconstitucionalidade formal, as normas do Regulamento da TRIU, na versão publicada no Boletim Municipal mediante Edital n.º 122/95, de 5 de dezembro, por entender que tal versão viola o artigo 68.º-A do Decreto-lei n.º 445/91, de 20 de novembro, aditado pelo Decreto-lei n.º 250/94, de 15 de novembro, que exige a sua publicação em Diário da República, afigurando-se, por isso, tal regulamento em desconformidade com o artigo 119.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (fls. 505-507).

É deste aresto que Câmara Municipal de Lisboa vem interpor recurso para o presente Tribunal, tendo delimitado o seu objeto nos seguintes termos:

«Ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, a conformidade do Regulamento da TRIU, na versão publicada pelo Edital n.° 122/95, com o art. 119.° da Constituição da República Portuguesa (art. 122.°, na redação que vigorava ao tempo da publicação do mesmo), e com as exigências formais exigidas para tais normativos, tendo em vista a sua conformidade constitucional»

2. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar. Apenas a Câmara Municipal de Lisboa apresentou alegações, tendo, a final, concluído da seguinte forma:

«(…)

III. Conclusões

A) Visa o presente a declaração de conformidade, com o art. 122.º da Constituição da República Portuguesa, na redação resultante da Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de novembro, então vigor (atual art. 119.º), do Regulamento da Taxa pela Realização de Infraestruturas Urbanística do Município de Lisboa, aprovado pela Assembleia Municipal em 11 de julho de 1991, na redação publicada pelo Edital n.º 122/95 do Município de Lisboa, no Boletim Municipal n.º 94, de 5 de dezembro de 1992;

B) O n.º 1, do art. 122.º da CRP firmava o elenco de atos normativos obrigatoriamente sujeitos a publicação em Diário da República, sob pena de ineficácia; em tal enumeração, não constam os regulamentos de autarquias locais;

C) Tais regulamentos, enquanto atos de conteúdo genérico (...) do poder local, embora sujeitos a publicidade, de acordo com o n.º 2 do mesmo normativo constitucional e de igual modo sob pena de ineficácia, não carecem de publicação em Diário da República, mas, do regime de publicação previsto na lei;

D) A publicação, enquanto manifestação do princípio da publicidade, tal como plasmado, então, no art. 122.º da CRP, não equivale necessariamente a publicação em Diário da República, a não ser que tal obrigatoriedade resulte, quer da própria CRP, quer da Lei;

E) O n.º 1, do art. 68.º-A, do DL n.º 445/91, de 20 de novembro, aditado pelo DL n.º 250/94, de 15 de outubro, não era aplicável ao identificado Regulamento, porquanto, o Edital n.º 122/95, publicado no Boletim Municipal n.º 94, de 5 de dezembro de 1995, tornou pública alteração a Regulamento aprovado em 11/07/1991, que vigorava aquando da publicação daquele Diploma legal; não lhe sendo aplicável o n.º 1 daquela norma legal, de igual modo não se encontrava sujeito à forma de publicação determinada, pelo n.º 3 do mesmo artigo, apenas, para os regulamentos previstos naquele n.º 1. Aos regulamentos existentes aquando da entrada em vigor do DL n.º 250/94, e para o que aqui importa, era aplicável o n.º 2, do mesmo art. 68.º-A, que não se referia a tal obrigatoriedade de publicação, em Diário da República;

F) Respeitando o Edital n.º 122/95 a uma alteração a Regulamento anteriormente aprovado e em vigor, não estava sujeito a publicação em Diário da República, por efeito dos n.ºs 1 e 3 daquela norma, mas antes, aos arts. 114.º e ss do CPA e às exigências de publicidade dos regulamentos emanados do poder local, plenamente asseguradas pela publicação em Boletim Municipal, em respeito pela previsão do antedito n.º 2, do art. 122.º da CRP;

G) Não padecia, logo, de qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente, da inconstitucionalidade formal que ditou a não aplicação do mesmo, pelo Acórdão do TCAS que determinou a apresentação do presente e devendo, ao invés, ser declarada a conformidade do mesmo com a CRP e, concretamente, com o seu art. 122.º, na redação então em vigor;

H) A questão da eficácia do regulamento, por decorrente do pretenso desrespeito do aludido art. 68.º-A nem sequer assume, por si, natureza de apreciação de conformidade constitucional, já que a Lei Fundamental não é diretamente violada pela falta de publicação do identificado Regulamento em Diário da República, pois a exigência de tal forma de publicação (a verificar-se, o que não se concede) não constava da Constituição da República Portuguesa, mas de Decreto-Lei do Governo (autorizado), não sendo a sua eventual violação determinante da inconstitucionalidade formal do regulamento, mas, cominação expressa, de ineficácia (cf. art. 122.º da CRP).

I) Pelo que, não assumindo a questão tal natureza, não era admissível o seu conhecimento oficioso, tal como concretizado pelo TCAS, por não se verificarem os pressupostos de inconstitucionalidade formal do regulamento alterado pelo Edital 122/95, em que aquele douto Tribunal fundou o Acórdão proferido nos autos e a recusa de aplicabilidade daquele Edital, à liquidação impugnada; não ocorre violação, pelo mesmo, do art. 122.º da CRP, não se impondo a aplicação do art. 204.º, da CRP (raciocínio que, aliás, se mantém, mesmo perante o atual art. 119.º;

J) O Tribunal Constitucional já se pronunciou pela conformidade, com a CRP, do Regulamento da TRIU, na antedita versão e perante idênticos quadros normativo e de facto (cf., o douto Acórdão n.º 258/08, proferido no Proc. n.º 958/07). Pronúncia expressa, quanto à constitucionalidade orgânica e formal e não suscitando qualquer outra questão, pretendendo-se que, agora, declare igualmente a sua constitucionalidade formal, face à previsão do art. 122.º da CRP, então em vigor.

Termos em que, se requer a declaração de conformidade do Regulamento da TRIU, alterado pelo Edital 122/95, com o art. 122.º da CRP, na redação da Lei Constitucional 1/92, então vigente.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A) Enquadramento

3. A questão erigida como objeto do presente recurso, tal como enunciado no respetivo requerimento, incide sobre as normas do Regulamento da TRIU, na versão publicada no Boletim Municipal mediante Edital n.º 122/95, de 5 de dezembro, cuja aplicação foi recusada pelo acórdão ora recorrido pelo facto de tal versão se afigurar em desconformidade com o artigo 119.º, n.º 2, da CRP, na medida em que contraria o artigo 68.º-A do Decreto-lei n.º 445/91, de 20 de novembro, aditado pelo Decreto-lei n.º 250/94, de 15 de novembro, que exige a sua publicação em Diário da República.

Neste sentido, o Tribunal a quo entendeu, mais concretamente, que «todavia, tem de entender-se que o Regulamento da TRIU publicado por intermédio do Edital 122/95, de 5 de dezembro, contrariamente ao defendido pela Recorrida é de aplicar a norma do artigo 68.°A do Decreto - Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, isto porque, à data em que foi objecto de publicidade ainda vigorava na ordem jurídica aquele normativo legal, uma vez como vimos, a sua revogação somente operou a partir de 1 de Janeiro de 1996. Nesta perspectiva, às normas do Regulamento da TRIU, na versão alterada em reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, de 9 de Novembro de 1995, aplica-se o requisito de eficácia previsto no n.° 2 do artigo 68.°-A do DL n.° 448/91, de 29 de Novembro, que é a necessidade de publicação no Diário da República. Deste modo, e sendo que, in casu, pese embora a publicação no Boletim Municipal mediante Edital n.º 122/95, a falta de publicação deste regulamento em Diário da República, como já se teve oportunidade de referir, implica a sua ineficácia jurídica de harmonia com o artigo 119°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, nos termos do citado preceito constitucional, a falta de publicidade de qualquer acto de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, implica a sua ineficácia jurídica. (...) Resta, por isso, julgar procedente o recurso quanto à invocada inconstitucionalidade formal.» (fls. 505, 506 e 507).

Ao contrário do que é entendido pelo tribunal a quo, defende a recorrente que não podem ser aplicadas ao Regulamento da TRIU, na versão publicada no Boletim Municipal mediante Edital n.º 122/95, de 5 de dezembro, as normas dos...

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