Acórdão nº 331/20 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrido B., a primeira interpôs recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão daquele Supremo Tribunal proferido em 4 de maio de 2017 (cf. fls. 787-811), no qual se acordou, além do mais, em negar a revista, confirmando-se a (última) decisão recorrida proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a decisão proferida em primeira instância – que, por sua vez, julgara improcedente a acção de investigação de paternidade intentada pela autora, ora recorrente, contra o ora recorrido (cf. Acórdão do STJ ora recorrido, I – Relatório, a fls. 787-788).

2. Na Decisão Sumária n.º 631/2019 (cfr. fls. 909-914), decidiu-se «a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante; e, em consequência, b) Negar provimento ao recurso.», (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss.):

«4. A norma que constitui o objeto do presente recurso – a norma do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante – já havia sido considerada como não incompatível com a Constituição por diversas decisões do Tribunal Constitucional (entre outras, v. os Acórdãos n.ºs 401/2011 – este proferido pelo Plenário –, 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011, 77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012, 166/2013, 750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015, 594/2015, 626/2015, 424/2016, 151/2017 e 813/2017, todos acessíveis, bem como os adiante citados, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Posteriormente, e na sequência de um recurso obrigatório interposto ao abrigo do disposto no artigo 79.º-D da LTC, o Plenário deste mesmo Tribunal proferiu o Acórdão n.º 394/2019 que, uma vez mais, reiterou aquela jurisprudência.

Neste aresto último aresto decidiu-se decidiu-se «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo diploma, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante. (...).» (cf. III – Decisão, 3, alínea a)).

Os fundamentos em que assentou a referida jurisprudência são inteiramente transponíveis para o caso destes autos, pelo que, por remissão para a fundamentação, mais exaustiva, nomeadamente a constante do citado Acórdão n.º 394/2019, que se reitera, é de concluir, nos termos previstos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, pela não inconstitucionalidade da norma sindicada nos presentes autos.».

3. Notificada da Decisão Sumária n.º 631/2019, veio a recorrente reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com os fundamentos seguintes (cfr. fls. 918-934 e reiterada a fls. 937-945 com verso):

«A) Requerimento de Apresentação de Reclamação

A., autora nos autos á margem referenciados e aí melhor identificada, não se resignando com a douta DECISÃO SUMÁRIA n.º 631/2019, proferida nos presentes autos de recurso, vem dela apresentar a presente RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos do n.º 3 do art. 78.º-A da LTC.

B) FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO:

I. CONCLUSÕES FORMULADAS NO RECURSO DE REVISTA :

Conforme consta já alegado no REQUERIMENTO DE APRESENTAÇÃO DO RECURSO PARA ESTE SAPIENTE TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, a autora, no seu Recurso de Revista, com os números 5. a 15., formulou as seguintes conclusões:

5. Ao apreciar as conclusões 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18. e 19. da apelação, apesar de não ter apreciado o cerne da questão ali colocada, incorrendo na nulidade supra arguida, o TRG, no acórdão recorrido, por adesão aos fundamentos e aos acórdãos citados no seu aresto, decidiu ser constitucional o n.º 1 do art. 1817.º do Cód. Civil (aplicável ás ações de investigação de paternidade por força do art. 1873.º do mesmo diploma), na redação dada pela da Lei n.º 14/2009, de 1/4, que estabeleceu um prazo de 10 anos, contado da maioridade ou emancipação, para instauração da ação de investigação de paternidade.

6. Tal decisão foi proferida contra a jurisprudência do acórdão proferido pelo TRG, em 15-11-2012, no âmbito do Processo n.º 724/11.7TBPTL.G1, transitado em julgado, onde sumariamente se decidiu que:

1. A fixação de um prazo mais alargado de 10 anos como prazo para a propositura da acção de investigação da paternidade, após a maioridade ou emancipação, que o artº 1871. do CC, agora estatui, não expurgou tal norma da inconstitucionalidade material que a afecta, na medida em que esse prazo é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende.

2. Tal prazo de dez anos é até inferior ao prazo geral da prescrição de vinte anos, concedendo-se um prazo mais longo para defender direitos patrimoniais do que um direito estruturante da personalidade.

3. A paternidade biológica já não pode, hoje em dia, ser abafada e transformada numa espécie de paternidade clandestina, sem a tutela plena do direito, que o artº 26º nº 3 da CRP, consagra, ao garantir a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano ”.

7. No nosso entendimento, a jurisprudência a seguir é a do acórdão fundamento, pois qualquer investigante tem direito de, sem sujeição a qualquer prazo, instaurar a ação de investigação destinada a averiguar quem é o seu pai biológico, constituindo a fixação de prazos para a instauração tal ação, “uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende” sendo, por isso, materialmente inconstitucional o n.º 1 do art. 1817.º do Cód. Civil (aplicável ás ações de investigação de paternidade por força do art. 1873.º do mesmo diploma), na redação dada pela da Lei n.º 14/2009, de 1/4.

8. A jurisprudência do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, com 7 votos a favor e 6 votos contra, no sentido de ser constitucional o n.º 1 do art. 1817.º do Cód. Civil (aplicável ás ações de investigação de paternidade por força do art. 1873.º do mesmo diploma), na redação dada pela da Lei n.º 14/2009, de 1/4, estabelecendo um prazo de 10 anos contado da maioridade ou emancipação para a instauração da ação de investigação de paternidade, por considerar ser esse prazo um prazo razoável, não é também de aceitar, em virtude de tal interpretação da referida lei, nesses termos, conceder a uns investigantes (aos que tinham idade igual ou inferior a 18 anos de idade á data da entrada em vigor da lei), um prazo de 10 anos, conceder a outros (aos que tinham idade superior a 18 de idade e inferior a 28 anos de díade), prazos sucessivamente diferentes e, finalmente, não conceder a outros (aos que tinham idade igual ou superior a 28 anos de idade), como acontece em relação á autora, nenhum prazo.

9. O Tribunal Constitucional declarou já ser inconstitucional o art. 3.º da referida Lei n.º 14/2009, na medida em que tal disposição mandava aplicar aquele prazo de 10 anos contados da maioridade ou emancipação, às ações pendentes instauradas antes da entrada em vigor de tal lei, devendo agora declarar-se inconstitucional o art. 1.º da citada lei, com a interpretação de que tal prazo é contado da maioridade ou emancipação, em virtude de violar os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança.

10. O Tribunal Constitucional naquele acórdão n.º 401/2011, 22-09-2011, em fiscalização abstrata, julgou ser constitucional o prazo de 10 anos para instaurar a ação de investigação de paternidade, por considerar ser tal prazo razoável, mas nesse seu acórdão não foi especialmente apreciada A QUESTÃO RELATIVA AO MODO COMO DEVE PROCEDER-SE Á CONTAGEM DO PRAZO, por não ter sido uma questão colocada no objeto do recurso aonde tal acórdão foi proferido, pois nos autos aonde o acórdão foi proferido, o que constituía objeto do recurso, era decidir se a fixação ou estabelecimento de um prazo de 10 anos para a instauração da ação investigação de paternidade (ponto final), era ou não constitucional.

11. Ora, o entendimento de que o prazo se conta para todos os investigantes a partir da sua maioridade ou emancipação, fere a consciência jurídica, pois se todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e se todos são iguais perante a lei, se ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções politicas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual (cfr. principio da igualdade prescrito no art. 13.º da CRP) e se as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm carácter geral e...

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