Acórdão nº 421/20 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Vice-Presidente
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 421/2020

Processo n.º 222/2019

Plenário

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Por decisão de 12 de junho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) julgou prestadas, com as irregularidades que de seguida se discriminam, as contas apresentadas pelo Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP) relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição, realizada em 4 de outubro de 2015, dos deputados para a Assembleia da República [artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante LFP), e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei Organização e Funcionamento da ECFP, doravante LEC)].

Foram as seguintes as irregularidades discriminadas:

- Falta de certificação pelo Partido das contribuições efetuadas (artigo 16.º, n.º 2, da LFP);

- Existência de donativo em numerário (artigo 16.º, n.º 4, da LFP).

2. Desta decisão foram interpostos recursos pelo PURP e pelo Mandatário Financeiro, António Manuel Mateus Dias, nos termos dos artigos 23.º da LEC e 9.º, alínea e), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). Após várias vicissitudes processuais, determinou-se a subida dos recursos a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória, nos termos do n.º 3 do artigo 407.º do Código de Processo Penal (doravante, CPP), ex-vi do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações (doravante, RGCO).

3. Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PURP e contra o Mandatário Financeiro deste Partido pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o PURP (Proc. n.º 222/19-A), por decisão proferida em 15 de janeiro de 2019, a ECFP aplicou ao Partido uma coima no valor de € 4.260,00, equivalente a 10 (dez) SMN de 2008, pela prática de violação dolosa dos deveres previstos nos artigos 15.º e 16.º, n.ºs 2 e 4, da LFP, punível nos termos do artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma.

No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra António Manuel Mateus Dias, enquanto Mandatário Financeiro do PURP (Proc. n.º 222/19-B), por decisão proferida em 15 de janeiro de 2019, a ECFP aplicou uma coima no valor de € 426,00, equivalente a 1 (um) SMN de 2008, pela prática de violação dolosa dos deveres previstos nos artigos 15.º e 16º, n.ºs 2 e 4, da LFP, punível nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do mesmo diploma.

4. Notificados desta decisão, o PURP e António Manuel Mateus Dias apresentaram recurso de contraordenação das respetivas decisões sancionatórias.

5. Recebidos os requerimentos de recurso da decisão da ECFP que julgou verificada uma situação de contas prestadas com irregularidades e das decisões de aplicação de coimas, a ECFP sustentou as decisões recorridas e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional.

6. Por despacho proferido em 29 de março de 2019, o Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

7. O Ministério Público emitiu parecer a respeito dos recursos das decisões sancionatórias da ECFP, pronunciando-se pela improcedência do recurso interposto pelo PURP e pelo não conhecimento do recurso interposto por António Manuel Mateus Dias.

8. O PURP e António Manuel Mateus Dias apresentaram resposta ao parecer do Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

9. A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

Importa, assim, começar por tecer algumas breves considerações sobre este “novo” regime.

A alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que até essa data pertencia ao Tribunal Constitucional e passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigos 9.º, n.º 1, alínea e), e 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC).

No plano processual, porém, o novo regime manteve a pluralidade de fases e dimensões materiais objeto de pronúncia, todas comportadas no mesmo processo. Excluindo agora o caso particular de incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral, é a seguinte a dinâmica processual do processo de prestação de contas.

Continua a existir uma fase inicial, que tem por objeto (e escopo) a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, que os partidos ou as candidaturas devem enviar à ECFP, para esse efeito, no prazo fixado (artigos 27.º, n.ºs 1 e 4, 35.º, n.º 1, e 43.º, n.ºs 1 a 3, da LEC), findo a qual a ECFP decide do cumprimento da obrigação de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas (artigos 35.º a 45.º da LEC).

De acordo com a modelação resultante dos artigos 35.º a 44.º, a intervenção da ECFP nesta fase inicial esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica. Por isso se referiu, no Acórdão n.º 405/2009, que a mesma «se poderia designar, por oposição àquela que se lhe segue para apuramento da responsabilidade contraordenacional, por fase declarativa ou de simples apreciação» (que melhor se designaria por subfase declarativa).

Verificando-se a existência de irregularidades na prestação de contas, abre-se uma segunda subfase que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas (subfase condenatória).

Estará então encerrada a fase administrativa do processo de prestação de contas, da competência da ECFP, como se disse.

Foi o que sucedeu nos presentes autos: na fase administrativa foram proferidas duas decisões pela ECFP: (i) Decisão sobre a prestação de contas de campanhas eleitorais, que julgou as contas prestadas com irregularidades; e (ii) Decisão sobre as contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais, que condenou o PURP e o mandatário financeiro, aplicando-lhes as respetivas coimas. Foram interpostos recursos de ambas para o Tribunal Constitucional.

Recebidos os recursos, de imediato se colocou a questão de saber qual é exatamente a extensão da competência do Tribunal Constitucional, por outras palavras, qual o objeto da pronúncia deste.

Podem, em abstrato, colocar-se duas hipóteses:

a) A intervenção do Tribunal tem por objeto único a decisão sancionatória, desconsiderando-se a decisão que verificou as irregularidades, reduzida a uma mera condição daquela outra decisão;

b) Ou tem um duplo objeto, a decisão que verificou as irregularidades e a decisão que aplicou as coimas.

10. Para esclarecer esta dúvida, importa começar por verificar se a decisão da ECFP que julgou prestadas as contas com apuramento de irregularidades é, ou não é, autonomamente recorrível; e, em caso afirmativo, qual o regime de subida do recurso.

São as seguintes as normas que nos parecem relevantes:

Artigo 9.º LTC
(Competência relativa a partidos políticos, coligações e frentes)

Compete ao Tribunal Constitucional:

e) Apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamentares, de deputado único representante de um partido e de deputados não inscritos em grupo parlamentar ou de deputados independentes, na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas.

Artigo 23.º LFP
(Apreciação pelo Tribunal Constitucional)

1. O Tribunal Constitucional pronuncia-se, em sede de recurso, sobre as coimas aplicadas nos termos da presente lei.

Artigo 23.º LEC
(Recurso das decisões da Entidade)

1 - Dos actos da Entidade cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em plenário.

2 - São irrecorríveis os actos da Entidade que se traduzam em emissão de recomendações ou que se destinem apenas a instruir ou a preparar decisões do Tribunal Constitucional, com ressalva daqueles que afectem direitos e interesses legalmente protegidos.

Artigo 43.º LEC
(Decisão sobre a prestação de contas das campanhas eleitorais)

1 - A Entidade decide do cumprimento da obrigação de prestação de contas das campanhas eleitorais e da existência ou não de irregularidades nas mesmas.

2 - A...

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