Acórdão nº 398/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 398/2020

Processo n.º 36/19

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Instrução Criminal de Coimbra – Juiz 2, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), da decisão proferida por aquele Tribunal (a fls. 107 a 110 com verso), na qual se decidiu «julgar inconstitucional o art.º 10º, nº 2 e 3 do DL 387-A/87, de 29 de dezembro, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, da Constituição» e, em consequência, não pronunciar o arguido, ora recorrente, pelos factos e crimes de que vinha acusado (cf. V- Decisão, a fl. 110).

2. Dos autos resulta, com relevância para a questão objeto dos presentes autos, o que de seguida se enuncia.

2.1 O recorrido A. foi notificado para em 5 dias responder ao inquérito que se destinava “a saber se preenche os requisitos de capacidade indispensáveis para o desempenho da função de JURADO” e com a seguinte cominação: “As falsas declarações prestadas na resposta ao referido inquérito ou a recusa do preenchimento do mesmo sem justa causa, são punidas com prisão até dois anos ou multa até 200 dias- art.º 10.º, n.º 2 e 3 do decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de Dezembro”.

2.2 Não tendo o recorrido A. respondido e não tendo dado qualquer explicação o Ministério Público promoveu que fosse extraída certidão para ser enviada ao DIAP de Coimbra, a fim de ser instaurado o correspondente procedimento criminal.

2.3 Realizado o inquérito foi, no final, pelo Ministério Público, deduzida acusação, tendo ao arguido A. sido imputada a prática do seguinte crime: “Pelo exposto, incorreu o arguido, em autoria material e na forma consumada, na prática de um crime de recusa de resposta a inquérito, p.º pelo art.º 10.º, n.º 2 e 3 do DL 387-A/87 de 29 de Dezembro”.

2.4 Notificado da acusação o arguido requereu a abertura da instrução, realizada esta e também o debate instrutório, foi proferida decisão que não pronunciou o arguido pelos “factos e crimes de que vem acusado”, em consequência da recusa de aplicação da norma do artigo 10.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de Dezembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, “por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da Constituição”.

2.5 Assim se decidiu na decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Instrução Criminal de Coimbra – Juiz 2 que recusou a aplicação da referida norma e não pronunciou o arguido, ora recorrido, pelo crime de que vinha acusado (cf. fls. 107 a 110 com verso):

«I - Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação contra A. melhor identificados nos autos, imputando-lhes a prática de um crime de recusa de resposta a inquérito, p. e p pelo art.° 10° n.º 2 e 3 do DL 387-A/87, de 29/12, pelos factos constantes da acusação de fls. 63 e 5S.

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II - Inconformado com a acusação contra si deduzida o arguido requereu a abertura da instrução ao abrigo do artigo 287° do Código de Processo Penal, dizendo não ter praticado o crime de que é acusado, já que o diploma em causa padece de inconstitucionalidade orgânica, ex vi do art.º 165° n.º 1 al. c) da CRP.

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III- Foi declarada aberta a instrução e procedeu-se à produção das requeridas diligências probatórias.

Teve lugar o debate instrutório, com observância dos requisitos legais e, não tendo sido requerida qualquer prova suplementar, deu-se cumprimento ao disposto no art.° 302° n.º 4 do Código de Processo Penal.

IV - A instrução visa, no presente caso, apurar se dos elementos constantes dos autos, designadamente daqueles que foram colhidos na sequência das diligências instrutórias levadas a cabo, resultam ou não indícios suficientes de o arguido ter cometido factos constitutivos de responsabilidade criminal, maxime subsumíveis aos tipos legais que vem indicados.

Em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 308° do CPP "se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz; por despacho, pronuncia o arguido pelos fados respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronuncia".

Nesta perspectiva, importará, desde logo, definir aquilo que, no sentido que interessa a disposição do n.º 1 do art. 308° do CPP e, portanto, que é suposto pelo juízo subjacente à decisão de pronunciar, se há-de entender por indícios suficientes.

Para efeitos de dedução de acusação pública no termo do inquérito, considera a lei suficientes os indícios dos quais resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Tal fórmula, expressamente consagrada no n.º 2 do art. 283° do CPP, representa uma adesão expressa ao entendimento que, na ausência de uma norma positiva de idêntico teor, vinha endo doutrinal e jurisprudencialmente firmado no domínio da lei processual de 29.

Entendia-se, com efeito, que os indícios seriam bastantes quando lhes correspondesse "um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados".

Por indícios suficientes eram, neste sentido, entendidos todos os "vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que é o arguido responsável por aquele".

Para a pronúncia, porém, - entendia-se ainda -, não sendo embora necessária uma certeza da existência da infracção, "os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado" (cfr., por todos, Ac da Relação de Coimbra de 31 de Março de 1993, CJ, T.II, pg.65).

Seguindo a definição proposta pelo Prof. Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal, V.III, pg.181 e ss., obra que citamos e que passamos a acompanhar -, indícios, no sentido em que o conceito é utilizado pela lei processual, são meios de prova, enquanto causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais do crime.

Nas fases preliminares do processo, como é o caso da instrução, não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas antes, e tão-só, indícios, sinais de que um crime foi cometido por determinado agente.

As provas recolhidas nestas fases não constituem, nesta perspectiva, pressuposto da decisão de mérito mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento. Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência.

Necessário e, porem, que os mesmos sejam de modo a sustentar um juízo favorável à existência de uma possibilidade razoável de o crime ter sido cometido pelo arguido. Só assim serão tidos por suficientes, com as todas as consequências legais.

Deste modo, e porque no juízo de quem acusa, tal como no de quem pronuncia, deverá estar sempre a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, tal possibilidade razoável tem que surgir como mais positiva do que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, através de um juízo objectivo fundamentado nos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido. Ou, utilizando agora as expressivas palavras do Prof. Figueiredo Dias, quando, já em face da prova recolhida, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou, em todo o caso, esta surja mais provável do que a sua absolvição (cfr. Direito Processual Penal, V.I, 1974, pg.133).

Em caso de pronúncia, todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime hão-de figurar no despacho de forma clara e explícita, o que significa, em suma, que a decisão instrutória apenas conhecerá tal sentido se os autos contiverem matéria indiciária suficiente que lhes sirva de suporte fáctico.

Apoiados, pois, nestas conclusões doutrinais e jurisprudenciais, analisemos o caso a que se reportam os presentes autos.

Ora, em sede de instrução, julgamos, não se recolheram elementos que retirem a plausibilidade exigida ao indício de ocorrência dos factos que ao arguido são imputados, descritos na acusação pública e tais factos são subsumíveis ao crime de crime de recusa de resposta a inquérito, p.º p.º pelo art.° 10°, n.º 2 e 3 do DL 387-A/87 de 29 de Dezembro.

Pretendeu o diploma convocado estabelecer um mecanismo para a selecção dos jurados, feita no próprio processo, através de um sistema de duplo sorteio, presidido pelo juiz presidente do tribunal do júri.

Mais se estabeleceu, em homenagem ao princípio do contraditório, que a escolha dos membros do júri se realiza em audiência pública, onde são largamente concedidos aos intervenientes processuais os meios de arguição das razões que impediriam, a serem aceites, a

designação dos membros leigos do tribunal.

Na concretização deste pensamento legislativo, o citado DL, impôs determinado formalismo legal, que se desdobra em 5 fases previstas no n.º 1 do art.º 8°.

E, assim, no seguimento do sorteio de pré-selecção, importa proceder a inquérito para determinação dos requisitos de...

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