Acórdão nº 402/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 402/2020

Processo n.º 69/20

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e outros, foi pela primeira interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), na sequência do indeferimento da reclamação apresentada no STJ de decisão de rejeição do recurso interposto para aquele Supremo Tribunal (cf. requerimento de interposição de recurso, a fls. 2159-2164).

2. Após prolação pela relatora neste Tribunal de despacho para aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf. fl. 2274) e da resposta da recorrente (cf. fls. 2278-2282), foi proferida a Decisão Sumária n.º 232/2020, na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento na falta de verificação dos pressupostos, cumulativos, de que depende o conhecimento do objeto do recurso.

2.1 Na Decisão Sumária reclamada considerou-se, em primeiro lugar, que as deficiências apontadas ao requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não foram supridas pela recorrente, após convite para proceder ao respetivo aperfeiçoamento, o que, só por si, determinava a inadmissibilidade do presente recurso (cf. II, 9. e 10. e 16.). Isto já que a recorrente não cumpriu, mesmo após a resposta ao convite ao aperfeiçoamento, o ónus de enunciação, clara e percetível, do exato sentido normativo dos preceitos legais que pretendia ver apreciados por este tribunal.

2.2 Além disso, na Decisão Sumária reclamada decidiu-se igualmente que não se mostravam cumpridos requisitos essenciais e cumulativos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, in casu, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pelo que não se pode conhecer do respetivo objeto (cf. II, 11. a 15. e 16.).

Quanto às primeiras três questões de constitucionalidade (identificadas em 12.1, 12.2 e 12.3 da Decisão Sumária ora reclamada) decidiu-se que não se encontra preenchido um dos pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta: o pressuposto relativo à questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que inexiste objeto idóneo do recurso de constitucionalidade (cf. Decisão Sumária, II, 13. e 14).

Quanto à quarta questão de constitucionalidade (identificada em 12.4 da Decisão Sumária ora reclamada), reportada ao disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal (CPP), decidiu-se que não se encontra preenchido igualmente preenchido o pressuposto relativo à dimensão normativa do objeto do recurso, sendo o mesmo inidóneo e, além disso, que também não se verifica o pressuposto relativo à suscitação prévia e adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa (cf. Decisão Sumária, II, 15.).

3. Notificada da Decisão Sumária n.º 232/2020, a recorrente veio reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos termos seguintes (cf. fls. 2320-2338):

«A., recorrente nestes autos, e porque não se conforma com a decisão sumária proferida, com a devida vénia vem apresentar reclamação para CONFERÊNCIA, nos seguintes

TERMOS E FUNDAMENTOS:

I

1

Os termos e fundamentos que ora aduz, não devem ser entendidos, como as alegações de recurso que pretende fazer, em momento próprio.

Posto isto:

2

Com o respeito devido, a recorrente continua a sustentar, como pertinentes, os termos do seu requerimento de 5-3-2020, que ora se reproduz, para facilitar a consulta:

I

As instâncias julgaram provados os factos cuja prática imputou à Recorrente, fundando-se no depoimento do arguido B., e com base no disposto nos art.ºs 344.º, 3 e 340.º do C.P.P.

As instâncias recorridas interpretaram essas normas em desconformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 5 do artigo 32.º da Constituição.

Na verdade, tal como os factos por que um arguido é acusado, as provas devem ser indicadas na acusação, para que, contra os factos e contra as provas, o arguido possa exercer devidamente o contraditório, não sendo surpreendido, com uns e outros, como se tornou prática corrente nos tribunais. Essa prática é uma forma de ilidir, ilicitamente, a presunção de inocência do arguido.

Aquelas normas processuais não foram interpretadas em conformidade com os princípios constitucionais que integram os referidos números 2 e 5 do art.º 32.º.

Tais matérias foram alegadas nos parágrafos 46 a 48 e 50 a 52 e nas conclusões 9.ª a 11.ª das alegações do recurso para o TRP.

II

Ao abrigo do disposto no art.º 34.º, 1 do CPP, o Tribunal ordenou a produção de prova pericial, com o julgamento a decorrer por várias sessões, sobre a qual a Arguida (e os demais) não tiveram qualquer intervenção, nomeadamente através de perito ou consultor que indicassem. Ao agir assim, o Tribunal aplicou uma norma inconstitucional, na parte em que essa norma permite à acusação requerer novos meios de prova contra o arguido, no decurso do julgamento ou ao Tribunal ordenar oficiosamente essa prova com o mesmo fim. Essas coisas violam o princípio do acusatório que não permite que, após a acusação, mormente em julgamento, o arguido seja confrontado com novas provas, contra as quais não teve, nem tem, tempo para se defender. Ao longo do processo, o arguido tem assim uma posição de enorme desfavor. E, assim, esse desfavor agrava-se, quando assim é confrontado com provas que podem ir sendo procuradas, conforme as conveniências da acusação. Em tal perspectiva, o n.º 1 do art.º 340.º do C.P.P é inconstitucional, porque viola o disposto no art.º 20.º, 4 e 32.º, 5, directamente aplicáveis por força do art.º18.º, 1, todos da Constituição.

III

Em julgamento, o Exmo. Senhor Juiz Presidente quase tomou a totalidade dos interrogatórios que competiam à acusação. E se após o seu interrogatório a defesa pedisse esclarecimentos, já tudo teria que ser por seu intermédio, e o depoimento era concluído com novas perguntas mas que levassem a uma posição desfavorável para os arguidos.

Até ao julgamento o processo é “pertença” do M.P. Valendo o princípio do acusatório, compete ao M.P, com os meios de prova que ofereceu, provar a sua acusação. E, por isso, não só há violação do direito do arguido ao acusatório, quando o juiz investiga, ordena a produção de outros meios de prova que “acudam” à acusação e julga o que investigou com a prova que ordenou, como à violação do seu direito a um processo equitativo. Tendo agido assim ao abrigo do art.º 340.º, 1 e 2, agiu ao abrigo de normas inconstitucionais, na medida em que inculquem esse modo do Juiz agir, pois violam o disposto nos art.ºs 20.º, 4, 27.º, 1, 32.º, 1 e 5, aplicáveis directamente por força do art.º 18.º, 1 e 202.º, 1 e 2, todos da Constituição.

Esta matéria foi discutida nos parágrafos 53 a 55 da fundamentação das alegações para o TRP e da conclusão 11.ª, maxime da sua alínea b).

IV

No centro das imputações feitas à Recorrente, ou seja, como elemento central ou ponto de partida do comportamento ilícito que lhe é atribuído está a alteração de mostrador do contraquilómetros de veículos.

A jurisprudência (cremos que unânime) anterior e posterior, nomeadamente, define essas alterações como alterações de noção técnica – que não releva como crime de falsificação.

Ao arrepio dessa jurisprudência, as instâncias recorridas qualificaram esses factos como alterações a uma sistema informático, através do qual fossem recebidas, processadas e enviadas informações para outros sistemas, via ciberespaço, e que, assim, não ficavam confinadas ao habitáculo de um automóvel.

Deste modo, e para “iludir” a jurisprudência uniforme, as instâncias fizeram interpretação analógica do disposto no n.º1 do art.º 3 da Lei n.º 109/2009, de 15/9, proibida pelo disposto nos art.ºs 1.º, 1 do C.P e 29.º, 1 da Constituição, que assim foram violados directamente. Indirectamente violaram as disposições seguintes, constantes da Constituição:

- O princípio da dignidade da pessoa humana, na pessoa da Recorrente (art.º 1.º) que assim objectivamente;

- Os princípios do Estado de direito, de direito e da segurança jurídica consagrados no art.º 2.º, pois, alterando as palavras que vinham nomeando as coisas em causa, e chamando-lhe impropriamente outras, tal atitude e contende com as ideias de direito e de segurança jurídica, sem cujo império não há Estado de direito.

- O disposto nos art.ºs 25.º e 27.º, 1, pois, ao objectivarem a Recorrente, para assim fundarem a sua prisão, violaram a sua integridade moral e física (sofrimento moral e físico, pois já esteve presa, tendo sido libertada por procedência de “habeas corpus”.

Estas matérias foram discutidas nos parágrafos 65 a 67 da fundamentação das alegações de recurso para o TRP, e nas conclusões 13.ª a 15.ª.

V

Na reclamação para o S.T.J do indeferimento do Recurso do Tribunal da Relação, em que este Tribunal e o S.T.J indeferiram tal recurso com base na al. f), n.º 1, art.º 400.º do C.P.P , foi alegado o seguinte:

No acórdão de que vem o presente recurso, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a condenação da RECORRENTE na pena de 6 anos de prisão efectiva, mas, dando provimento ao recurso do M.P, condenou a RECORRENTE na perda de vantagens obtidas e no pagamento ao Estado da quantia de 3.630,00 €.

Foi também confirmada a sua condenação em indemnização, no valor de 260.132,80 €. Este recurso é interposto ao abrigo do disposto na al. e) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 400.º do C.P.P., interpretado em...

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