Acórdão nº 403/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 403/2020

Processo n.º 129/20

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora (TRE), em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e outros, foi pela primeira interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do Acórdão daquele Tribunal da Relação (de 22 de outubro de 2019) que julgou improcedente o recurso interposto de decisão do Juízo Central Civil e Criminal de Portalegre de 8 de outubro de 2018 quanto à prescrição do procedimento criminal (cf. requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional).

2. Na Decisão Sumária n.º 233/20 (cf. fls. 2841-2851), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cf. II – Fundamentação, 4. e ss):

«II – Fundamentação

4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

5. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto.

Do teor do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade resulta que a decisão de que se recorre é o acórdão do TRE de 22/10/2019 que julgou improcedente o recurso interposto pela arguida, ora recorrente, mantendo a decisão do Tribunal de primeira instância de 8/10/2018 que decidiu a questão de prescrição do procedimento criminal da arguida.

Da análise do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (supra transcrito em I, 2.) resulta também que a questão de constitucionalidade que a recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional é reportada ao artigo 120.º do Código Penal (CP), ou, especificamente, a uma alegada interpretação dos n.ºs 2 e 4 do mesmo artigo 120.º do CP.

6. A questão de constitucionalidade é reportada ao artigo 120.º do Código Penal que assim dispõe:

«Artigo 120.º

Suspensão da prescrição

1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;

b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;

c) Vigorar a declaração de contumácia; ou

d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;

e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;

f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.

3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.

4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.

5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.

6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

A questão de constitucionalidade é dirigida a uma alegada interpretação do «disposto nos n.° 2 e 4 do art°. 120° do Código Penal, como prazo de suspensão da prescrição do procedimento criminal, aplicáveis a todo o tipo de crimes», o que, segundo a recorrente, «viola o disposto no n.° 1 do artº. 32° da Constituição da República Portuguesa, pois ao dilatar no tempo a responsabilidade criminal, importa diminuição do conhecimento dos factos, diluição dos meios de prova e, portanto, efetiva diminuição das garantias de defesa do arguido.»

7. Convém frisar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de normas jurídicas que tenham constituído razão determinante da decisão desfavorável ao recorrente (artigo 79.º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso, tendo constituído a sua ratio decidendi, i.e., tem de haver exata correspondência entre a norma imputada de inconstitucional pelo recorrente e aquela que fundamentou a decisão do Acórdão recorrido. Atenta a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, apenas assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá repercutir-se efetivamente na solução a dar ao caso concreto.

Assim decidiu o TRE, no Acórdão proferido em conferência em 22/10/2019, ora recorrido, na parte que releva para o presente recurso de constitucionalidade:

«(III) Da inconstitucionalidade dos n.°s 2 e 4 do artigo 120,° do Código Penal

A afirmar, na perspetiva do Recorrente, porque, sendo prazos de suspensão da prescrição aplicáveis a qualquer crime, violam o disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, por imporem tempo capaz de diminuir as suas garantias de defesa, com a diluição nesse tempo dos meios de prova de que pode beneficiar.

Temos como adquirido que os recursos não visam o aprimoramento de decisões judiciais, nem discutir o que delas não consta.

Evidenciam os autos que a Recorrente, ao pretender a declaração de prescrição do procedimento criminal relativamente aos crimes de prevaricação de advogado de que foram vítimas B. e C., deliberadamente omitiu qualquer referência aos tempos de suspensão da prescrição consagrados no artigo 120.º do Código Penal.

E no recurso que interpõe da decisão que não declarou essa prescrição, a Recorrente não questiona a existência de tais prazos de suspensão, antes vem atribuir a segmento dela uma interpretação não consentida pelo seu texto.

Senão vejamos.

A referência feita na decisão recorrida ao prazo consagrado no n.° 2 do artigo 120.º do Código Penal é manifestamente retórica.

Atente-se que o Senhor Juiz que a proferiu se bastou com a data da prolação do acórdão recorrido - 24 de outubro de 2016 - para concluir, e bem, que não havia ainda decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal, face ao disposto no n.° 4 do artigo 120.° do Código de Processo Penal.

Efetivamente, no dia 24 de outubro de 2016 não tinha ainda decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade relativamente aos factos integradores do crime de prevaricação de advogado que dizem respeito a B. e a C. - esses prazos ocorreriam, respetivamente, em 27 de fevereiro de 2018 e em 13 de outubro de 2017.

E no dia 24 de outubro de 2016 iniciou-se...

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