Acórdão nº 406/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 406/2020

Processo n.º 242/2020

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A., e recorrido o Ministério Público, o primeiro vem interpor recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), da decisão singular proferida pela Vice-Presidente daquele Supremo Tribunal que rejeitou o recurso interposto de Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), decidindo a reclamação apresentada contra a decisão da mesma Relação de não admissão do recurso para o STJ, em bora por aplicação de norma diversa.

2. Na Decisão Sumária n.º 234/2020 (cfr. fls. 83-102), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, 4. e ss..):

«II – Fundamentação

4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (supra transcrito em I, 2.) e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso (cf. idem) e que fixa o respetivo objeto – in casu, a decisão do STJ que confirmou a decisão da 2ª instância de não admissão do recurso para o STJ, embora por aplicação de norma diversa.

7. Resulta dos autos, desde logo, que não se encontra preenchido o pressuposto relativo ao esgotamento dos recursos ordinários, pelo que o presente recurso se afigura extemporâneo.

Com efeito, por opção processual do ora recorrente, foi apresentada, em simultâneo com o recurso para o Tribunal Constitucional e na mesma peça processual, uma reclamação da decisão singular do STJ recorrida para o Tribunal Constitucional, tendo o ora recorrente arguido a respetiva nulidade «por violação do principio do contraditório e do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa».

Deste modo, à data da interposição de recurso para este Tribunal, ainda não se encontrava consolidada na ordem jurídica a decisão ora recorrida para este Tribunal, não se mostrando assim cumprido o requisito de admissibilidade respeitante à definitividade da decisão judicial impugnada (por prévio esgotamento prévio dos recursos ordinários, como previsto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC), afigurando-se intempestivo o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.

Tendo o recorrente utilizado um dos meios impugnatórios normais ou ordinários, não pode «na pendência do procedimento que a ele se seguiu, impugnar a decisão jurisdicional anteriormente proferida, já que esta deixou de constituir a decisão definitiva, a “última palavra” da ordem jurisdicional respetiva sobre o litígio, cabendo-lhe aguardar que a reclamação ou arguição sejam dirimidas, e só então podendo tempestivamente interpor recurso de fiscalização concreta, fundado nesta alínea b) – cfr. Acórdãos n.ºs 534/04, 24/06, 268/08 e 331/08.

Não é, pois, admissível a interposição simultânea de recurso de constitucionalidade “à cautela” e a dedução de reclamação ou arguição de nulidade no âmbito da ordem jurisdicional em causa – sendo naturalmente oponível à parte que “antecipa” o momento do recurso para o Tribunal Constitucional a objeção decorrente de estar, afinal, a impugnar, em fiscalização concreta, uma decisão judicial, que nesse momento, ainda carecia de “definitividade” » (Cfr. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 115).

Assim, e resultando com evidência dos autos que, à data da interposição do recurso de constitucionalidade, não estava a decisão recorrida «consolidada no âmbito da ordem jurisdicional respetiva», não se mostra observado o requisito de admissibilidade do recurso imposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC.

Tanto basta para não se poder conhecer do objeto do presente recurso.

8. Em qualquer caso, igualmente se verifica que não se mostram observados outros requisitos essenciais – e cumulativos – de admissibilidade do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, relativamente à questão de constitucionalidade submetida pelo recorrente à apreciação do Tribunal Constitucional.

9. A questão de constitucionalidade é enunciada pelo recorrente no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional com duas formulações – uma mais extensa, outra mais sintética –, ambas reportadas a alegadas interpretações conferidas ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), quanto à pretensão recursiva do ora recorrente.

9.1 Na formulação mais extensa, o objeto do recurso é assim delimitado pelo ora recorrente:

«18.ª- E a confirmar o que acabamos de dizer está o próprio texto da decisão que recaiu sobre a reclamação apresentada e de que agora se recorre, quando diz que:

“O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa, ou seja, os termos em que a garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena. (Negrito nosso)”.

19.ª- Pois é precisamente da culpa e da pena ( mais concretamente da sua escolha) que se tratou na decisão primeira instância, da qual se recorreu para a Relação, e é precisamente da culpa e da pena que se tratou no acórdão Tribunal da Relação - que apreciou onde se apreciou do mérito daquela decisão da primeira instância – do qual se recorreu para o Supremo, recurso este rejeitado pela própria Relação, rejeição essa agora confirmada, mas com um fundamento diferente: o na norma da al. c) do n.º1 do artigo 400.º do C.P.P., interpretada no sentido de que: A operação de determinação da pena concreta a aplicar ao arguido no âmbito do procedimento de reabertura da audiência previsto no artigo 371.º-A do C.P.P. e no artigo 12.º da Lei n.º 94/2017 de 23.08, na sequencia da revogação da pena de prisão por dia livres operada por este ultimo diploma legal, na medida em que implica a convocação do Tribunal a fazer ponderações que envolvem o limite da culpa do arguido pelo facto, e as exigências de prevenção geral e especial que este pôs em evidencia, em ordem a decidir-se pela possível aplicação de uma pena de substituição não privativa de liberdade está excluída do thema decidendum definidor do objeto do processo.»

Do teor do requerimento de interposição de recurso decorre que a questão colocada pelo recorrente é reportada a um trecho da fundamentação da decisão do STJ, recorrida, parcialmente reproduzido e contraditado na formulação da questão.

Assim sendo, o enunciado da questão de constitucionalidade apresenta-se como inidóneo ao recurso de fiscalização de constitucionalidade, na medida em que falta a dimensão normativa necessária à requerida fiscalização pelo Tribunal Constitucional. De facto, o recorrente tenciona, na verdade, sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto, erigindo a «norma» o resultado da ponderação concretamente feita pelo STJ quanto à identificação e preenchimento dos requisitos de recorribilidade fixados na lei. A pretensão do recorrente destina-se, assim, a sindicar a ponderação feita pelo Tribunal a quo e a aplicação do Direito ao caso, insurgindo-se contra um excerto da fundamentação concretamente exarada na decisão recorrida e nele se...

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