Acórdão nº 416/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 416/2020

Processo n.º 646/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e B. e são recorridos o Ministério Público e o Banco de Portugal, os primeiros interpuseram recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 2 de maio de 2019, em processo contraordenacional, que julgou improcedentes os recursos pelos mesmos interpostos de decisão proferida, na sequência de impugnações deduzidas contra decisão do Banco de Portugal, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão condenando A. numa coima única de € 350.000,00, acompanhada de sanções acessórias, e B. na coima única de € 3.700.000,00, acompanhada também de sanções acessórias.

2. Os recorrentes interpuseram os seus recursos de constitucionalidade separadamente, nos seguintes termos:

2.1. O recurso interposto por A. (fls. 37367 a 37376) apresentou, fundamentalmente, o seguinte teor:

«Pede-se que o Tribunal Constitucional aprecie então as seguintes questões de inconstitucionalidade normativa:

1ª) Inconstitucionalidade-surpresa do art. 73º do RGCO, conjugado com o art. 410º nº 3 do CPP ex vi art. 41º do RGCO, por violação do art. 32º nº 10, em conjugação com o art. 18º nº 2, e ainda por violação do art. 20º nº 4 da CRP, todos os três da CRP, na dimensão interpretativa segundo a qual não pode ser reapreciada em sede de recurso da decisão final uma nulidade processual insanável suscitada no âmbito de processo de contraordenação em momento prévio à prolação da sentença, configurando tal interpretação normativa, por um lado, «uma afetação desproporcionada do direito de defesa do arguido (...) garantido pelo nº 10 do art. 32º da Lei Fundamental» e ainda uma afetação desproporcionada das exigências decorrentes de um processo equitativo, garantido pelo nº 4 do art. 20º da CRP, e que, ponderado o nº 2 do. art. 18º da CRP, devem conduzir à «efetivação de um juízo que, na prática, leve à concordância entre os valores da celeridade processual e do asseguramento das garantias de defesa quanto aos processos sancionatórios» [cfr. Ac. Tribunal Constitucional nº 265/01, proferido no Processo nº 213/2001, Relator Bravo Serra, a fls.7].

(...)

2ª) Inconstitucionalidade-surpresa do complexo normativo constituído pelos arts. 358º ou 359º do CPP ex vi art. 41º do RGCO, art. 58° n° 1 do RGCO e art. 374º nº 2 do CPP ex vi art. 41º do RGCO, por violação dos Princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da ideia de Estado de Direito consagrada no art. 2º da CRP, e por violação também dos direitos de Defesa do arguido em processo contraordenacional, consagrados no art. 32º nº 10 da CRP, na vertente em que as garantias de defesa abrangem o direito do arguido a um julgamento, nos termos do art. 59º e segs do RGCO, no qual sejam apreciados todos os factos considerados relevantes para a determinação da sua responsabilidade contraordenacional, sendo os preceitos constitucionais acima referidos conjugados ainda com o art. 18º nº 2 da mesma CRP.

Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade do referido complexo normativo acima identificado, na interpretação normativa que dele fez o Tribunal da Relação de Lisboa segundo a qual não se verifica qualquer alteração de factos quando o Tribunal de 1ª instância faz constar da Matéria de Facto Provada na sentença factos que antes não constavam da enumeração dos factos imputados, feita pela Autoridade Administrativa na sua decisão condenatória, pelo que o Tribunal de 1ª instância pode fazê-lo sem ter de previamente fazer qualquer comunicação aos arguidos nos termos do art. 358º, e muito menos ao abrigo do disposto no art. 359º do CPP (cfr. fls. 668 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido).

(...)

3ª) Inconstitucionalidade do art. 210º al. m) do RGICSF, conjugado com os arts. 18º e 20º do Aviso nº 5/2008 do Banco de Portugal, por violação do Princípio da Igualdade de tratamento entre cidadãos - que impõe que se trate o igual igualmente e o desigual desigualmente, mas havendo uma proporção entre o tratamento desigual e a desigualdade de comportamentos -, consagrado no art. 13º da Constituição e decorrente também do Princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2º da CRP, na sua dimensão de Estado de Justiça, na interpretação normativa segundo a qual, estando em causa a reapreciação pelo Tribunal de 1ª instância da responsabilidade de parte dos membros de um órgão de administração de um Banco, à luz das referidas normas previstas nos citados arts. 18º e 20º - que impõem deveres ao órgão de administração no seu conjunto e, portanto, necessariamente, a todos e a cada um dos administradores que o integram -, se pode desconsiderar e até eliminar sejam os factos julgados provados, sejam as sanções aplicadas, pela decisão administrativa condenatória, relativamente aos membros desse órgão de Administração que não impugnaram a decisão condenatória da Autoridade Administrativa.

(...)

4ª) Inconstitucionalidade-surpresa dos arts. 210º al. m) do RGICSF e 18º e 20º do Aviso nº 5/2008 do Banco de Portugal, conjugados com o art. 8º do RGCO e art. 14º do CP, aplicável ex vi art. 32º do RGCO, por violação do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no art. 32º nº 2 da CRP, violação dos direitos de defesa do arguido em processo contraordenacional, previstos no art. 32º nº 10 da CRP, e ainda violação do direito que assiste ao arguido a ter um processo justo e equitativo, previsto no art. 20º nº 4 da CRP, na interpretação normativa feita pelo Acórdão recorrido segundo a qual o dolo é presumido a partir da prova dos factos que revelam a culpa em sentido lato (voluntariedade, liberdade e consciência da ilicitude), sem qualquer outro suporte factual, ou seja, sem que haja uma descrição dos concretos factos psicológicos em que se consubstancia o dolo (representação mental dos factos típicos e vontade do agente de ocorrência desses factos), dos quais o arguido não se pôde evidentemente defender.

(...)

5ª) Inconstitucionalidade do art: 210º al. m) do-RGICSF, por violação do princípio da legalidade, consagrado no art. 29º nºs 1 e 3 da CRP, e do princípio constitucional da tipicidade dos ilícitos sancionatórios que dele dimana, bem como por violação do princípio da precisão ou da determinabilidade das normas restritivas de direitos, liberdades e garantias inseridas no art. 18º nº 2 da CRP, e ainda por violação do princípio da segurança e da confiança dos cidadãos na ordem jurídica, corolários do Princípio do Estado de Direito consagrado no art. 2° da CRP e do Princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no art. 1º da CRP, por se tratar de um tipo contraordenacional em branco que, em si mesmo, não garante um mínimo de determinabilidade das condutas proibidas, não definindo sequer o núcleo essencial das proibições, sendo que a sua concatenação com o Aviso nº 5/2008 excede em muito a mera definição de critérios de natureza técnica e, de acordo com a interpretação inconstitucional que se impugna, até aí se incluem como ilícitos meras omissões que nem estão descritas em sítio nenhum, nem estão abrangi das por uma norma genérica de extensão dos tipos comissivos por ação (contrariamente ao que sucede v.g . com o art. 10º do Código Penal) (...)».

2.2. O recurso de constitucionalidade interposto por B. (fls. 73780 a 37416) apresentava, em suma, o seguinte teor:

«[Pretende] a declaração de inconstitucionalidade das seguintes normas legais, no sentido que foram interpretadas e aplicadas no Acórdão recorrido, em violação das normas e princípios constitucionais de seguida igualmente indicados:

(a) os artigos 213.º, n.ºs 1 e 2. e o anterior artigo 219.º, n.ºs 3 e 4. todos do RGJCSF na versão aplicável (o anterior artigo 219.º, n.ºs 3 e 4, corresponde ao atual artigo 219.º·A, n.º 1, do RGICSF), interpretados e aplicados pelo Acórdão recorrido no sentido de que o Conselho de Administração do Banco de Portugal que aplique medidas de resolução a uma instituição de crédito. tem competência para decidir os processos de contraordenação contra os ex-administradores desta, quando a maioria do Conselho de Administração do Banco de Portugal se mantém a mesma desde a data de aplicação das medidas de resolução, são inconstitucionais, por violação do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, que consagra o direito de defesa do arguido. em processo de contraordenação, que inclui o principio de tutela jurisdicional efetiva através de um processo justo e equitativo consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP (...);

(b) os artigos 215.º, n.º 3, anterior 219.º, n.º 3 (atual 219.º-A, n.º 1), e 220.º, n.º 1. todos do RGICSF, e 54.º, n.º 2. do RGCO, interpretados e aplicados pelo Acórdão recorrido no sentido de que o Banco de Portugal pode, enquanto entidade sancionatória a nível contraordenacional, utilizar no processo de contraordenação elementos probatórios fornecidos pelo arguido, maxime declarações e informações, antes do processo, sem que lhe tenham sido feitas quaisquer advertências sobre a possibilidade de autorresponsabilização contraordenacional e os respetivos direitos de defesa, são inconstitucionais, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.ºs 8 e 10, da CRP, que consagram os princípios da necessidade/proporcionalidade e, ainda, os direitos de presunção da inocência e ao silêncio do arguido (...);

(c) o artigo 211.º -l) do RGICSF. na redação vigente à data dos factos relevantes e no início do presente processo (30 de junho de 2014), interpretado e aplicado pelo...

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