Acórdão nº 433/20 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Agosto de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução12 de Agosto de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 433/2020

Processo n.º 570/20

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A. e B., notificados da Decisão Sumária n.º 387/2020, que não conheceu do objeto dos recursos de constitucionalidade por si interpostos, vêm reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

Os reclamantes, recorrentes nos presentes autos, em que é recorrido o Ministério Público, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto do acórdão proferido em 1.ª instância que, entre o mais, condenou o primeiro, como coautor, na pena de 7 anos e 10 meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e o segundo, como coautor e reincidente, em idêntica pena de 7 anos e 10 meses, pela prática do mesmo tipo de crime.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 29 de maio de 2019, negou provimento aos dois recursos, confirmando integralmente decisão recorrida.

O arguido B. interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, mas, por despacho de 12 de julho de 2019, tal recurso não foi admitido (cf. fls. 3262). Inconformado, interpôs então o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

O arguido A., notificado daquele acórdão do Tribunal da Relação do Porto, veio, por sua vez, requerer a sua aclaração e arguir a nulidade do mesmo (cf. fls. 3198-3209). Aquele tribunal, por acórdão de 25 de setembro de 2019, indeferiu tal incidente (cf. fls. 3298-3305).

Inconformado, este arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas, por despacho da desembargadora relatora, de 30 de outubro de 2019, tal recurso não foi admitido (cf. fls. 3328). Interpôs então o arguido recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

Posteriormente, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de fevereiro de 2020, apreciado os recursos interpostos para aquela instância por C. e D., coarguidos do ora reclamante A., veio este arguir a nulidade de tal acórdão (cf. fls. 3451 a 3455).

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 23 de abril de 2020 (cf. fls. 3473-3477), indeferiu o requerido. Notificado deste acórdão, o arguido veio requerer a sua aclaração (cf. fls. 3487-3493), mas, por Acórdão de 18 de junho de 2020 (cf. fls. 3499-3508), o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerido.

Interpôs então o arguido A. novo recurso de constitucionalidade, igualmente ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária ora reclamada:

«§ 1.º - Quanto ao recurso interposto pelo arguido B.

8. No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, este recorrente começa por referir que interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, «por entender que não foi feito o exame crítico das provas e no que concerne à pena de prisão, deveria ser mais leve, uma vez que seria manifestamente suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção mostrando-se violados os art.s 374°, 379º, 410°, 70° e 71º do CP; e 32º da CRP». Seguidamente, refere, por um lado, que «a interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do art. 374º do CP», efetuada pelo Tribunal da Relação do Porto, «viola o art.º 32° da Constituição da República Portuguesa» e que tal inconstitucionalidade foi invocada previamente no seu recurso do Tribunal Central Criminal de Gaia para o Tribunal da Relação do Porto.

E, por outro lado, menciona que aquele Tribunal da Relação, «ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, […] não avalizou corretamente o art.º 71° do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo suspender a prisão determinada».

Assim, com o presente recurso, o recorrente pretende ver apreciadas duas questões: uma primeira, reportada a uma dada interpretação do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP) [embora o recorrente faça referência ao Código Penal (CP), tal resulta de manifesto lapso]; e uma segunda questão, respeitante ao artigo 71.º do CP..

No que respeita à primeira questão, embora o recorrente não enuncie no requerimento de recurso qual a interpretação que pretende ver apreciada, refere que tal inconstitucionalidade foi invocada no seu recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Ora, a única questão de inconstitucionalidade suscitada a respeito deste preceito encontra-se enunciada nas conclusões XXIII a XXV da motivação de tal recurso. Com efeito, depois de referir que o Tribunal Constitucional já decidiu julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, «na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32.º, também da Constituição» (cf. conclusão XXIII), o recorrente sustenta que foi o que aconteceu no caso presente, em que foram indicados os meios de prova mas «faltou claramente o exame crítico das provas» (cf. conclusão XXIV). Assim, a primeira questão de constitucionalidade reporta-se à referida norma do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, nesta interpretação.

9. Esta primeira questão de constitucionalidade não pode ser conhecida, visto que, em relação à mesma, o presente recurso se mostra inútil. Com efeito, a decisão ora recorrida não aplicou o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, na interpretação sindicada pelo recorrente, isto é, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.

O tribunal a quo, apreciando a nulidade invocada pelo ora recorrente com fundamento no artigo 379.º, nº 1, al. a), conjugado com o artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP, por falta do exame crítico dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, bem como a inconstitucionalidade suscitada a esse respeito, afirma o seguinte:

«Temos de discordar desta perspetiva, porquanto a explicitação de motivos e análise exigida pelos preceitos legais invocados, basta-se com uma exposição sumária, desde que seja percetível.

No caso vertente em análise, o Tribunal consignou, no texto da decisão, as razões que levaram a dar credibilidade aos meios de prova ou, pelo contrário, a não os considerar relevantes para a descoberta da verdade, de forma clara e percetível, permitindo que se infira o processo lógico que presidiu à formação da convicção do Tribunal.

Assim, a simples leitura do Acórdão basta para demonstrar que não verifica em concreto a nulidade invocada, nem qualquer inconstitucionalidade pois do Acórdão consta a valoração e apreciação dos meios de prova não se limitando à sua mera enumeração.».

Resulta do exposto que o Tribunal da Relação do Porto manifesta a sua discordância relativamente à perspetiva do recorrente expressa nas conclusões XXIII a XXV da alegação de recurso para a aquele tribunal, no sentido de que o tribunal de 1.ª instância se havia limitado a indicar os meios de prova, não tendo procedido ao exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão. Diferentemente, o mesmo tribunal considerou que a 1.ª instância consignou na sua decisão, de forma clara e percetível, as razões que levaram a dar credibilidade aos meios de prova ou, pelo contrário, a não os considerar relevantes para a descoberta da verdade, permitindo que se infira o processo lógico que presidiu à formação da convicção do tribunal. E, por ser assim, entendeu que o tribunal de 1.ª instância fez constar a valoração e apreciação dos meios de prova, não se tendo limitado à sua mera enumeração.

Resulta, assim, manifesto, que o Tribunal da Relação do Porto não aplicou a norma do artigo 374.º, n.º 4, do CPP, na interpretação ora sindicada.

Ora, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo constitua a ratio decidendi da decisão recorrida, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar a sua reforma (cf. o artigo 80.º, n.º 2, da LTC). Todavia, não é isso que se verifica in casu.

Deste modo, atenta a falta de coincidência entre a ratio decidendi subjacente à pronúncia do tribunal recorrido e a interpretação normativa que o recorrente pretende sindicar, forçoso é concluir que, quanto a esta primeira questão, o presente recurso é, nos termos já referidos, inútil, não devendo, por esta razão, conhecer-se do seu mérito.

10. Relativamente à segunda questão de constitucionalidade – referente ao artigo 71.º do CP –, não se pode também conhecer do recurso por inidoneidade do respetivo objeto e, subsidiariamente, por falta de legitimidade do recorrente.

10.1. O objeto do recurso, nesta parte, prende-se exclusivamente com a eventual...

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