Acórdão nº 595/20 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 595/2020

Processo n.º 393/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam os juízes que compõem o pleno da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Nos autos de processo comum afeto ao tribunal colectivo, que correram os seus termos no Juízo Central Criminal do Porto com o número 388/17.4JAPRT, foi proferido acórdão, em 1.ª instância, datado de 11/02/2019, pelo qual o arguido A. (o ora Recorrente) foi condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Na mesma decisão foi o referido arguido condenado a pagar ao Estado a quantia de €203.040,88, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito, constituindo vantagem da atividade ilícita, mantendo-se “[…] o arresto decretado [nos] autos [de] apenso [de procedimento cautelar de arresto em processo penal] nos seus exatos termos de todos os bens que sejam encontrados em poder [do arguido] […] A., em valor suficiente para garantir o pagamento das quantias em que foram condenados a pagar ao Estado […]”.

1.1. O mencionado acórdão de 11/02/2019 foi pessoalmente notificado ao arguido, o qual dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 12/06/2019, confirmou a decisão recorrida. O Recorrente arguiu a nulidade desta decisão, pretensão que viu indeferida por acórdão de 24/07/2019.

1.1.1. O Recorrente pretendeu recorrer dos acórdãos de 12/06/2019 e de 24/07/2019 para o Tribunal Constitucional, recurso que viu admitido no Tribunal da Relação do Porto, dando origem, no Tribunal Constitucional, ao processo n.º 822/2019, desta 1.º secção. Foi esse recurso apreciado, no sentido do não conhecimento do objeto da impugnação pretendida, pela Decisão Sumária n.º 593/2019, a qual foi notificada ao Recorrente por expediente remetido em 12/09/2019. Uma vez transitada a decisão, o processo foi remetido ao Tribunal da Relação do Porto em 07/10/2019.

1.1.2. Regressados os autos à primeira instância, não tendo o Recorrente depositado a quantia em cujo pagamento havia sido condenado, o Ministério Público promoveu, em 31/10/2019, a notificação do identificado arguido “[…] para, em 10 dias (artigo 12.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro), entregarem ao Estado Português as quantias, correspondentes ao valor do património que foi considerado constituir vantagem da atividade ilícita, em que foram condenados e acima referidas”.

Esta promoção foi objeto de um despacho, datado de 04/11/2019, com o seguinte teor: “[n]o que respeita aos valores em que os arguidos foram condenados a pagar ao Estado, diligencie como promovido, se já não cumprido no translado/certidão de acompanhamento das penas dos arguidos”.

Em cumprimento desse despacho, em 05/11/2019, a secretaria judicial notificou o arguido, na pessoa do respetivo advogado, “[…] para no prazo de 10 dias, o arguido entregar ao Estado Português a quantia, correspondente ao valor do património que foi considerado constituir vantagem da atividade ilícita, em que foi condenado”.

1.1.3. Não tendo sido feito o depósito da quantia em causa, foi proferido despacho, datado de 19/12/2019, do qual consta, designadamente, o seguinte: “[…] em relação ao arguido A. foi considerada vantagem de atividade criminosa deste arguido o valor de €203.040,86 em que foi condenado. Notificado no processo principal para em dez dias efetuar o pagamento do mencionado valor, o arguido não pagou. Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01, são declarados perdidos a favor do Estado os bens que lhe estejam arrestados”.

1.1.4. Desta decisão recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. Da motivação do recurso adrede apresentada consta, designadamente, o seguinte trecho expositivo:

“[…]

Uma interpretação da norma constante dos artigos 12.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e 113.º do CPP, com o sentido de que não impõem a notificação ao arguido visado para entregar ao Estado Português a quantia de €203.040,88 inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas, por atentar contra o estatuído nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

No nosso entendimento, a referida norma deve ser interpretada com o sentido de que o arguido deve ser sempre notificado, para além do mandatário, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.

[…]”.

1.1.5. No Tribunal da Relação do Porto, foi proferido acórdão, datado de 22/04/2020, que negou provimento ao recurso. Da respetiva fundamentação consta, no que toca à matéria que será discutida no presente recurso, o seguinte:

“[…]

O regime legal, no caso de existência de uma garantia real do cumprimento das obrigações – no caso um arresto –, é absolutamente claro: o devedor pode fazer extinguir a referida garantia com o cumprimento voluntário (pagamento pecuniário) da obrigação no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da condenação. Constitui tal possibilidade de extinção do arresto uma faculdade ‘ope legis’ que não carece, por isso, de qualquer comunicação por parte do tribunal (comunicação que, no caso concreto, o Ministério Público junto do tribunal da primeira instância, ciente da sua natureza desnecessária, qualificou como ‘indulgência’). O referido regime não colide com qualquer preceito constitucional (nomeadamente o invocado artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e, pelo contrário, potenciou para além do prazo legal estabelecido a possibilidade de o recorrente poder obter a extinção do arresto.

Aqui chegados, naturalmente que a referida notificação não poderia, em caso algum, integrar o elenco de natureza taxativa das notificações que obrigatoriamente devem ser efetuadas ao arguido e descritas no artigo 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal. Neste sentido não se verifica, rigorosamente, qualquer nulidade processual, nomeadamente aquela prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

Não existindo qualquer nulidade não se potencia qualquer efeito destrutivo nos atos processuais subsequentes, incluindo no despacho recorrido.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional – recurso que deu origem aos presentes autos –, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (requerimento de fls. 231, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

Já no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, pelo relator, convidando o Recorrente “[…] a completar, no prazo de dez dias, o requerimento de interposição do recurso com a indicação precisa da norma impugnada, não só por referência ao preceito legal que a contém, mas também ao respetivo sentido normativo ou interpretação, que, no seu entender, o tribunal recorrido adotou como critério de decisão e se pretende ver questionada pelo Tribunal Constitucional, com a cominação de, não o fazendo, ser o recurso julgado deserto (artigo 75.º-A, n.os 5, 6 e 7, da LTC)”.

Em resposta, o Recorrente esclareceu pretender “[…] ver apreciada a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º 5/2002, de 11/1, conjugada com o n.º 10 do artigo 113.º e a al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, com a interpretação aplicada no acórdão recorrido, ou seja, de que sendo ordenada pelo tribunal a notificação do o arguido para efetuar o pagamento pecuniário voluntário no prazo de 10 dias previsto no n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º 5/2002, de 11/1, ainda que passados mais de 10 dias do trânsito em julgado do acórdão condenatório, aquela não tem de ser notificada pessoalmente ao arguido, mas apenas ao seu mandatário”.

O relator proferiu, então, despacho que determinou a notificação das partes para alegarem, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 79.º, n.º 1, da LTC e, ajustando, num plano meramente formal, o enunciado do Recorrente, indicou como objeto do recurso “[…] a norma contida no artigo 12.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, em conjugação com os artigos 113.º, n.º 10, e 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, realizada pelo tribunal a notificação para o pagamento voluntário previsto no referido preceito decorridos mais de 10 dias após a data do trânsito em julgado do acórdão condenatório, tal notificação não tem de ser realizada na pessoa do arguido, bastando que o seja na pessoa do advogado que o representa”.

1.2.1. O Recorrente apresentou as suas alegações, das quais consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

11. Apenas o seu mandatário foi notificado, assumindo este que o arguido também o fora, na senda do conteúdo da promoção e despacho mencionados nos pontos 2 e 3.

12. Além desse conteúdo, que naturalmente se mostra possível de interpretação óbvia, não se nos oferecem dúvidas que o arguido tinha sempre de ser notificado na morada do TIR, pelo menos por via postal simples.

13. Aliás, recebendo o mandatário do arguido a promoção e despacho referidos anteriormente (pontos 2 e 3), é mais que fundada a interpretação de que se ordenou a notificação do arguido.

14. Recorde-se que em causa está um pagamento de uma quantia avultada no valor de €203.040,88 ao Estado Português, sob pena, de não o fazendo e passando o prazo, não mais o poder fazer, perdendo o arguido definitivamente os bens arrestados, nomeadamente a casa de morada de família.

15. Tanto assim é, que foi o próprio Tribunal a ordenar a notificação do arguido, que, contudo, apenas se cumpriu, por parte da secretaria, quanto ao seu mandatário.

16. Daqui inferimos que, ao contrário do...

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