Acórdão nº 597/20 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 597/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em que é recorrente A., S.A., e recorrida a Autoridade tributária e aduaneira (AT), foi interposto recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 70.º, no n.º 1 do artigo 71.º, na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 72.º, no n.º 1 do artigo 75.º e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 75.º-A, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal Central Administrativo em 7 de novembro de 2019 que decidiu o recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF de Aveiro).

2. O TCA Norte baseou a sua decisão no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, concluindo que

«Uma vez que as questões suscitadas no presente recurso se encontram analisadas neste acórdão do Tribunal Constitucional, a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que a liquidação em crise não enferma das ilegalidades que lhe vêm apontadas, devendo ser mantida a sentença recorrida que assim também considerou»

e, por isso, negou provimento ao recurso.

3. Do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional resulta que a recorrente, ora reclamante, pretendia ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro.

4. Na Decisão Sumária n.º 229/2020, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se «[n]ão julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro», por remissão para os fundamentos em que ancorou o Acórdão n.º 7/2019, dado serem os mesmos transponíveis para o caso dos autos.

No que releva para a apreciação da reclamação dirigida contra a Decisão Sumária n.º 229/2020, o juízo de não inconstitucionalidade baseou-se na seguinte fundamentação:

«(…) b) Da constitucionalidade da CESE

7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.

Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».

Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.

(…)

9. O regime que cria a contribuição extraordinária sobre o setor energético foi aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro. No artigo 1.º, n.º 2, desse regime, determinou-se que a «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético».

Na sua sequência, o artigo 11.º do Regime Jurídico que cria a CESE, consignou a sua receita a um Fundo – o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril – «com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira».

Estabeleceu o artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 55/2014 sobre os objetivos do FSSSE:

«2 - O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através:

a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética;

b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro».

10. A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (…), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto.

Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético.

Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.

Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.

O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de...

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